Teatro interativo inclusivo. Eu sempre digo que a arte deve ser livre, que o artista ou autor não precise pensar em criar uma obra com acessibilidade, a não ser que seja uma vontade espontânea dele, mas que isso não seja uma exigência e que sua criação possa fluir livremente sem nenhuma regra. A acessibilidade deve sim existir, mas esta deve ser criada em cima da obra criada pelo artista.
Há diferentes tipos de arte, mas também há diferentes tipos de tecnologias assistivas que podem tornar o material ou experiência em algo acessível e inclusivo. Certa vez eu fui assistir uma peça chamada Valsa #6, um espetáculo baseado na obra de Nelson Rodrigues e que promove uma experiência sensorial. Quando você chega na recepção do teatro, recebe um macacão branco com capuz e uma máscara, acessórios que fazem parte da interatividade do espetáculo. Eu recebi um macacão convencional, o que na peça de roupa não há problema algum, mas a seria muito difícil vestí-lo, pois não havia um lugar adequado para isso, e trocar de roupa sentado na cadeira de rodas não é para qualquer um.
Eu até tinha perguntado se não havia algo adaptado para mim, mas inicialmente disseram que não. Então questionei qual a necessidade da roupa, e se isso poderia interferir na minha experiência com o espetáculo, e disseram que não havia nenhum problema se eu não quisesse vestir. Porém isso também não é agradável, pois você vê todo mundo vestido e somente você sem a vestimenta que faz parte da experiência, então se sente como um peixe fora d’água. Mas pouco tempo depois, a produção veio falar comigo e disse que tinha sim, uma roupa adaptada. Era algo parecido com um avental de barbeiro ou uma capa de chuva branca e com capuz, então felizmente pensaram em adaptações para a inclusão.
Foi algo que me deixou contente, mas achei que houve falhas na comunicação. Primeiro na comunicação com o público, pois seria bem melhor que essa informação, que havia acessibilidade no local e no espetáculo, estivesse junto com a divulgação geral. Se uma pessoa soubesse da necessidade da vestimenta, poderia ficar inibida ou até mesmo desistir de ir, caso fosse procurar informações sobre a acessibilidade e não encontrar. Lembrando que nem todos tem iniciativa de entrar em contato com a produção, então a informação da acessibilidade precisa ser de fácil acesso, no site ou materiais distribuídos ao público.
Este mesmo tipo de critério, que a arte deve ter sua criação livre pelo artista, também serve para outras situações. Por exemplo, certa vez eu vi uma criação artística no Museu da Língua Portuguesa, que era um amontoado de lixo, com latas, caixas, ferragens e todo o tipo de descarte possível, e que você subindo numa escada instalado ao lado dessa obra, olhando de um ponto específico indicado do alto dessa escada, sinalizado por uma argola de metal, conseguiria ver uma frase poética pintada no monte de lixo, de não seria possível de ver na parte de baixo. A idealização dessa obra foi feita assim, sem pensar em como um cadeirante conseguiria subir por essas escadas.
Então eu pedi que alguém subisse na escada e tirasse uma foto desse ponto de visão, para que eu conseguisse visualizar a frase. Até poderia colocar uma plataforma para que eu subisse, mas dependendo do local e situação, isso pode não ser possível. Então é com criar alternativas, mesmo que elas não sejam uma solução perfeita, mas que pelo menos não nos deixe fora da brincadeira. Uma audiodescrição para cegos, já que a obra não pode ser tocada, e mesmo se fosse, nessa obra especificamente, também não seria possível identificar pelo tato as letras pintadas.
A interatividade é uma iniciativa muito boa, que quando existe e está adequada, trazem uma alegria extra com um sentimento de inclusão. Mas numa situação em que a interatividade não está acessível e inclusiva, a decepção também pode ser ainda mais forte, e gerar grandes tristezas e revoltas. Sempre é possível criar a interatividade inclusiva, mas é preciso conhecer o publico para quem ela será feita, caso contrário a coisa pode dar errada. Eu me lembro da brincadeira do amigo secreto, ou amigo oculto, onde na versão mais tradicional, através de um sorteio, você deve dar um presente para uma pessoa que quem sabe você não conheça. Por conta disso, a probabilidade de comprar um presente inútil é grande, como acontece comigo na maioria das vezes.
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