Rodoviários são treinados para atender pessoas com as mais diversas restrições de mobilidade
A lei 13.146/15, que entrou em vigor em 3 de janeiro de 2016, conhecida como a Lei de Acessibilidade, representou um marco na abordagem social e jurídica tanto do portador de deficiência física quanto mental. Um dos direitos assegurado pela lei exige que todos os espaços públicos garantam condições de mobilidade para todas as pessoas, mas, na prática, é comum vermos locais que não garantem o mínimo de acessibilidade. A realidade é que cada um, desde as esferas governamentais, passando pelas empresas e a sociedade civil, precisa fazer sua parte para que as cidades possam chegar a este patamar de garantir o direito de ir e vir para todos os cidadãos.
Maceió enfrenta problemas graves de mobilidade, que vão de calçadas extremamente inclinadas até trechos por onde sequer um pedestre que não tenha qualquer limitação física consegue passar. Com essas irregularidades, fica difícil para idosos, pais transportando crianças em carrinhos de bebê ou mesmo no colo, cadeirantes, obesos, cegos, pessoas que usam muletas entre outras limitações físicas andar com segurança pelas ruas.
Por outro lado, Maceió tem o que comemorar. É que a cidade é uma das poucas no Brasil que tem a frota de transporte coletivo 100% acessível. Isso mesmo, todos os 600 ônibus do Sistema Integrado de Mobilidade Maceió (SIMM) possuem elevador para cadeirante (que também pode ser usado por pessoas com outros tipos de limitação física). De acordo com o Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Passageiros de Maceió (Sinturb) embora nem todos os veículos tenham saído de fábrica com o dispositivo, aqueles que não possuíam elevador foram adaptados para serem utilizados no sistema de transporte coletivo da capital.
Mas o presidente do Sinturb, Guilherme Borges, destaca que não bastava ter ônibus com elevadores, era necessário tornar o SIMM realmente acessível. Para isto, os cerca de 3,5 mil rodoviários da capital passam todos os anos por treinamento no Serviço Social do Transporte e Serviço Nacional de Aprendizagem do Tranporte (Sest/Senat) não somente para aprender a operar o elevador, como também para oferecer atendimento humanizado aos passageiros, em especial os que possuem deficiência ou condições especiais e necessitam de uma atenção-extra por parte dos motoristas e cobradores.
Dentro do conteúdo programático do curso oferecido aos rodoviários há a disciplina de Relações Humanas, uma das várias aulas que são ministradas pelo instrutor Aristeu Lázaro Salvador. Além da parte teórica sobre relacionamento interpessoal e como fazer o atendimento humanizado, os alunos passam por um exercício prático de sensibilização, onde sentem “na pele” as dificuldades que os deficientes passam na hora de usarem o transporte coletivo.
Os alunos em cadeiras de roda entraram nos coletivos pelo elevador de acessibilidade, foram vendados e tiveram não somente que encontrar o ônibus, mas também que acessar o coletivo, entre outros exercícios.
“Não é difícil, colocamos os alunos para sentir a dificuldade para que eles possam ser sensibilizados, ter empatia. Situações como dizer para o deficiente visual pegar no seu braço e não pegar no braço dele, sentir a instabilidade da cadeira que o cadeirante experimenta, as dificuldades dos surdos que não são compreendidos e ficam vulneráveis. Antes se vai o deficiente como incapaz, hoje não. O idoso também, hoje está mais ativo e é público dos rodoviários”, aponta o instrutor.
Erivelto Santana, 48, é motorista da Veleiro há 25 anos e foi um dos primeiros rodoviários do Estado a trabalhar com transportes acessíveis. Ainda assim, passou pelo treinamento do Sest/Senat. “Você vai se aperfeiçoando, conhecendo melhor as limitações dos passageiros especiais no dia a dia. Infelizmente há companheiros que passam direto no ponto quando veem um cadeirante, ignorando totalmente que aquele passageiro pode ter urgência em chegar em casa, ter hora para medicação”, analisa o motorista.
Ao lado do experiente Erivelto, estava José Cícero Caetano da Silva, 36, que há um ano e dois meses é cobrador da viação Cidade de Maceió. Além das aulas de aperfeiçoamento, ele aproveitou a oportunidade para fazer o curso de motorista. “O profissionalismo cresce, você vai gostando, aumentando a habilitação e ainda pode ajudar o próximo. Eu gosto de ir à Adefal [Associação dos Deficientes Físicos de Alagoas], tenho colegas deficientes onde moro [Satuba] e sempre via as dificuldades. Aqui estou aprendendo mais detalhes e agora sei melhor como ajudar o motorista e atender bem estes passageiros”, assinala.
Moisés Ferreira, 28, cobrador da Real Alagoas e que também estava aproveitando para fazer o curso de motorista, teve na categoria de rodoviário seu primeiro emprego, no qual está há dez anos. Filho de um rodoviário, o rapaz garante que foi buscar mais qualificação, aperfeiçoar suas habilidades, além de aprender uma nova profissão que é melhor remunerada e, de quebra, ainda tanto o curso quanto a Carteira de Habilitação sem custo e com o aval da empresa.
“Além das vantagens de ter uma nova profissão, eu aprendi muito nas aulas de relações humanas. Na parte prática fui vendado e tive muita dificuldade em ficar sem enxergar e ter não somente que chegar ao ônibus, mas entrar no coletivo. Temos que ter um cuidado especial porque a acessibilidade é complicada na cidade”, defende Moisés.
Thais Cabral é coordenadora de Desenvolvimento Profissional do Sest-Senat comemora o sucesso na sensibilização não somente dos rodoviários que estão no mercado, mas também pessoas que querem fazer parte da categoria. “Cada turma tem em média 30 alunos e funcionamos os três turnos, inclusive aos domingos. Eles aprendem sobre novas tecnologias, GPS, telemetria, relações humanas entre outros temas. Nós somos conscientes de que a categoria vive sob estresse contínuo da atenção com o trânsito, a mecânica, o contato com os usuários. O rodoviário é a mola-mestra nesta cadeia. Vivenciar a acessibilidade, mais do que só manusear um elevador, faz com que eles tenham mais cuidado, uma visão empática de se relacionar com o usuário. Temos parcerias governamentais e não governamentais que oportunizam que eles possam ter essa percepção mais próxima com a realidade do público”, defende.
“A capacitação é essencial para que se tenha excelência no dia a dia”
O presidente do Sinturb, Guilherme Borges, conversou com a reportagem do Jornal das Alagoas sobre as dificuldades do setor quando o assunto é acessibilidade e o que pode ser feito. Confira:
Que diferença você vê no dia a dia das empresas depois que os rodoviários receberam esta qualificação?
A capacitação é essencial para que os rodoviários passem a ter excelência no dia a dia do trabalho. Eles passam a ter mais conhecimento da profissão, mais empatia, eles colocam no lugar do outro e respeitar mais. Os dois lados são favorecidos, os clientes que estão sendo transportados por receberem um atendimento diferenciado e pelo lado profissional deste rodoviário, que está em constante aprendizado.
Os ônibus já estão vindo de fábrica com os dispositivos de acessibilidade ou há uma meta para isso?
Desde 2015 os ônibus já saem de fábrica com o elevador, dois espaços para cadeirantes, equipados com cinto de segurança e locais reservados para os passageiros especiais.
Em termos de acessibilidade, em que o sistema de transporte de Maceió ainda precisa avançar? Como o Sinturb pretende resolver isso?
Precisamos não só de um transporte 100% acessível, mas de uma cidade preparada também para isso, desde as vias ao transporte público. O Sinturb vem fazendo a sua parte quando se preocupa com a capacitação desses profissionais que vão atender aos passageiros especiais, estimulando a participação deles nos cursos de capacitação, fazendo com que eles enxerguem a importância de tratamento igual para todos os passageiros. E no dia a dia mostrar que o compromisso no melhor atendimento para este público, além de garantir uma frota acessível. Para garantir o funcionamento ideal do elevador, as calçadas precisam estar planas, se não se torna inviável o funcionamento e o deslocamento do cadeirante.
Visão da psicologia
Para a psicóloga Dilséa Gebogi, o treinamento prático oferecido aos rodoviários proporciona mais proximidade e realismo para entender o quão é sofrida a vida daquele que necessita de cuidados especiais e nem sempre os recebe de maneira digna e respeitosa.
“Penso ser uma estratégia extremamente eficaz para o real entendimento do que se pode fazer para amenizar as dificuldades das PCD’s que utilizam diariamente o transporte público e precisam de ajuda para o embarque e desembarque seguro, priorizando a qualidade do serviço oferecido à população”, afirma.
Ela lembra que se colocar no lugar do outro é um exercício que promove mais empatia e tolerância, além de facilitar a adoção de comportamentos de não julgamento, pois antes de tirar conclusões precipitadas, a pessoa irá procurar imaginar como o outro se sente e entender um pouco mais as diferenças entre as pessoas.
“A empatia também possibilita agir com mais maturidade, fazendo com que seja possível entender as necessidades da outra pessoa, aprendendo a respeitá-la, evitando comparações e desenvolvendo habilidades transformadoras de respeito e amor ao próximo, promovendo relações interpessoais mais sólidas e positivas”, assegura.
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