Um dia, quatro transportes. Viagem a Coimbra utilizando transportes públicos acessíveis.
Este texto foi escrito por João Henriques para o site da Rede Saci, de onde é repórter voluntário. Português, tem 35 anos e tornou-se tetraplégico em um acidente. Administra o site Acessibilidade em estado se sítio
Se eu tiver que indicar no mapa de Portugal uma cidade como sendo o centro do País seria, sem qualquer dúvida, Coimbra. Esta cidade Histórica está cheia de encanto e tradição pelos seus Monumentos, o Fado e a Universidade (uma das mais antigas da Europa). Coimbra fica a cerca de 100 Km do Porto e 200 Km de Lisboa, e por muito que ela seja marcada pela história, todos os anos a sua Universidade enche Coimbra de estudantes, contrastando então o conservadorismo com o contemporâneo, num imenso “pulmão” de jovens estudantes famintos de criar as suas histórias.
Eu, João, vivo na Lousã, uma vila com uma identidade muito própria, mas devido a ficar a escassos 28 km de Coimbra, torna-se, também, num dormitório desta cidade. E viver na fronteira entre a tranquilidade e o citadino (aquele que habita a cidade) levanta sempre a questão:
– Será que existe dificuldade em conseguir transportes públicos com acessibilidade?
Um dia, decidi tirar as dúvidas, enchi o peito de ar, apanhei um punhado de coragem e embarquei numa aventura, experimentar alguns transportes que me rodeavam. Em primeiro lugar, pedi a uma associação da Lousã, ARCIL, (Associação para a Recuperação de Cidadãos Inadaptados da Lousã), se seria possível transportar-me numa das suas carrinhas (perua ou van) até Coimbra. O pedido foi aceito.
Então começou a correria, no dia marcado à hora certa, com uma pontualidade de um dos melhores relógios suíços, lá estava ela, a tão desejada carrinha da ARCIL mesmo à minha porta. O motorista colocou a carrinha no local preciso, desceu o elevador, cumprimentou-me carinhosamente – “Como estás, João?”, respondi enquanto o motorista colocava a cadeira no local certo, subiu o elevador, destrancou a cadeira, empurrou-a para o seu interior, firmou-a com os trancadores de segurança, recolheu o elevador, fechou a porta traseira, certificou-se que estava tudo correcto e arrancou sem mostrar qualquer tipo de cansaço.
Com uma ajuda destas consegui eliminar vários quilómetros, Coimbra estava no meu horizonte, em plena hora de ponta, o corre-corre, empurra e chega para lá, parece uma “dança na corda bamba”. Pedi ao motorista para me colocar em pleno centro da cidade, junto à entrada da Estação da Cidade, o condutor então, com alguma perícia e grande experiência, estacionou a carrinha de maneira a proporcionar-me uma saída confortável e sem dificuldade.
Aí estava eu, em segurança, no passeio (calçada) junto à fachada da estação de comboios (trem), refira-se que, este local público não tem os requisitos mínimos de acessibilidade. Uma rampa de acesso só não chega!!!
Transporte seguinte o “Pantofinhas”, um autocarro (ônibus) eléctrico que faz a ligação entre a baixa e a alta de Coimbra sem paragens pré-definidas, pára sempre que se justifique. Para o apanhar tinha que atravessar a Avenida Fernão de Magalhães… Tanto trânsito para tão pouca acessibilidade… Entrei depois por pequenas ruelas típicas de Coimbra, que por muito antigas que sejam, com a recuperação efectuada, ao nível do pavimento em paralelo, permite uma fácil deslocação a um cidadão com necessidades especiais. Este local, pelo seu encanto, será comparável aos grandes Bazares de Cairo, calçado, roupas, comida, ali tudo se vende!!!
Ali estava o “Pantofinhas” prestes a arrancar, levantei o braço e foi-me indicada a entrada, o condutor accionou o mecanismo que engrenava uma rampa para facilitar a entrada da cadeira de rodas, no interior tinha um local adaptado para a cadeira incluindo cinto de segurança, fiz o percurso deste mini autocarro 2 vezes. Ele seguia a linha azul que estava marcada no chão. Pedi para sair. A rampa voltou a amparar-me ficando em cima do passeio facilitando a mobilidade.
O próximo transporte foi o elevador panorâmico de Coimbra: “- Olha, não sabia que era necessário bilhete!!!” adquiri-o com a ajuda de terceiros, porque a bilheteira, ao lado, estranhamente tinha degraus. Entrei, então, dentro do elevador. Ele subiu, a paisagem era a sensação de ter Coimbra a cair aos meus pés. O elevador tem dois percursos ascendentes dividido por um passadiço. Não encontrei obstáculos… a paisagem é cativante!!!
– Tive de acelerar porque o relógio lutava contra mim… tinha de apanhar o transporte de volta!!!
Já um pouco fatigado desloquei-me ao apeadeiro (estação ferroviária secundária) para apanhar a automotora para a Lousã, eu sabia o que me esperava, subir três degraus de cadeira de rodas para entrar, parecia um desporto radical, a ausência de infra-estruturas de acesso da gare (estação) para o interior da automotora, é um acto discriminatório, obrigou-me a recrutar alguns voluntários… mas compensou pela paisagem do percurso ferroviário.
Lousã. Em casa cheguei a algumas conclusões, se não fosse o transporte da carrinha da ARCIL nunca teria um dia tão intenso, mostrou-se a mais adequada às necessidades de um cidadão com necessidades especiais. Mas, nem todos os espaços urbanos ou transportes públicos, em Coimbra, estão apetrechados das condições de acessibilidade que permitam uma fácil mobilidade para todos os cidadãos. A ausência de um desenho, que torne todos os locais funcionais, é um flagelo comum à maioria das cidades e vilas de Portugal e marca a diferença entre a dependência e independência afectando, principalmente, os cidadãos que têm um grau de deficiência física muito elevado, aumentando o seu estado de ansiedade e arruinando a sua qualidade de vida.
Fonte: Rede Saci
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