por Wiliam Machado

Após vinte anos sem cruzar o Atlântico rumo à Europa decidi viajar de férias para Portugal e Espanha, visitar amigos, relaxar um pouco, sempre tomando todo cuidado de reservar hospedagem em hotéis onde estivessem estampadas garantias de acessibilidade para usuários de cadeiras de rodas. Aliás, maioria da rede hoteleira internacional com divulgação através da internet destaca plena condição de acessibilidade a pessoas com deficiência, sem, contudo, atentar para o fato de que a condição de pessoa com deficiência física apresenta variáveis específicas, e para que essas pessoas utilizem as instalações ditas adaptadas dos seus quartos, apartamentos, ou suítes, alguns aspectos essenciais devem ser considerados.

Nesse sentido, os espaços internos desses aposentos devem ser planos, lineares e com vãos livres para circulação da cadeira de rodas, suficientemente adequados às transferências da cadeira de rodas para a cama e vice-versa. Os banheiros ou “casa de banhos”, da mesma forma, devem garantir acesso a cadeiras de rodas, inclusive, com espaços para manobras de transferências do cadeirante para a bacia sanitária (vaso sanitário), sendo também indispensável à disposição de ducha higiênica instalada ao lado deste, princípio básico de higiene pessoal inexistente nos hotéis do “Velho Continente”.

O mais grave foi a constatação da existência de banheira em todos os banheiros, mesmo naqueles supostamente reservados e anunciados acessíveis às pessoas com deficiência, inclusive para deficientes físicos usuários de cadeiras de rodas. Um imenso contrassenso. Quando se questiona tal absurdo, respondem, prontamente, que seguem o definido padrão no continente. Padrão de quê? Quem definiu, deliberou? Instalação de banheira em aposentos acessíveis à usuários de cadeiras de rodas é simplesmente inconcebível, não há como justificar. Não é possível a existência de padrões, normas ou similares, sem a observância do óbvio, ou que se proponha ouvir os mais interessados, pessoas com deficiência e suas representações político-institucionais.

Onde estão e como se colocam as representações do movimento social organizado do Velho Continente? De que valem os artigos da Convenção da ONU sobre Direitos das PcD nesse contexto?

No hotel Vila Galé Ópera, em Lisboa, o banheiro dos quartos reservados ao uso de pessoas com deficiência confirma absoluta inadequação a tal fim. A bacia sanitária localizada próximo de uma banheira, não há espaço suficiente para manobra de transferência do cadeirante para o sanitário, barras fixas mal instaladas impedem a liberdade de movimento, inexiste ducha higiênica, o piso é sobremaneira escorregadio, reluzente, luxo dispensável, uma ameaça eminente de queda, tanto do cuidador como do próprio deficiente. Ao buscar informação na recepção do hotel para saber se havia outra opção mais adequada e disponível, seus funcionários da recepção não foram nada solícitos, o mesmo acontecendo ao solicitar ajuda do gerente, que se mostrou indiferente.

Observei a presença de vários cadeirantes hospedados no Vila Galé Ópera, alguns tetraplégicos e com visível acentuado grau de dependência funcional para atividades cotidianas, como banho e demais rotinas doarias de cuidados pessoais. Imaginava as dificuldades enfrentadas por seus cuidadores/acompanhantes para dar conta delas. Destacava-se alto nível do equipamento de mobilidade usado pela maioria, fruto de importantes avanços da inovação tecnológica, porém, vulneráveis ao enfrentamento de embates em ambientes desprovidos do básico para higiene, conforto e bem estar dessas pessoas.

Em Coimbra, mais uma vez em unidade do Vila Galé, embora as instalações fossem as mesmas, houve envolvimento da gerência, que por empatia, sugeriu uso do SPA do hotel, onde havia melhores condições de acessibilidade. Improváveis decisões entre pessoas daquela realidade. Por isso, melhor que os ambientes estejam adequados as necessidades de todos os hóspedes.

O hotel Eva, em Faro, no Algarve, também não oferece condições adequadas de acessibilidade nos banheiros dos quartos, apartamentos e suítes. Como nos demais hotéis anteriormente citados, o piso escorregadio, quando o recomendado são os de textura antiderrapante, a bacia sanitária muito mal posicionada, sem ducha higiênica, percebe-se total desconhecimento acerca da existência de cadeira higiênica e seu papel nesse cenário, além da presença equivocada de banheira, o que tornava os banhos e higiene pessoal após evacuação, desafio para dois acompanhantes, o Marcos, um dos meus irmãos e o Toninho, meu cuidador pessoal. Da mesma forma inacessíveis para cadeirantes o uso da pia, no banheiro, causando transtorno e exigindo improvisos inimagináveis para escovação dos dentes e higiene oral, procedimentos fundamentais da saúde bucal.

Ao fazermos check-in no Eva e chegarmos ao quarto reservado, constatamos total inadequação do ambiente, o que foi amenizado pela gerência, oferecendo ocupação de uma suíte, porém, com as mesmas condições inacessíveis para banho e higiene pessoal. Sem opção, relaxamos e optamos por mais espaço, além de vista frontal para a marina de Faro. Nada que ocultasse a inadequação, apenas mascarando a falta de acessibilidade para hóspedes cadeirantes.

Em Sevilha, na Espanha, as instalações ditas acessíveis para pessoas com deficiência ainda são bem piores. A bacia sanitária fica envolta por duas barras fixas com projeções laterais, o que obriga a pessoa a usar espaço deveras restrito, impossibilitando procedimentos de transferência dela para outros componentes e áreas do banheiro. Sem ducha higiênica, ainda nos recomendaram evitar uso de jato d’água, alegando risco de infiltração nos quartos do andar abaixo. Destacava-se a presença de banheira deveras propensa a acidentes com comprometimento da pele das costas, região sacrococcígea, nádegas, causadores de lesões que evoluem para escaras ou úlceras de decúbito. Na banheira há um tipo de cadeira giratória para uso do cadeirante, sem que se tenha avaliado a distância excessiva e a presença de superfície pontiaguda dos azulejos da sua borda.

Como foi difícil manter bom nível de higiene em ambientes tão hostis, inadequados. Não tenho dúvida que podemos contribuir muito para que empresários da rede hoteleira da Europa ofereçam melhores condições de acessibilidade para pessoas com deficiência em seus hotéis. É importante destacar que todos os hotéis mencionados são de gabarito quatro estrelas imaginem o que se passa nos de menor gabarito!

É fato incontestável que estamos alguns passos a frente nesse aspecto, no Brasil, graças ao delimitado na NBR 9050 ABNT, salvo raras exceções que, quando detectadas, não poupamos críticas construtivas para que se adéquem.

Apesar de todos os desafios enfrentados os ganhos foram muitos, é nosso direito desfrutar benefícios advindos do vivenciar novos ares, como as demais pessoas. Temos mesmo de nos fazer presentes constatando o inadequado, propondo melhorias inclusivas, acessíveis e acolhedoras para pessoas com e sem deficiência. Essa é nossa função político-social, abrir caminhos, derrubar barreiras, desconstruir para construir um mundo melhor para todos, aqui e alhures.

Fonte: Rede Saci

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