Turismo e acessibilidade – Um desafio para o governo e a iniciativa privada
Dados do último censo demográfico do IBGE, ainda do ano 2000, apontam que o Brasil tem 24,6 milhões de pessoas portadoras de alguma limitação funcional. Um contingente que corresponde a 14,48% da população, em sua grande maioria concentrada em áreas urbanas e com potencial para consumir turismo. Mas que para usufruir desse direito, no entanto, está encontrando barreiras além da própria limitação física.
Para o diretor de Acessibilidade da ABIH Nacional, Roger Bacchi, o principal entrave ainda é a falta de conscientização, que não se restringe à iniciativa privada, mas também ao governo. “Temos leis, mas a falta de mecanismos eficientes de controle acaba por desestimular a sua aplicação”, pondera Bacchi. Na opinião do dirigente, falta uma atuação mais efetiva por parte do governo, mas o público também precisa contribuir exigindo e cobrando pelo que a lei já lhe concedeu devido. “O empresariado é duplamente desestimulado – pela falta de cobrança do consumidor e de iniciativa por parte do poder público”, avalia.
Falando também como hoteleiro, Bacchi já se viu de mãos atadas ao tentar, há quatro meses, instalar em seu hotel uma cabine de telefone para uso de deficientes auditivos. “A Anatel simplesmente não consegue viabilizar o sistema”, revela. Propritetário do Hotel Villa Bella, em Gramado (RS), Roger Bacchi orgulha-se de ter o seu empreendimento apontado como o primeiro a obter um certificado de acessibilidade total do Instituto Pestalozzi, que há mais de 80 anos atua na área de educação especial, com ênfase na questão de acessibilidade e inclusão social.
Além de possuir unidades habituacionais totalmente adaptadas, com portas e corredores mais largos, banheiros com barras de segurança, piso antiderrapante, cadeira especial no chuveiro, pias e vaso sanitário de fácil acesso, o hotel mantém uma equipe treinada periodicamente para atendimento do portador de necessidades especiais. E os serviços adaptados não se restringem aos apartamentos, mas também aos espaços sociais do hotel. Na área de lazer, além de piso antiderrapante e barras de apoio, o hóspede dispõe de uma cadeira-elevador que facilita o uso da piscina. O hotel também mantém cadeiras de roda à disposição do público e dispõe de cardápios em braile no restaurante, cuidados que, segundo Bacchi, não se estendem a muitos estabelecimentos da Serra Gaúcha, que recebe perto de três milhões de turistas por ano. “Há um enorme leque de público com necessidades especiais, que só não viaja mais por falta de atendimento e serviços adequados”, analisa Bacchi, lembrando que se incluem aí consumidores com mobilidade reduzida transitória, como gestantes e pós-operados, por exemplo.
“Louvamos iniciativas do governo, como a encampada pelo Ministério do Turismo para transformar o município paulista de Socorro em modelo de acessibilidade, mas com uma Copa do Mundo e uma Olimpíada pela frente, a experiência tem de ser estendida a todos os destinos turísticos brasileiros e o trabalho iniciado o quanto antes”, conclui.
PARCEIROS NA INICIATIVA
Há cerca de dois meses, outra instituição que ganhou a adesão de representantes do turismo foi a Fundação Dorina Nowill, que há 64 anos facilita a inclusão social de crianças, jovens e adultos cegos ou com baixa visão, por meio de reabilitação e produção de livros e revistas acessíveis. A capacidade de produção da Dorina é superior a 45 milhões de páginas em braille por ano, entre livros didáticos, best-sellers, cardápios, partituras musicais, catálogos, cartões de visitas e outros itens para atendimento público e corporativo.
Durante sua participação na Fistur, a Dorina renovou a parceria com a Confederação Nacional do Turismo (CNTur) e a Associação Brasileira de Gastronomia, Hospedagem e Turismo (Abresi) e vai fornecer cardápios em braile a preços mais acessíveis e treinamentos e capacitações para funcionários dos estabelecimentos do setor. O acordo também prevê a realização de workshops para empresas interessadas em contratar funcionários com deficiência visual e pretação de consultoria para adequação de espaços. Juntas, CNTur e Abresi congregam cerca de dois milhões de empresas, que geram aproximadamente seis milhões de empregos em todo o País.
Em Pernambuco, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) também uniu-se à Secretaria de Turismo do Estado e à Asociação Pernambucana de Cegos (Apec), no desenvolvimento do programa Turismo Acessível – Pernambuco sem Barreiras. E até o final deste semestre espera dotar os seus 250 estabelecimentos associados com cardápios em braile. Os parceiros também estudam a possibilidade de criar cardápios em MP3, para os cegos que não leem em braile. Pernambuco tem entre sua população 1,3 milhão de deficientes, 70 mil deles no campo visual. Além desta ação, integram o programa Pernambuco sem Barreiras – pioneiro do Brasil nessa modalidade -, a distribuição de dez mil cartilhas do Programa Turismo Acessível nas dez Rotas Turísticas do Estado.
Ainda no Nordeste, o arquiteto e ergonomista Jorge Luis Silva contou com o apoio da Secretaria Municipal de Promoção de Turismo (Semptur), da Associação dos Deficientes Físicos de Alagoas e do Maceió Convention & Visitors Bureau para construir a primeira jangada acessível aos turistas que visitam as piscinas naturais de Pajuçara, um dos principais atrativos turísticos do Estado. A jangada Acessibilidade I tem 6,45 m de comprimento e 1,98 m de largura e suporta até seis pessoas, sendo dois cadeirantes. “Quando começamos a executar o projeto percebemos que a areia fofa da praia era um obstáculo para o cadeirante chegar à jangada e até mesmo ter acesso à praia. A partir dessa dificuldade surgiu a ideia de fazer uma adaptação nas rampas até a jangada e coube ao artesão Durval Joaquim executar o projeto com bambu”, conta o arquiteto, lembrando que a primeira tentativa não deu certo porque pesava mais de 160 quilos.
Outro exemplo de sinergia está sendo dado pelo Guarujá Convention & Visitors Bureau (GCVB), que desde 2008 atua na conscientização do tema junto aos associados. “Temos trabalhado em duas frentes basicamente. No que diz respeito aos hoteleiros temos promovido a ampliação da infraestrutura turística necessária e já podemos citar dois cases interessantes: o Sofitel Jequitimar Guarujá e o Casa Grande Hotel, ambos empreendimentos de padrão de qualidade internacional que disponibilizam, respectivamente, oito e dois apartamentos para ocupação exclusiva de portadores de necessidades especiais”, conta Ricardo Roman Junior, presidente do convention.
No Sofitel Jequitimar, segundo o gerente geral, João Carlos Pollack, os quartos têm uma ocupação média de 20% que se mantém ao longo do ano. Os apartamentos dedicados se concentram no primeiro andar e próximos do elevador, que também foi adaptado com botões mais baixos e informações em braile.
Fora a questão estrutural, Ricardo Roman diz que a outra frente de trabalho do GCVB é no sentido de estimular, por parte dos empresários do trade, a contratação dos serviços de portadores de necessidades especiais, como outra vertente da inclusão social. “Também temos nos esforçado para, junto com o poder público, implementar as medidas recomendadas para o correto atendimento e garantia da qualidade de vida da população com necessidades especiais que vive no espaço urbano do Guarujá”, completa Roman, citando, como exemplo, a instalação de guias rebaixadas e sinalização para deficientes visuais, entre outras medidas. “Infelizmente, até poucos anos atrás, os portadores de deficiência ou mobilidade reduzida eram excluídos da prática do turismo. Hoje está comprovado que as cidades adaptadas recebem muito mais turistas. O GCVB não pode, logicamente, impor tais práticas ao setor, ou à cidade, pois são necessários investimentos para essa adaptação. Mas, dentro de nosso plano de ações, despertamos a conscientização para a importância de tais condutas”, conclui.
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