Surdodum, o som do silêncio de uma banda de Brasília
Sentada, com um tambor entre os joelhos e mãos que se movimentam silenciosamente dentro de um tempo marcado, tais quais as de um maestro, mas bastante singulares. É assim que Ana Lúcia Soares coordena os participantes do projeto Surdodum. Diante dela, jovens com diferentes graus de deficiência auditiva tocam instrumentos de percussão, dançam, cantam e não saem do ritmo. O trabalho é desenvolvido desde 1995 no Centro Integrado de Ensino Especial (CIEE), na 912 Sul, com muito êxito. E também com muitos convites para apresentações.
Tudo começou em 1994, quando Ana Lúcia — que fez magistério durante o ensino médio — era alfabetizadora de surdos no Centro Educacional de Audição e Linguagem Ludovico Pavoni (Ceal), na Asa Norte. ‘‘Por um acaso, o pessoal do Ceal descobriu que eu cantava em uma banda de percussão e resolveu, então, fazer uma brincadeira’’, conta. Na época, Ana Lúcia reuniu seis jovens e os colocou para tocar instrumentos. ‘‘Foi o samba do crioulo doido. Pá-ti-bum!’’
Quase que Ana Lúcia desistiu… Mas apareceu um amigo percussionista que ajudou no trabalho. Aos meninos que não faziam idéia do que é o som, a professora explicou por meio de analogias. O surdo não ouve, mas vê (ou sente) o movimento rigorosamente ritmado do relógio, do coração, do andar, que tem um tempo certo: ninguém dá um passo grande e em seguida um pequeno se não há obstáculos pela frente. E assim foi. Duas semanas depois, o grupo já conseguia tocar cinco músicas — popular brasileira e sons afro-brasileiros, basicamente.
No ano seguinte, Ana Lúcia passou no concurso da Secretaria de Educação. Como quem não quer nada, apresentou à divisão de ensino especial a idéia de formar uma banda de surdos. Projeto aprovado, a brasiliense, então com 19 anos, saiu de escola em escola em busca de deficientes auditivos. ‘‘Naquele ano mesmo, encontrei a Luciana e a Andréia. O sonho delas era cantar’’, lembra. O detalhe é que Andréia Brito, hoje com 27 anos, não escuta absolutamente nada. E Luciana Delforge, 26, ouve alguma coisa com auxílio de um aparelho auditivo. Mas isso não importava. Elas queriam cantar.
No início, Ana Lúcia não botou muita fé na empreitada. Mas tudo bem…Vamos lá, trabalhar por analogia, utilizar os ritmos do relógio, do coração e do andar como termos de comparação. E ritmo, e movimento corporal, e respiração, e fala, e Língua Brasileira de Sinais, e expressão orofacial (boca e face), e dramatização. Não demorou e os bons resultados vieram. ‘‘Meu grande medo era tocar para o público. Porque tocar para surdo é bacana…’’, ri uma Ana Lúcia que se revela irônica a cada frase que pronuncia.
Apesar do receio, o Surdodum, cujo nome foi escolhido pelos próprios integrantes, vingou. Os batuques no tambor emocionam e não dá para acreditar que quem os produz não ouve nada. Em seus sete anos de existência, a banda abriu show do Cidade Negra, de Leci Brandão, tocou no mesmo palco do Olodum e participou dos programas de Fábio Júnior e de Sílvia Poppovic.
Além do repertório de MPB, há canções exclusivas, geralmente composições de Arnaldo Barros, o guitarrista (ouvinte) do grupo. Ele é um dos quatro músicos voluntários que contribuem, e muito, com o trabalho de Ana Lúcia. Faz músicas que falam do silêncio, como Libras, a Língua Brasileira de Sinais ou simplesmente o signo do horóscopo. ‘‘O silêncio é música também. É o momento de pausa da melodia, quando a pessoa transcende e sente o som de forma pura…’’, filosofa.
Se o silêncio é música, esta é vibração, sensação. E foi assim que Andréia Brito aprendeu a cantar. Com a mão nas paredes que vibram ao menor barulho ou na garganta de Ana Lúcia, ela descobriu o segredo do ritmo e não faz feio quando canta Azul da cor do mar, de Tim Maia, por exemplo. Andréia fala perfeitamente e isso porque trabalhou a oralidade desde a mais tenra idade. A audição? Esta é totalmente visual e a jovem escuta por meio da leitura labial de seu interlocutor.
De 1994 para cá, muita coisa mudou na vida da coordenadora do Surdodum. Ela estudou Fonoaudiologia e se aproximou mais de seus ‘‘alunos’’. ‘‘Adquiri mais embasamento, mas ainda faço muita coisa na intuição’’, confessa. A Libras, ela aprendeu na prática, assim como Arnaldo Barros e os outros músicos ouvintes.
A maior parte de seu tempo, Ana Lúcia dedica ao projeto Surdodum. No mais, continua estudando assuntos relacionados à fonoaudiologia e virou intérprete de Libras. Todas as noites, senta-se ao lado de um aluno surdo do curso de Sistema de Informação da Universidade Católica de Brasília e traduz para ele a aula inteira. Com os mesmos movimentos silenciosos das mãos.
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Fonte: Libras
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queria te parabenizar pelo seu trabalho querida,que é uma dadiva de DEUS.abraços
Tive a oportunidade de conhecer pessoalmente essa banda numa apresentação no SESC Belenzinho em São Paulo. Valorizo toda a expressão de arte relacionada à pessoa com deficiência.