A Copa do Mundo provoca sensações incríveis em bilhões de torcedores espalhados pelo Planeta de quatro em quatro anos. Sons, cores e gestos vibrantes fazem a maior festa do futebol ser ainda mais emocionante. Mas, fora dos campos, três pessoas com deficiência, em meio a um universo de sentimentos, mesmo com suas limitações, vão dar um show de alegria nesse Mundial com o que há de mais puro neles: a sensação adquirida pela sensibilidade natural adquirida com elas!

Aos 18 anos, o estudante Gabriel Brandão, que faz natação no Centro de Treinamento de Alto Rendimento da Vila Olímpica, é um dos que vai acompanhar a Copa de uma maneira bem diferente que há quatro anos. Em julho de 2010, uma semana após a derrota do Brasil para a Holanda por 2 a 1, ele sofreu um acidente automobilístico que, um ano depois, em 2011, o deixou cego.

“Fui atropelado por um carro numa das ruas do bairro Jorge Teixeira (na Zona Leste da cidade). Eu estava atravessando a rua quando o veículo me atingiu. O condutor me socorreu, mas eu nunca imaginaria que ficaria cego um ano depois”. O trágico acidente provocou deslocamento de retina e agravou um problema que Gabriel já tinha relacionado a catarata e miopia, além de outras complicações às quais ele não soube precisar. Antes da cegueira, o jovem jogava peladas como um bom meia-atacante. Ele torce em Manaus pelo Fast Clube, e, no Rio de Janeiro, tem amor ao Fluminense.

Hoje, sem a visão, Gabriel vai se valer de sensações a partir de sentidos vitais para um cego, como a audição, para acompanhar os jogos da Seleção. “Essa Copa vai representar muito para mim porque é a primeira após eu ter ficado cego. Agora, vai ser pelo radinho, com aquela emoção e o coração querendo sair pela boca. Em um dos jogos do Brasil quero até ir à Fun Fest da Ponta Negra”, conta ele.

A cegueira não impede Gabriel de, além da natação na Vila Olímpica, cursar aulas de violão e informática, e musculação e o ensino Médio em uma escola do conjunto Canaranas, distante quilômetros da Cidade de Deus, onde mora com a mãe e outros familiares. Não há tempo para lembrar do pai que abandonou ele e a família ainda na infância. Tristeza? Claro que não. Gabriel e todos os entrevistados para essa matéria esbanjaram bom humor e esperança em dias melhores, mostrando que, na batalha da vida, só perde na véspera o guerreiro que desiste de lutar.

Dividindo atenções

Sem audição e fala desde os 3 anos de idade (após uma rubéola contraída por sua mãe), o jovem Wellington Miranda Souza, 14, gosta de futebol e natação, não necessariamente nessa ordem. Nesse período de Copa, ele divide as atenções entre as raias da Vila Olímpica e a atração pelo futebol, mais especificamente, a Seleção Brasileira. É o que ressalta a gestora Carla Miranda, a mãe dele.

“Ele gosta de acompanhar as partidas e diz que a Copa representa coisas boas e que está confiante na Seleção, mas não sabe se ela vai ser campeã do Mundo”, diz a genitora, que atuou de intérprete para a equipe do CRAQUE.

Wellington não tem preferência clubística, mas nem por isso sua percepção é menor do que a de qualquer outro torcedor, principalmente no sentido da visão e do olfato. Ele vibra junto, cita Carla Miranda: “O meu filho tem a percepção e vibra junto com os outros torcedores. É normal. Pessoas assim têm mais sensibilidade que nós. Isso é comprovado, os outros sentidos se dobram para suprir a necessidade”.

Por pais atuantes

Com 30 anos de experiência ministrando aulas de natação e atletismo para pessoas com deficiência, o treinador Joaquim Manuel Pinheiro Filho, 55, do Centro de Alto Rendimento da Amazônia, não lamenta a falta de apoio financeiro ou as dificuldades de infraestrutura e acesso dos seus pára-atletas. Ele vai além, ao criticar os pais e responsáveis que não estimulam seus pupilos a praticar o paradesporto.

“As maiores dificuldades que encontramos, em todos esses anos de trabalho, vêm dos pais que não acreditam, não valorizam e  não trazem os seus filhos para praticar esportes. Infelizmente, os pais ainda não atentaram para o grande potencial desses deficientes”, declarou o especialista O treinador está confiante na Seleção Brasileira para a Copa, mas prefere ser pé no chão e não comemorar antecipadamente o título mundial.

Três perguntas

Marlisson Duarte tem 21 anos de idade e é estudante e nadador cego da Vila Olímpica de Manaus. O CRAQUE fez três perguntas a ele sobre como vai ser torcer pelo Brasil durante a Copa do Mundo, que começa a partir do dia 12 de junho, em 12 cidades brasileiras, inclusive Manaus.

Como é acompanhar uma Copa sem ver imagens?

Se estarmos perto de alguém conseguimos ouvir vozes e percebemos a movimentação e, também, conforme o narrador fala pela TV. Isso nos deixa a par do que acontece

O rádio é o principal meio de comunicação para você?

Tanto faz o rádio ou a TV. Mas há os que gostam de rádio. Isso é muito relativo, vai da preferência de cada pessoa.

A copa é movida a emoções. Para vocês que têm sensibilidade à flor da pele será uma competição ainda mais importente?

Creio que sim, pois o deficiente visual usa tato, audição e mente para imaginar um gol que pode mudar a história de um país ou da Seleção Brasileira.

Fonte: Lar das moças cegas

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