Sem braços e pernas, alemão trabalha e viaja pelo mundo: “Feliz por não usar sapatos”
Janis McDavid, 25, nasceu sem braços e pernas. Mas mesmo assim cursa a universidade, dirige um carro e viaja pelo mundo. Hoje ele está dando início à sua carreira. Como ele faz isso?
Ele não gosta de receber seus convidados em pé. Ele nunca está mais alto que seus umbigos e essa não é uma sensação agradável.
Mas desta vez McDavid não teve escolha. Não há elevador no apartamento onde ele fica quando está em Berlim, e seus amigos não podem carregar sua cadeira de rodas elétrica de 120 kg pelas escadas. Assim, McDavid estava no velho piso rangente de madeira no corredor do apartamento. Ele olha para cima, estende o coto de seu braço direito em saudação e sorri: “Oi, sou Janis”.
O jovem sabe que incomoda muitas pessoas quando o veem pela primeira vez. Afinal, ele não tem braços e nem pernas, de modo que muitas pessoas consideram isso desconcertante. “Tenho que ajudá-las a relaxar”, ele diz. Em situações como essa, ele faz um esforço adicional para passar uma sensação de normalidade e autoconfiança.
Às vezes as pessoas até mesmo lhe perguntam se ele pode segurar seus casacos por um segundo. “Essa é a melhor coisa que pode acontecer comigo”, diz McDavid, porque aí ele sabe que conseguiu de novo impedir que sua deficiência assuma o papel principal em sua vida.
McDavid se arrasta até a mesa de jantar, dobra seu torso sobre uma cadeira e sobe com um impulso. Agora ele finalmente está à altura dos olhos.
McDavid mora em uma república de estudantes em Berlim, aliás, foi com seus companheiros de apartamento que Janis viajou para Ásia de férias
“Quando era menino, sempre quis ser um policial de motocicleta”, ele diz, mas então viu a si mesmo em um espelho de corpo inteiro certa manhã e seu sonho acabou. Um policial sem braços e pernas? McDavid tinha oito anos quando de repente entendeu sua deficiência. “Foi um choque”, ele diz.
Na adolescência, ele tinha vergonha da forma como subia as escadas pulando e evitava sair em público sem uma cadeira de rodas. Mas então ele percebeu que seu embaraço era uma limitação adicional, assim como o mau humor. “Eu poderia me incomodar com muitas coisas”, diz McDavid, “mas não me faria nenhum bem”.
Ele geralmente consegue manter a calma quando, por exemplo, um grupo de pedestres passa correndo por ele para tomar o elevador na estação de trem, fazendo com que ele perca de novo sua conexão. Quando ele fica furioso, ele o faz em casa, onde ninguém pode vê-lo.
McDavid tem um apartamento adaptado para deficientes na cidade alemã de Bochum, no oeste. Em Berlim, onde ele gosta de passar grande parte de seu tempo, ele fica com amigos em um prédio de apartamentos de antes da guerra. Seus amigos sempre deixam as portas no apartamento ligeiramente entreabertas, porque McDavid tem dificuldade em alcançar a maçaneta.
Uma dúzia de pares de sapatos de amigos se encontram sobre a velha salamandra na sala de estar. “Fico feliz por não precisar de sapatos”, diz McDavid rindo, “eu teria milhares de pares”. O humor o ajuda a levar o dia. “Posso rir de mim mesmo”, diz McDavid, “e essa é uma das minhas habilidades mais importantes”. Mas mesmo assim a vida cotidiana permanece difícil.
McDavid não pode simplesmente sair para qualquer lugar. Se deseja cruzar Berlim de ônibus ou trem, ele primeiro seleciona várias rotas alternativas, para o caso de um elevador não estar funcionando em uma das estações onde precisa trocar de trem. Se deseja comer fora, ele telefona de antemão para saber se o restaurante não possui obstáculos.
“Às vezes gostaria que as coisas fossem mais simples”, ele diz, que ele pudesse, por exemplo, embarcar facilmente em um bonde quando estivesse chovendo, sem que as rodas de sua cadeira escorregassem.
Algumas pessoas o encaram ou atravessam para o outro lado da rua quando o veem, mas ele aprendeu a não dar atenção a elas. “Se algo tem o potencial de prejudicar minha autoconfiança, apenas ignoro”, ele diz.
É uma estratégia que ele teve que ensinar a si mesmo, assim como muitas outras: ele prende gentilmente a borda do copo de suco entre seus lábios, o ergue com a ajuda de seu braço direito curto e o equilibra ali enquanto bebe.
Ele come sem talheres, usando seus lábios. Ele escreve com sua boca, segurando a caneta entre seus molares, sempre no lado direito, porque não consegue escrever com seu lado esquerdo. Para vestir suas camisas, ele as levanta com uma vara, aproximadamente do mesmo comprimento que o braço que ele não tem. E então as desliza sobre sua cabeça.
Ele descobriu tudo isso por conta própria, já que não muito podia ser aprendido com outros. Nas festas de aniversário na infância, ele geralmente era tanto o herói com a cadeira de rodas bacana quanto o estranho que tinha que responder perguntas sobre seus membros ausentes.
McDavid tem quatro pais: dois em Hamburgo, que são seus pais biológicos, e dois em Bochum, onde ele cresceu. Talvez tenha sido a maior sorte de sua vida o fato de seus pais biológicos o terem colocado sob os cuidados de profissionais, porque não podiam se ver criando um filho sem braços e pernas. “Meus pais em Bochum me ajudaram enormemente ao não me ajudarem”, diz McDavid. Não havia canudos em casa e, ao menos inicialmente, também não havia elevador.
Quando ele estava na quinta série e sua classe saiu para uma excursão para andar de trenó, é claro que McDavid foi junto. Ele foi preso a um trenó com um capacete na cabeça e um de seus colegas de classe conduziu o trenó. “Teria sido muito mais perigoso para mim ter ficado em casa”, ele diz, porque teria sucumbido à solidão e preguiça, e não teria se tornado o combatente que é hoje.
McDavid pode dirigir usando uma van especialmente modificada, pode inspirar outros e é um ávido viajante. Ele já esteve no Brasil, Vietnã e Mianmar, e visitou Cuba com amigos em suas últimas férias. Ele está determinado a descobrir um novo país a cada ano. “Não me permito ficar parado”, ele diz.
Os pais de McDavid sempre deram muita liberdade e incentivo. Isso é de fato imprescindível para qualquer pessoa com deficiência.
Há, entretanto, coisas que ele simplesmente não pode fazer: abrir uma porta, por exemplo, ou pegar algo na prateleira do supermercado. Ele não pode tomar uma ducha sozinho. E não pode passar despercebido nas ruas.
Apesar de se recusar a ser fraco, ele com frequência precisa pedir ajuda, algo que às vezes o incomoda um bocado. Há dias em que McDavid não sai para fazer compras por não ter a energia para pedir com humor e confiança que a mulher no caixa pegue o dinheiro na carteira dele.
E há dias em que as pessoas o ajudam sem lhe perguntar se ele precisa ou deseja. Nos restaurantes, elas espetam a batata no garfo e tentam alimentá-lo. Isso o irrita ainda mais.
McDavid está estudando economia na Universidade Witten/Herdecke, na região do Ruhr, no oeste da Alemanha. Ele também faz palestras motivacionais por toda a Alemanha e está prestes a iniciar uma turnê promocional para seu novo livro. Ele gostaria de demonstrar que todos podem fazer algo de suas vidas, e que as pessoas com deficiências com frequência podem se superar se ninguém as atrapalhar.
“Sou muito afortunado porque gosto do que faço e porque posso fazer uma diferença”, ele diz. Apesar do sucesso pessoal, isso não se traduz em sucesso financeiro. Apesar de McDavid trabalhar, ele precisa fazer sua contribuição mensal ao escritório de bem-estar social para compensar o Estado pela ajuda que recebe, além de arcar com parte dos custos por sua cadeira de rodas e carro especialmente modificado.
Mas o governo alemão está planejando introduzir uma nova lei que melhorará a situação para pessoas com deficiências e, a partir de 2017, permitirá a elas economizarem mais do que o teto atual de 2.600 euros (cerca de R$ 9.600) antes de precisarem contribuir. Todavia, se ainda precisarem de apoio, suas contas de poupança terão um teto de 27.600 euros, o que dificultaria a realização de sonhos maiores. Se uma pessoa inválida ou deficiente tem mais que isso em sua conta de poupança, o Estado não fornecerá assistência.
McDavid é gay, e caso decida algum dia viver com alguém, a renda e ativos de seu parceiro também seriam levados em consideração pelo Estado. A expectativa é de que isso não mudará antes do ano 2020, e mesmo lá, a mudança afetaria apenas um pequeno número de pessoas deficientes.
“Sou deliberadamente mantido pobre e solteiro”, diz McDavid. Mas ele não soa amargo, pois isso não lhe ajudaria. Mas às vezes ele gostaria de poder bater com o punho na mesa.
Fonte: UOL
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