“Vivo em Washington, tenho 49 anos e sou professor de inglês na Universidade George Washington. Pesquiso sobre deficiência, sexualidade e estudos LGBT. Meu foco atual é o que ficou conhecido como a Teoria Crip, que discute a formação da identidade dos deficientes físicos e intelectuais.”

Conte algo que não sei.

As pessoas muitas vezes pensam em deficiência como um problema, algo a ser tolerado e talvez a ser respeitado, mas a ideia de que a deficiência é um “lugar” a partir do qual podemos aprender, imaginar um mundo diferente e trazer esse mundo para a realidade é algo que geralmente não passa pela cabeça das pessoas.

O que é a Teoria Crip e qual a relação dela com a Teoria Queer?

A Teoria Crip, que é voltada ao estudo das deficiências, segue a mesma lógica da Teoria Queer, voltada à sexualidade. Assim como a Teoria Queer afirma que não faz sentido dividir o mundo entre heterossexuais e homossexuais — ou entre homens e mulheres —, porque a sexualidade humana é muito mais diversificada e complexa, a Teoria Crip diz que não tem por que dividir o mundo entre pessoas deficientes e não deficientes. É uma linha de pensamento que tem dois lados: o ativista e o acadêmico.

Por que se interessou pelo assunto?

Fiz faculdade nos anos 1980, quando começou o ativismo relacionado à Aids e ao movimento Queer. Logo me interessei em pesquisar esses temas, porque havia uma estigmatização muito grande. E, nos anos 1990, comecei os estudos sobre deficiência. Uma amiga acadêmica me convidou para escrever um artigo sobre as intercessões entre movimento LGBT e deficiência, e percebi que o que tinha para falar era muito maior que um artigo.

Em relação ao sexo, quais as maiores dificuldades para pessoas com deficiência?

Deficientes não são vistos como pessoas que fazem sexo. Há uma tendência de não ver os corpos delas como bonitos ou desejáveis. Por isso, é preciso discutir a ideia de que a beleza está presente em todo mundo. Existe uma importante discussão sobre sexo assistido, porque alguns deficientes precisam disso, e deve-se quebrar esse tabu. Há questões éticas que são levantadas sobre deficientes intelectuais praticarem sexo. Muitos pais querem proteger os filhos, mas é importante que pessoas com deficiência possam falar por si mesmas.

Hoje em dia, as deficiências estão sendo menos aceitas?

De um lado, os deficientes estão aparecendo mais, mas, por outro, a vida de alguns está pior, por terem direitos cortados. Muitos países fazem crip washing, uma maquiagem para parecerem dedicados aos deficientes, mas é só fachada. É o mesmo que fazer pink washing (ter discurso favorável ao LGBT, mas não praticar isso) ou green washing (dizer-se ecologicamente correto, mas continuar degradando o meio ambiente).

Você pode dar exemplos?

Os Jogos Paralímpicos de Londres, em 2012. Ao mesmo tempo em que havia um espetáculo televisivo envolvendo deficientes, estes tinham seus direitos extremamente reduzidos por conta de novas políticas do Reino Unido.

Isso ocorre no Brasil?

Sim. A Paralimpíada deverá ser um claro exemplo de crip washing. Se o governo, durante os Jogos, celebrar como o Brasil é maravilhoso para pessoas com deficiência, enquanto não dá a essa população direitos básicos, será um exemplo claro de crip washing. Pude ver que o transporte coletivo na cidade é ruim para deficientes. Sei que há ruas sem acessibilidade. A Parada Gay de São Paulo é a mais vista do mundo e passa a impressão de que o Brasil é o país que mais tolera e respeita gays, o que não é verdade. É um pink washing. E o pior é que não há, no horizonte, muitas perspectivas de melhorar.

Fonte: O Globo

" });