Mexeu com o Cristo Redentor, mexeu com a Igreja Católica. Desde 1989, quando encrencaram com o Cristo Mendigo de “Ratos e urubus, larguem a minha fantasia”, célebre enredo da Beija-Flor, a utilização da imagem do Filho do Homem, que fica lá no alto do Corcovado, no Rio de Janeiro, precisa ter a aprovação da Arquidiocese local, que cisma com qualquer coisa que considere ofensiva à religião.
E este foi o caso de uma das dez curtas histórias que compõem o filme “Rio, eu te amo”, que estreia nesta quinta-feira em todo o país. No episódio “Inútil paisagem”, de José Padilha, o personagem de Wagner Moura solta o verbo contra o Cristo, que fica no alto do morro, de braços abertos, distante das mazelas vividas pelos reles mortais. A Igreja viu e não gostou da descompostura e chegou a proibir a aparição da estátua no filme, mas, depois de negociações, voltou atrás.
O filme, porém, vai além da polêmica recente. Ele é o terceiro capítulo da franquia cinematográfica “Cidades do amor”, que retratou anteriormente Nova York e Paris, e que terá na sequência a chinesa Xangai. A ideia de se fazer uma produção tendo a capital fluminense como cenário surgiu em 2006 e, desde então, consumiu cerca de US$ 20 milhões para sua execução. Dez diretores, no total, toparam o desafio de criar pequenas histórias, que vão do romance ao drama, em diversos locais da cidade, num exercício de logística que envolvia desenvolver o roteiro e contratar os atores escolhidos por cada um, arrumando espaço na agenda de todo esse povo para realizar o projeto – eram dois dias de gravações e sete de edição, numa verdadeira tour de force. Além disso, houve o esforço para que cada episódio não parecesse uma história isolada, sem ligação com as outras. A tarefa ficou a conta de Vicente Amorim, com Cláudia Abreu interpretando a personagem que aparece entre os episódios na tentativa de unificar “Rio, eu te amo”.
Cenas de filme
A prova de que “Rio, eu te amo” não é apenas um cartão-postal açucarado na tela grande deve ficar por conta do capítulo do diretor mexicano Guillermo Arriaga. A partir da história real de um talentoso jogador de futebol da sua infância, que precisou amputar uma perna após acidentar-se, ele cria a trama do ex-lutador de boxe que perdeu um dos braços em um acidente e vê a mulher ficar presa em uma cadeira de rodas. Sentindo-se culpado, ele começa a participar de lutas clandestinas no Rio de Janeiro a fim de juntar o montante necessário para a operação que pode fazer sua companheira voltar a andar.
Com liberdade para criar a trama que imaginavam, os diretores – entre brasileiros e estrangeiros – escolheram vários pontos do Rio para suas histórias. José Padilha elegeu a Pedra Bonita para a já citada história com Wagner Moura; em “Quando não há mais amor”, do norte-americano John Turturro, um casal descobre que o casamento foi para o vinagre ao visitar a Ilha de Paquetá e resolve terminar a união em grande estilo; em “O vampiro do Rio”, do sul-coreano Im Sang-Soo, um garçom morador do Vidigal se apaixona pela vizinha, uma mulher que se prostitui para sustentar os filhos; Copacabana é o cenário do escultor de mulheres na areia que resolve criar uma obra original ao se deparar com uma belíssima jovem no famoso calçadão do bairro, em uma criação de Fernando Meirelles e Cesar Charlone.
Andrucha Waddington se aproveita do talento da sogra, Fernanda Montenegro, para contar a história da mulher que é encontrada morando na rua pelo neto. Segundo ele, seu episódio é baseado em uma história real de um morador em situação de rua que vivia no Leblon. Em “O milagre”, da libanesa Nadine Labaki”, um casal de atores (ela e Harvey Keitel, o eterno Mr. Wolf de “Pulp Fiction”) que foi à cidade gravar um filme sobre religião e futebol se depara com uma criança que acredita receber telefonemas de Jesus Cristo.
Outros diretores que participam do longa são Paolo Sorrentino, Carlos Saldanha e Stephan Elliot. Entre os atores, além de Wagner Moura, Harvey Keitel, Cláudia Abreu e Fernanda Montenegro, também entram Rodrigo Santoro, Vincent Cassel, Vanessa Paradis, Jason Isaac, Tonico Pereira e mais grande elenco.
Fonte: Tribuna de Minas