Quem é Lenín Moreno, o cadeirante que mantém esquerda no poder no Equador
Apesar de ser o herdeiro político de Rafael Correa, o presidente eleito do Equador, Lenín Moreno, de 64 anos, tem trajetória e perfil bem diferentes do antecessor que governou o país sul-americano por dez anos.
Com pouco mais de 51% dos votos, o candidato do Alianza País derrotou o candidato do Creando Oportunidades (CREO), de centro-direita. A vitória de Moreno foi anunciada oficialmente nesta quarta-feira pelo Conselho Eleitoral equatoriano.
Além do resultado apertado, a eleição foi marcada por denúncias de fraude eleitoral. A disputa acirrada provocou a polarização do eleitorado e enfrentar essa divisão será o primeiro obstáculo a ser superado pelo novo presidente do Equador.
Formado em administração pública, ex-professor e pai de três filhas, Moreno, de 64 anos, fez campanha buscando um perfil mais conciliador que Correa, de quem foi vice até 2013. “Comigo dá para dialogar”, disse reiteradas vezes durante a eleição.
Durante a campanha, contou com forte apoio de Correa, que pediu votos para Moreno. Subia sempre ao palanque com um lenço verde nos ombros (a cor de sua campanha) e a bordo da cadeira de rodas que foi obrigado a adotar há quase 20 anos.
Cadeirante
Em 1998, Moreno, cujo primeiro nome foi uma homenagem do pai ao icônico líder russo, Vladimir Lenin, levou um tiro nas costas durante um assalto. Perdeu a mobilidade das pernas e se tornou em um ativista de direitos de pessoas com deficiência, criando uma fundação beneficente, publicando livros e realizando palestras sobre o assunto. Ele é, de acordo com vários meios de comunicação, o único chefe de Estado cadeirante no mundo atualmente.
Moreno nasceu na Amazônia equatoriana e é de família de origem humilde. Foi para a capital, Quito, ainda adolescente, cursar administração. Chegou a montar uma empresa de turismo, depois de se formar. Sua carreira política começou quando passou a lutar pelos direitos para deficientes, sua principal bandeira.
O então vice deixou o governo em maio de 2013, após ser nomeado enviado especial das Nações Unidas para a Deficiência e a Acessibilidade, mudando-se para Genebra. Morou lá até o ano passado, quando retornou ao Equador com a missão de dar longevidade ao legado político de Correa, uma tarefa que, segundo analistas, não será fácil, entre outras razões, por causa do estilo personalista do antecessor.
“Moreno não é Correa e está mais aberto ao diálogo do que Correa, que viveu em conflito com diferentes setores, da iniciativa privada aos movimentos sociais. No entanto, com os problemas econômicos atuais, seu governo não será fácil”, disse Simpón Pachano, professor de Ciência Política da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso).
“O problema é que o governo de Correa foi personalista e sua saída agora significa que teremos a incerteza pela frente. O que ocorreria se Moreno ou se (o candidato da oposição) Guillermo Lasso tivesse sido eleito”, afirmou Pachano.
Mas há quem argumente que Correa deixa um país mais estável em termos políticos para o herdeiro. “Correa tem um estilo marcado pela forte presença nos vários ramos do governo, mas gerou estabilidade e passará a faixa presidencial, o que seus antecessores não conseguiram após quedas seguidas de governos eleitos”, observa o professor Carlos Aquino, da Universidade Mayor San Marco, de Lima.
Dificuldades
No primeiro turno, Moreno tinha sido, com sobras, o candidato mais votado e a decisão só foi para o segundo turno por causa de 1 ponto porcentual dos votos.
O resultado do segundo turno também foi apertado. Lasso chegou a comemorar a vitória, dizendo que “venceram a liberdade e a democracia”, assim que saiu o primeiro resultado de boca de urna. Ele também disse que contestaria o resultado final.
Para acadêmicos, o novo governo terá que buscar acordos com importantes setores da população que tinham sido identificados como inimigos do regime de Rafael Correa, entre eles empresários, imprensa, movimentos sociais, e até certo ponto, as Forças Armadas.
“O principal desafio político tem a ver com a alta polarização atualmente presente na sociedade equatoriana”, disse à BBC Paolo Moncagatta, professor de ciência política na Universidade de São Francisco de Quito.
Pablo Beltrán, doutor em políticas públicas, acredita que o resultado do segundo turno confirmou o que estava no ar antes da eleição. “Se algo é concreto após dez anos de correísmo é que há uma grande divisão da população; sem pontos intermediários: as pessoas são a favor ou contra Correa”, diz ele.
Essa divisão segue uma tendência de polarização verificada em outras eleições na América do Sul – como no Brasil, em 2014, na Argentina, em 2015, e no Peru, em 2016.
A divisão do país não é o único obstáculo a ser superado pela gestão de Moreno.
Moreno receberá também um país com uma economia em contração, influenciada pela queda do preço do petróleo, um produto essencial para o caixa do governo.
Uma das principais preocupações expressas pelos eleitores durante a campanha foi, justamente, em relação à desvalorização do petróleo. Vicente Albornoz, diretor de economia da Universidade das Américas, acredita que o desafio imediato na área econômica é o deficit fiscal.
História
O novo presidente conta, contudo, com maioria na Assembleia Nacional (tem 74 dos 137 legisladores).
Ainda assim, vai enfrentar oposição ferrenha e um candidato derrotado que diz não reconhecer a legitimidade do governo de Moreno. Também há dúvidas de como será a relação de Moreno não apenas com Correa, mas também com o vice eleito, Jorge Glas.
“Eu acho que ninguém quer ficar de fora dos livros de história, mas, sem dúvida, Rafael Correa terá grande impacto na memória do Equador”, afirma Caroline Ávila, professora de comunicação política da Universidade do Azuay, em Cuenca, salientando que o maior dos desafios de Moreno será trabalhar sob a sombra de um presidente que ficou dez anos no poder.
A posse de Moreno está marcada para o dia 24 de maio.
Fonte: BBC
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