Aos 33 anos, Lanny Keppk está convencida: entrar em um reality show em rede nacional foi como se libertar do próprio preconceito com sua deficiência. “Pode olhar minhas fotos no Instagram, por exemplo, e você vai ver que não gostava de mostrar que não tenho uma mão. Escondia isso. O inverno era a melhor época porque enfiava o braço no bolso do casaco para ninguém ficar olhando. Tinha medo das pessoas olharem e fazerem brincadeira idiotas”, desabafa, em entrevista ao iG Gente.
Exemplo de superação
A história inspiradora da jogadora de vôlei adaptado e cozinheira conquistou o Brasil na estreia da segunda temporada do “MasterChef”, exibido na Band. Eliminada no segundo episódio, seu escondidinho pode não ter agradado tanto os jurados e ajudado a conquistar a próxima fase, mas seu exemplo de superação foi elogiado por Paolla Carosella, uma das críticas gastronômicas da atração. “Para qualquer pessoa que venha falar para mim que não consegue, vou dar seu telefone, tá bom?”, disse a chef famosa (veja no vídeo abaixo).
Ter se inscrito para participar do programa era o sonho da paulista do Capão Redondo, bairro da periferia de São Paulo. Mas, segundo Lanny, encarar o sonho não parecia ser tão simples. “Vou revelar algo que não contei para ninguém: na véspera do programa, surtei. Chorava e pensava: ‘será que é isso que eu quero?’. Da noite para o dia, resolvi mostrar ao mundo que não tinha mão. Conversei com Deus e pedi: ‘se eu entrar no programa, que eu não vá sofrer, não sei se vou aguentar’. Mas foi o contrário do que temia, foi muito bacana. Tinha medo de não ser bem aceita, de acharem que fui privilegiada por causa da definciencia e pensarem: ‘ela está se fazendo de coitada’. Mas não foi isso, as pessoas me abordam na rua com carinho e estou sendo convidada para vários eventos. Estou superfeliz”, conta.
Preconceito dentro de casa
Na infância, conta Lanny, o preconceito não estava apenas na rua ou na escola. “Meu avô paterno era alemão e muito rígido. Quando nasci, ele falava para minha mãe costurar a manga da blusa para as pessoas não verem minha deficiência. Também achava que eu deveria ir para uma escola especial. Mas minha mãe respondia: ‘ela não é retardada, ela pode conviver com as pessoas. Tive pais que me incentivaram muito”, lembra.
Tentando ignorar olhares indiscretos – “prefiro quando as pessoas me perguntam o que tenho a quando me olham e não comentam nada” – e seguindo a orientação dos pais, ela aprendeu a fazer o que qualquer pessoa faz: a andar de bicicleta, a dirigir, a amarrar os sapatos e até a abrir latas. “Não conseguia abrir latas, mas aprendi uma técnica que é raspando no chão, isso quando a lata não tem um sistema mais moderno. Meu pai sempre dizia uma fase quando tinha alguma dificuldade: ‘Você não é quadrada, não é aleijada. Até parece que você não tem uma mão’. Eu respondia: ‘Mas não tenho mesmo’. E ele retrucava: ‘Se vira, gata’. Assim, aprendi que tenho milhares de mãos, é só querer”, analisa.
Avó cozinheira
E foi assim, aprendendo e querendo, que Lanny começou a cozinhar. Após separação dos pais, o segundo casamento de sua mãe e a morte do avô, ela preferiu ficar ao lado da avó materna, com quem mora até hoje e de quem herdou a prática na cozinha. “Ela é gaúcha, especialista em comidas típicas e começou a me ensinar de tanto que eu pedia. Quando ela se deu conta, já fazia arroz, macarrão, carne”, lembra.
Exemplo para os amigos
E a desenvoltura de Lanny com as panelas já salvou muito amigo de enrascadas, inclusive fora do país. Debora Paes Lima conhece Lanny há 20 anos e deve seu emprego nos Estados Unidos à ex-participante do ‘MasterChef’. “A Debora não cozinhava nada e foi fazer intercâmbio em Nova York e trabalhou de babá. Ela tinha que cuidar das crianças e da comida delas. Aí, ligava para eu ajudá-la com o que tinha na geladeira e depois contava: ‘amiga, as crianças comeram tudo. O que faço amanha?'”, conta.
Em contrapartida, Debora já deu muito colo em momentos difíceis. “A gente sempre brincou muito com o toco dela. A Lanny é muito bem humorada, mas sei que ela ficava com vergonha e tinha que cortar um dobrado para ter a auto-estima no lugar por causa disso. Quando a conheci, ela já era assim, nasceu assim. Mas nem reparei que ela não tinha uma mão, nunca ficou evidente para mim porque ela fazia tudo e muito bem. Lanny é corajosa e determinada, não tem nada que ela queira que ela não faça”, relata Debora.
“Nada é impossível”
E o que Lanny quer agora? Ela já tem um canal de vídeos em que ensina receitas, o “Uma mão na Cozinha” e, assim que concluir seu MBA em gestão empresarial, planeja ir mais longe. “Há um ano, estou só dedicada ao vôlei. Mas, hoje, penso em dar palestras motivacionais e dizer para as pessoas que nada é impossível. O maior exemplo de tudo é quando a gente quer buscar um sonho, com dez mãos ou nenhuma. É preciso querer e desejo entrar na vida das pessoas contando isso”.
Fonte: iG