Paraplégico encara os desafios da falta de acessibilidade nos aeroportos
Na semana que passou, um acidente no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, deixou em coma um cadeirante de 71 anos. A vítima continua internada, sem apresentar melhoras. Enquanto o acidente está sendo investigado, o Fantástico faz um teste em todo o Brasil: acompanhamos um jovem paraplégico em viagens de avião, ônibus e metrô. E constatamos: em geral, o transporte público maltrata o cadeirante.
Olhando de longe é um veículo um pouco estranho. Em todo o Brasil, só tem uns dez. É para ser um lugar seguro para transportar pessoas em cadeiras de rodas. Em um parecido no Aeroporto de Congonhas, um acidente deixou um senhor de 71 anos em coma. O que era para ser um desembarque rotineiro de um vôo da Gol, virou uma tragédia. O passageiro, na cadeira, a mulher dele e a funcionária da companhia, que estava de pé, por causa de uma freada súbita do motorista se estatelaram. A filha dele conta como foi:
“No que a cadeira virou, meu pai foi lançado pra fora da cadeira. A moça voou junto com ele, e ele caiu e bateu com a cabeça no chão e na paredinha do carrinho, na divisória com o motorista”, conta Moira Vasconcellos, filha da vítima.
A coisa deveria funcionar assim: a Infraero tem 121 ônibus espalhados pelos aeroportos do país. Neles, além dos lugares normais, existe um especial para levar passageiros que necessitam utilizar uma cadeira de rodas. Cinto de segurança, tudo certinho, mas quando chega na pista, para driblar a escada, se utiliza o chamado ambulift, um veículo que tem um elevador que permite ao cadeirante ser levado até a porta do avião. No do Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, tem uma espécie de baia, além do fundamental cinto de segurança. No caso do Aeroporto de Congonhas, a vítima não estava presa ao cinto. E a filha afirma que o ambulift de lá é bem pior.
“Esse que te mostraram é infinitamente mais, eu acho que não posso nem falar que é mais chique, eu acho que tem o mínimo, o outro não. Era uma coisa velha, horrível, parecia que estava encostada já, que não tem manutenção”, conta Moira. A Infraero, que aluga o veículo para as companhias aéreas, abriu uma sindicância.
“A Infraero faz o transporte, mas acompanhado da companhia aérea. Ela tem todo o treinamento, quando ela posiciona a cadeira de rodas, ela sabe exatamente o que tem que fazer. Isso não exime que nós também façamos, mas essa responsabilidade é da companhia aérea”, afirma João Márcio Jordão, diretor de Operações da Infraero.
A Gol afirma que a responsabilidade pelo transporte do passageiro é da companhia, mas alega que não opera o ambulift e que a funcionária estava apenas acompanhando o passageiro que se acidentou. Mas será que o símbolo do cadeirante, de fato, reflete um Brasil preparado para atender a quem precisa de usar uma cadeira de rodas?
O Fantástico foi investigar. Deu uma voltinha: Congonhas para Curitiba. De lá para Foz de Iguaçu. De Foz para o Rio de Janeiro. Do Rio para Campinas. Tudo de avião. Depois, Campinas para São Paulo de ônibus. E por último uma viagem de metrô na capital paulista. Preparados? De cadeira de rodas é bem diferente. Acompanhamos o rapper Billy Saga, paraplégico, um cadeirante jovem que tem força nos braços. E isso ajuda muito. Já de cara é cada pergunta…
“O senhor não sobe escadas?”, pergunta a funcionária.
“Não”, responde.
Billy quer saber se tem o equipamento que ele conhece bem.
– Quantos ambulift têm?
– Aqui a TAM pra gente tem dois.
A TAM informa que tem cinco ambulifts no Brasil e usa outros, da Infraero, quando necessário. Ainda, segundo a TAM, todos os funcionários são treinados para atender crianças, idosos e pessoas com deficiência. Billy vai de ônibus até o avião sem problema. A questão é subir, porque nesse dia nenhum ambulift está disponível. Vai ter que ser na mão.
“A pessoa com deficiência vive no improviso, vive carregado, vive no jeitinho”, lamenta Billy.
Enquanto Billy subia, no saguão do aeroporto encontramos a recém-eleita deputada federal Mara Gabrilli. O caso dela é mais grave. Ela precisa da ajuda de uma pessoa o tempo todo para tudo. Para quem é tetraplégica como ela, ser carregada como Billy, cadeira e tudo, não funciona.
“Eu tenho medo dela, porque eu não mexo os braços, eu não tenho como eu me apoiar, então eu prefiro descer no colo, que também é perigoso” conta a deputada.
Agora Billy chega a Curitiba. O serviço parece mais exclusivo: de van até o terminal. Mas, onde sobra boa vontade, falta bom senso. Dentro da van, não tem cinto de segurança pro cadeirante. Ainda em curitiba, Billy testa um ponto de ônibus. Aprovado. É tudo adaptado para o cadeirante.
“É bem melhor do que um ônibus que não tenha o piso nivelado. É legal. Curitiba, assim que é”, comemora Billy.
Agora, de volta ao aeroporto, o embarque é pra Foz do Iguaçu. O ideal para o cadeirante é o chamado finger, um corredor que leva diretamente do terminal para o avião. Para baixo, todo santo ajuda. No avião, ficar apertado é pior para um cadeirante.
Billy – Eu preciso ir ao banheiro. Como é que eu faço?
Comissária – Você vai precisar de auxílio, de alguma ajuda.
Billy – Sim. Eu queria saber como é que funciona. Ver se tem um carrinho, uma coisa pra me levar.
Comissária – Tem uma cadeira de rodas.
Tem, mas não adianta. A cadeira nem passa pela porta. A comissária dá uma alternativa:
“O que eu posso fazer é você se sentar na cadeira, eu te trago um recipiente, você senta perto do toalete. O senhor não vai ficar exposto ao público. Vai ficar com a cortina fechada”.
Billy prefere esperar o desembarque. Até porque ele vive exposto: sempre o último da fila, carregado por desconhecidos, o cadeirante tem que se acostumar a essa falta de privacidade. Ele viaja de Foz para o Rio, e do Rio para Campinas. Lá encontra um equipamento diferente na hora de descer. Mas, no asfalto, a coisa fica pior. Aí mesmo que o símbolo do deficiente não vale nada. Está no parabrisa e não sai daí.
“A plaquinha significa acessibilidade, se ela tem um lugar de acesso pra todos. Só que não é acesso pra todos”.
Por fim, ele vai pra casa de metrô. Tem que empinar a cadeira pra entrar no vagão. E, lá dentro, Billy tem a esperança de que um decreto presidencial de 2004 dê certo. Segundo o decreto as empresas de ônibus e as companhias de trem e metrô têm até 2014 para estar totalmente acessíveis a cadeirantes.
“Todos infelizmente estão passíveis de um dia estar numa cadeira de rodas. Seja por acidente, seja por uma doença ou seja pela própria passagem do tempo e se tornar idoso e ter a mobilidade reduzida. Então parece que as pessoas continuam com aquela cultura de comigo isso nunca vai acontecer. Você construir um avião que seja acessível, um espaço que seja acessível, isso é mais fácil, mas são as pessoas que gerem esses recursos, e se elas não direcionarem para isso, nunca vai resolver”, lamenta Billy.
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Fonte: Fantástico
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