“Quando uma criança é diagnosticada, o maior temor dos pais é: ‘Meu filho vai andar, vai falar, vai ler?’. Isso depende do grau da lesão cerebral e dos estímulos que ele vai receber no decorrer da vida. É difícil prever”, afirma Marcília Martyn, neurologista infantil da Universidade de São Paulo (USP).

Para começo de conversa, o nome paralisia cerebral dá uma impressão negativa sobre o assunto. “Tentou se cunhar o nome de Encefalopatia Crônica Não Progressiva. Apesar de grande e complicado, é autoexplicativo. O cérebro do paciente sofre uma lesão permanente, mas que não vai progredir”, explica a especialista.

Portanto, a criança não piora ao longo da vida. Os sintomas vão ficando mais evidentes conforme os anos passam. Entre outros exemplos, pais e médicos podem só perceber que a fala foi afetada quando chega a idade em que a criança iria começar a dizer as primeiras palavras e ela não consegue evoluir nesse aspecto.

Por que acontece?

As causas mais comuns são a prematuridade e complicações no parto que provocam anóxia, ou seja, pouca oxigenação no cérebro. No início da vida, é possível que aquela criança se comporte como um bebê normal. À medida que cresce, os sinais ficam mais evidentes, como a dificuldade para andar, por exemplo.

Além da anóxia, infecções congênitas – como a toxoplasmose e rubéola -, exposição ao álcool e drogas, icterícia (cor amarelada da pele, membranas mucosas ou olhos) grave e meningite podem aumentar as chances de PC. Pode acontecer também após um afogamento, já com a criança em idade mais avançada.

No momento do diagnóstico, a preocupação dos médicos é a de descartar qualquer doença ou síndrome degenerativa, ou seja, aquelas que evoluem ao longo dos anos. O parecer pode ser fechado somente com base no histórico do paciente, a anamnese e seus sintomas. Em alguns casos, exames de imagem, como a ressonância magnética, podem ajudar a definir o local e a extensão da lesão.

É possível prevenir?

Mais ou menos. Uma boa assistência ao recém-nascido na sala de parto diminui a possibilidade de lesão cerebral permanente, assim como a atenção aos níveis de bilirrubina, um pigmento biliar vermelho.

Porém, nada garante que um bebê prematuro, por exemplo, supere situações críticas inesperadas sem sequelas neurológicas.

Por outro lado, um acompanhamento pré-natal regular e alguns cuidados durante a gravidez podem ajudar. Isso significa não ingerir carnes mal cozidas, álcool, cigarro, drogas e medicações sem indicação médica.

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Ainda como forma de evitar infecções congênitas, recomendam-se as vacinas adequadas ainda durante a gestação. Por isso, informe-se sobre a vacina anti-Rh+ para tomá-la, caso seja necessário.

Os tipos de paralisia cerebral

É possível dizer que todas as crianças com PC têm dificuldade para firmar o pescoço, para sugar e sorrir. Mas o tipo mais comum de paralisia cerebral é a espástica – quando a criança tem músculos rígidos e geralmente não consegue estender completamente as pernas, braços ou até as mãos.

Nessa categoria, há a paraespástica, em que dois membros foram afetados, e as tetraespásticas, com quatro membros comprometidos.

Há, também, os tipos: atáxicos (dificuldade de equilíbrio), os hipotônicos (crianças bem molinhas, que parecem bonecas de pano) e os distônicos (possuem movimentos involuntários constantes). Os três são menos comuns e precisam de uma investigação mais profunda para eliminar qualquer possibilidade de doenças degenerativas.

Como é feito o acompanhamento

Pensando na equipe médica, todas as crianças com PC precisam de um neurologista infantil e um fisioterapeuta para trabalhar a parte motora. É interessante tentar manter esses mesmos profissionais desde o início da vida do bebê para preservar o histórico e acompanhar a evolução da criança de perto.

Além disso, quando possível, é importante envolver um fonoaudiólogo para ajudar na mastigação e na linguagem; um terapeuta ocupacional para ensinar as tarefas do dia a dia; e – em um mundo ideal – terapias alternativas, como equoterapia (com cavalos) e musicoterapia.

Quando necessário, há a intervenção de ortopedistas para possíveis cirurgias e aplicações de botox, por exemplo, para a diminuição da rigidez dos músculos.

Fora os profissionais, as crianças com PC precisam de uma estrutura especial em casa, como cadeira de rodas, andador, cadeira para banho…

“Tivemos que mudar para um apartamento maior para acomodar a família. Além disso, reservamos espaços especiais para ele desenvolver suas atividades e alteramos toda a nossa rotina alimentar. Tudo é feito pensando nele”, conta Mari Hart, mãe de três, um deles o Leo, um garoto de 7 anos que tem paralisia cerebral.

É claro que tudo isso custa muito. “Se a sua a renda total familiar não passar de um salário mínimo, é possível conseguir um benefício de assistência social chamado LOAS. Dá para fazer acompanhamento em algumas instituições do governo, como a Rede Sarah. Caso contrário, sai tudo do nosso bolso. A deficiência, em si, não é e nunca será o maior dos problemas”, afirma Mari.

maysoon-zayid-e-atriz-comediante-e-advogada-cm-bastante-humor-ela-conta-eu-tenho-99-problemas-a-paralisia-cerebral-e-so-um-delesMaysoon Zayid é atriz, comediante e advogada. Com bastante humor ela conta: Eu tenho 99 problemas… A paralisia cerebral é só um deles

Leo nasceu em um parto gemelar prematuro de 33 semanas, teve hemorragia intracraniana, icterícia, infecção generalizada e insuficiência respiratória. Com 6 meses, a família recebeu o diagnóstico definitivo: paralisia cerebral do tipo tetraplegia espástica.

“Realmente é chocante! Parece que o cérebro está paralisado, mas não é bem assim. Há gênios por aí com PC porque a parte cognitiva nem sempre é afetada. A minha maior preocupação hoje com o Leo é fazê-lo entender que ele é parte do mundo em que vive. Sentar ou andar é só um detalhe”, comenta Mari.

Estimulando a independência do filho

Assim como diz Mari, o mais importante é estimular o seu filho a se integrar à rotina da família e do mundo. É preciso contar com profissionais especializados para ensinar a criança a desempenhar as atividades do dia a dia, como se alimentar, se vestir e tomar banho.

Dependendo do grau das limitações motoras, o uso de dispositivos especiais podem ajudar, como talheres com cabo engrossado, copos com canudos e pratos com ventosas. O objetivo é que cada criança trabalhe dentro do seu potencial.

“Eu costumo dizer às mães que cada coisa tem seu tempo. Não importa se o seu filho vai firmar o pescoço aos 2 ou aos 5 anos, o importante é não deixar de estimulá-lo”, comenta a neurologista Marcília.

Nem toda criança com paralisia cerebral consegue frequentar uma escola regular, principalmente se possui algum nível de retardo mental, condição que não é tão comum como se imagina.

Dependendo do potencial cognitivo, ou seja, da capacidade para aprender, a criança pode frequentar a escola regular em classe compatível com sua faixa etária, mas o cenário da inclusão nem sempre é positivo no Brasil.

Há ainda a opção de centros de educação especial e da educação em casa, como é o caso do Leo: “Tentei colocá-lo em várias escolas, mas não consegui. Então, há dois anos, fazemos ‘homeschooling’. Uma profissional vem em casa para fazer todas as atividades que ele faria em uma escola. Desde então, a sua evolução é surpreendente!”, conta Mari.

E o lado emocional da família?

“O que eu sempre digo para as mães é: chore muito, não engula o sofrimento e não se culpe, seja qual for a causa da paralisia. Questione-se, xingue, viva seu luto! Não sejamos hipócritas: ninguém no mundo sonha ou deseja ter um filho deficiente. ‘Enterrar’ o filho idealizado e aceitar a nova condição é essencial para seguir em frente de cabeça erguida e ir à luta em prol do bem dele. Não há limites para ser feliz”, defende a mãe de Leo.

Ela frisa que a deficiência não é decreto de amargura ou desamor. “Descobrimos novos caminhos e possibilidades. Procure uma rede de apoio de mães. Assim, descobrimos que não estamos sozinhas no mundo, embora a solidão esteja presente”, aconselha Mari, que mantém um grupo no Facebook com mais de 10 mil membros, o Paralisia Cerebral e Amigos.

Fonte: Disney Babble

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