A convite do governo da Suécia, para tratar do tema AcessibAbility (um misto de acessibilidade com habilidade, em inglês), o Instituto Mara Gabrilli viajou 15 horas até a cidade de Estocolmo para conhecer de perto as políticas de inclusão para pessoas com deficiência daquele país.

A cidade cheira a coisa nova com arquitetura antiga. Nos prédios, imensos por sinal, intermediados por grandes espaços verdes ou pelas águas (falam que Estocolmo é a Veneza do Norte), palavras escritas em sueco chamam a atenção pela singularidade. Entre klädaffär e McDonalds – sim, a globalização está em toda a parte – podemos observar uma cidade plana onde se anda de bicicleta, tem não muitos carros, porém muito trânsito devido à estrutura estreita das ruas, e o desejo de se acessibilizar a infraestrutura urbana.

O país é signatário da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU desde 2009 e conta com uma Agência para Participação que monitora e fiscaliza todas as ações que prevêm acessibilidade na Suécia. O país tem 343 municípios, perto de 2 milhões de habitantes, e nas cidades há uma fiscalização minuciosa quanto à aplicação das regras de inclusão. Para tanto, a agência conta com 22 unidades abaixo dela para cuidar – cada uma – especificamente sobre um item dessa agenda: mercado de trabalho, educação, assistência social, saúde, transporte, leis, coisas que podem ser consumidas, tecnologia, cultura, esporte e comunicação entre outras.

A Prefeitura da cidade de Estocolmo, que tem uma ombudsman somente para tratar de assuntos sobre as pessoas com deficiência, Ms. Riitta-Leena Karlsson, é uma pessoa falante, sorridente e honesta na avaliação sobre o principal problema da inclusão quando se quer cuidar tudo com assistencialismo. “Mas estamos trabalhando duro para inverter esse processo e fazer entender que o importante é empoderar as pessoas com deficiência”, afirmou. Nesse sentido a cidade e os governantes vem trabalhando duríssimo. E o trabalho tem dado certo. Na Suécia, apenas 22% das pessoas com deficiência estão fora do mercado de trabalho, apesar de receber assistência do governo para… ficar em casa. A cidade tem 900 mil habitantes e entre 10 a 15% de pessoas com deficiência.

Uma novidade, e a grande batalha no ponto de vista da ombudsman de Estocolmo, é a retirada de pessoas com deficiência de internatos, ou institutos, para a convivência com a sociedade. O governo paga uma pensão às pessoas com deficiência e com esse dinheiro eles podem se manter em uma casa funcional, ou seja, casas compartilhadas em que até seis pessoas com deficiência severa ou moderada convivem entre si e com um pequeno staff que acompanha no que for preciso. Isso porque na Suécia, quando a criança nascia com alguma deficiência, os pais podiam deixá-la em uma intitutição. Assim, muitas pessoas viviam nessa condição – longe dos parentes, longe de tudo. Hoje, essas instituições são proibidas e todas essas antes crianças, agora adultos ou jovens, estão sendo transferidas para essas casas. Ali podem conviver, fazer amigos, e até casar – como em alguns casos já aconteceu.

Então, havia uma pedra.

A caminho do Palácio Imperial, um lugar lindo, antigo, repleta de histórias e casas seculares, passamos por um pequeno centro comercial, com lojas de grandes marcas. Fizemos o roteiro a pé para identificar o observar a acessibilidade na arquitetura da cidade. Então, pudemos observar que no meio do caminho havia uma pedra. Havia uma pedra no meio do caminho. Como diria Drummond.

A ombudsman da cidade de Estocolmo, Ms. Karlsson, que nos acompanhou pelo percurso, apontou pessoalmente o que impede a total acessibilidade da cidade. Na entrada das lojas, em especial as mais antigas, ainda há marcas da cultura de anos que não quer se dobrar ante a universalidade do ser humano: existem degraus da rua para dentro das lojas. E muita, muita propaganda em mini-postes espalhados pelo calçadão e pelas calçadas. Ms. Karlsson não teve dúvidas: tirou ela mesma uma dessas propagandas. “Isso é um absurdo. Eles sabem que não podem fazer isso, mas ainda assim fazem. Precisamos tomar mais providências”, disse.

Mas o fato é: a cidade de Estocolmo não é 100% acessível para pessoas com deficiência. A jornalista Christiane Link, nascida alemã mas residente em Londres, que nos acompanhava em comitiva – e que é cadeirante – afirmou que a cidade não é seu destino favorito – seja a lazer ou trabalho – por esse motivo. Ms. Karlsson ficou vexada mas a verdade está estampada nas calçadas e em muitos lugares. Uma verdade à la Drummond e que pode ser notada em todas as faces do mundo: as pessoas resistem à mudança. Apesar de ser pelo bem de todos. E isso sim está arraigado na cultura desse país nórdico. Eles têm a vontade de mudar em respeito à democracia que dá a todos direitos iguais. Se é para todos, não tem a discussão do que é incluir. Para todos é para todos e basta. Mas as pedras, meus caros, podem ser claramente observadas tanto aqui na Suécia quanto no Brasil.

E a conversa com a Ms. Karlsson rendeu ainda tantas outras histórias. Uma mulher entusiasta, de fibra, que luta na cidade por mais acessibilidade e repeito às pessoas com deficiência. Ela voltou a falar das residências inclusivas. Disse da dificuldade que foi implementar essa política de inclusão – até por conta da vizinhança. Alguns suecos não queriam esse “tipo de casa” ao entorno da sua, que por vezes é cara e poderia desvalorizar seu patrimônio. É muito estranho e importante assistir que alguns tipos de conduta são inerentes ao ser humano, independente da educação, de onde tenha nascido e com quem conviva.

Apesar de exemplos ruins, Ms. Karlsson diz se impactar apenas pelos bons. Ela relatou que sentiu “chacoalhar a alma” quando foi em uma dessas residências e visitou dois ex-internos que foram mostrar, com entusiasmo de criança que ganhou seu primeiro presente, quais eram seus mais importantes objetos pessoais. Um indicou o seu nome escrito na porta do prédio – na Europa, as casas tem os nomes das pessoas que ali residem na entrada -, colocando naquele pequeço de metal um valor sem preço – em internatos, eles não tem nome e nem identidade assim tão pessoal. O segundo, mostrou o local onde toma banho como sendo para ele essencial ter esse espaço seu. Por fim, a história de um autista que no internato comia objetos – tudo pela frente – e que quando foi para uma residência inclusiva passou a comer apenas.. comida. Pequenas mas importantes mudanças no empoderamento das pessoas com deficiência que as transformam em cidadãos integrantes, enfim, do sistema social.

A leitura como ferramenta de inclusão

A bibliotecária da Agência para Participação do Instituto Sueco, Ms. Anna-Karin Hugo nos mostrou um pouco sobre a inclusão na literatura sueca. Livros em braille e livros falados – há aqui uma diferença entre “talking books” e “audio books”, enquanto o primeiro trata de livros inclusivos, o segundo é comercialmente vendido – são importantes ferramentas de inclusão e toda a biblioteca sueca é obrigada por lei a dispor desses materiais. Eles têm 17 mil títulos em braille, 100 mil talking books para downloading, todos totalmente de graça se você se inscrever no site www.legimus.se. Além de contar diariamente com 100 jornais suecos gravados em áudio apesar de a versão impressa. Diariamente. Isso é inclusão. Outra coisa interessante, o sistema DAYSI – usado no mundo todo – é.. ulalá.. sueco, claro! E eles se sentem muito contentes e orgulhosos em exportar tecnologia de inclusão para uso do mundo inteiro.

E falando em tecnologia, não há como não citar o Museu Nacional de Ciência e Tecnologia da Suécia. Um espaço gigantesco que pretende investir na criação de novos inventores – em especial trazendo crianças para o convívio das invenções. Segundo os coordenadores do Museu, eles usam a história para construir o futuro. E justamente pensando no futuro que desenvolveram uma grande exposição chamada MegaMind, que explora os sentidos, a colaboração e a acessibilidade. O Museu recebe perto de 350 mil visitas ao ano e desses, 66 mil são alunos. Além de mapa táteis que exibem todo o itinerário da mostra, ainda pedestais eletrônicos em frente a cada equipamento da mostra contêm informações em todos os formatos – em alto contraste, somente em audio ou em língua de sinais. Ou seja, qualquer pessoa tem acesso à explicação e ao que se serve aquele equipamento da mostra. Quando se trata de tecnologia, a Suécia realmente é um exemplo de acessibilidade.

A grande missão da cidade de Estocolmo (como a da cidade de São Paulo e de outras cidades brasileiras e para os brasileiros com deficiência – mais do que esperamos, lutamos para), é garantir que a pessoa com deficiência possa viver com qualidade de vida e igualidade de oportunidades na participação da vida em sociedade. Nos últimos quarto anos, a Suécia investiu algo em torno de 100 milhões de coroas suecas em acessibilidade. Isso é mais do que o mínimo que podemos esperar. E Estocolmo vem mostrando sua intensa dedicação e empenho nesse quinhão.

Fonte: Vida Mais Livre

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