O brasileiro que ficou paraplégico em tentativa de sequestro e virou ‘guru’ do turismo para cadeirantes
O brasileiro Ricardo Shimosakai já visitou 25 países e mais de 200 destinos turísticos, mas, às vezes, o mais difícil é viajar em seu próprio país.
Ele tornou-se cadeirante em 2001, após levar um tiro em uma tentativa de sequestro. Hoje, é agente de turismo especializado em elaborar viagens para pessoas com mobilidade reduzida.
Ricardo acredita que todo turista – seja qual for sua limitação – deveria ser capaz de visitar os locais que quisesse e não apenas destinos com bons padrões de acessibilidade. Mas isso é mais simples na teoria do que na prática.
“Uma vez, voando de volta da Argentina, tive de ficar dentro do avião por mais de uma hora, porque a empresa não tinha ninguém para me ajudar a desembarcar”, diz ele.
Ricardo quer melhorar a experiência de turistas com mobilidade como ele
O pior é que não se tratou de um incidente isolado, afirma Ricardo, mas de algo que ocorre com frequência com cadeirantes em voos no Brasil.
‘Não são vistos como consumidores’
Uma das principais diferenças com os Estados Unidos e países europeus é que os aeroportos brasileiros não têm um serviço para ajudar quem usa cadeira de rodas.
A tarefa cabe às companhias aéreas, e as equipes de algumas delas são mal treinadas. Por isso, ser bem atendido vira uma questão de sorte. “No Brasil, a acessibilidade é muito precária”, resume Ricardo.
A acessbilidade na Europa e nos EUA é muito melhor do que no Brasil, diz o agente de turismo
E não são apenas os aeroportos e aviões que estão abaixo dos padrões internacionais. Toda a infraestrutura de turismo é precária, mesmo em grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.
Ricardo conta ter recebido um pedido de pacote para um grupo de 22 pessoas vindas de Israel – 10 das quais eram cadeirantes.
A acessbilidade na Europa e nos EUA é muito melhor do que no Brasil, diz o agente de turismo
“Não há uma empresa de transporte no Brasil que atenda 10 pessoas em cadeiras de rodas ao mesmo tempo. Nenhum hotel conseguiria hospedar a todos. Tivemos de dividi-los entre três hotéis, que ficavam distantes uns dos outros. Nunca mais o grupo entrou em contato comigo”, afirma Ricardo.
Por outro lado, se as mesmas pessoas quisessem ir para a França, Ricardo poderia oferecer um atendimento bem melhor.
Ele tem um roteiro para grupos de até 14 cadeirantes, em que todos são transportados no mesmo ônibus, visitam as atrações juntas e passam a noite no mesmo hotel.
‘Obrigação ou pena’
A luta por melhorias acabou fazendo parte de seu trabalho. Para poder oferecer bons pacotes turísticos, depende da estrutura existente de aeroportos, empresas de ônibus ou hotéis.
Ricardo costuma levar grupos a Paris, onde há mais facilidade para turistas com mobilidade limitada
O contato com empresários e autoridades para pedir melhorias é constante – e Ricardo já ganhou prêmios por causa do seu trabalho.
“No Brasil, pessoas com deficiência só recebem ajuda por obrigação ou pena. Ninguém as vê como consumidores, como ocorre no exterior. Outros países faturam bilhões de dólares oferecendo serviços para esse público. Mas aqui não.”
Estima-se que mais de 24 milhões de pessoas tenham algum tipo de deficiência no Brasil. As estatísticas mostram que elas têm uma situação econômica delicada – a taxa de desemprego é maior entre elas e os níveis de educação, mais baixos.
“Mesmo que você tenha dinheiro, muitas coisas são negadas a quem tem deficiência”, diz Andrea Koppe, da Unilehu, organização sem fins lucrativos dedicada a pessoas com deficiência.
“Algumas escolas não aceitam crianças com necessidades especiais, dizendo não ter o preparo ou a especialização necessários. Pais precisam pagar uma taxa extra por um tutor especial, no caso de estudantes com problemas de visão.”
Ação afirmativa
O Brasil vem tentando mudar essa situação com ações afirmativas. Desde 1991, a lei exige que, em empresas com mais de cem funcionários, ao menos 2% sejam pessoas com deficiência.
Rota acessível? Ricardo subiu até Machu Picchu como parte de seu trabalho de pesquisa
Andrea Koppe diz que, ao longo de 20 anos, isso ajudou a transformar várias pessoas com deficiência, que antes eram ignoradas por lojas e companhias, em em consumidores de fato. O número de pessoas com deficiência no mercado de trabalho subiu de 15 mil para 350 mil.
Ainda assim, ela diz que, se a legislação fosse seguida à risca, esse número deveria ultrapassar 1 milhão. Há 11 milhões de pessoas com deficiência em idade de trabalho, e a maioria está desempregada.
Ricardo diz que ainda há muito trabalho a ser feito. Ele tenta convencer autoridades sobre a importância de criar regulamentações.
O país está prestes a privatizar alguns de seus aeroportos. O agente de turismo gostaria que os contratos de concessão exigissem a presença de empresas especializadas em atender passageiros com deficiência, como em outros lugares.
Mas, com base em sua própria experiência, a maioria dos negócios não estão dispostos a promover mudanças.
A cadeira de rodas que ele usa foi dada por uma empresa área como compensação, após a cadeira que tinha ter sido danificada porque a equipe de voo não tinha preparo nem meios para transportá-la adequadamente.
“Tentei dialogar com eles”, conta Ricardo. “Mas, em vez de treinar seus funcionários, eles acharam mais fácil comprar uma cadeira nova. Eles não querem mudar.”
Fonte: BBC Brasil
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