No Museu de Artes e Ofícios, o passado na palma da mão para deficientes visuais
Ver com as mãos. Assim é para os 45 milhões de cegos no mundo; pois é por meio do tato associado à audição que irão perceber a realidade ao redor. Não seria diferente numa visita a um museu. Mas como, se neles as peças recebem camadas de terebentina para preservar objetos que datam de até 300 anos atrás? O contato com o suor e gordura das mãos pode desgastar o acervo. O que a primeira vista pareceria quase impossível; afinal, neste universo de volta no tempo e espaço a visão é sentido quase absoluto, torna-se realidade no Museu de Artes e Ofícios, onde ferramentas, utensílios, máquinas e equipamentos diversos podem ser tocados e manipulados pelos cegos.
Logo na entrada, antes mesmo de colocarem os pés na recepção, começa a viagem sensorial dos ilustres visitantes. Eles abraçam, ou melhor, tentam abraçar as pilastras de granito, de 2 metros de diâmetro e 4 metros de altura. Dá pra perceber: são grandes! Sentem as texturas das pedras da construção que data de 1920 restaurada e instalada na Estação Ferroviária, no centro de Belo Horizonte. Encostam-se nas estruturas e recebem informações: esta ou aquela coluna é duas, três vezes maior que eles. Pés dentro da recepção, as monitoras, treinadas para recebê-los, afastam-se e lançam algumas frases e informações. O eco os faz observar o quanto o prédio é alto.
A partir de parceria com o Instituto São Rafael – escola estadual com métodos pedagógicos voltados para a educação de deficientes visuais – o programa de visitas foi desenvolvido para este público, que desde outubro de 2008 frequenta o prédio anexo à praça da Estação onde acervo de 2400 peças revelam a riqueza do modo de produção do trabalhador dos séculos 18 ao 20.
“Foram 2 anos de troca de informações do nosso setor educativo com o Instituto São Rafael. O trabalho demandou grande investimento de emoção e coragem, pois estávamos pisando numa terra que não era a nossa. Seria frustrante se não desse certo”, conta a diretora da entidade mantenedora do museu, o Instituto Cultural Flávio Gutierrez, Ângela Gutierrez. Segundo ela, a ideia nasceu quando esteve em Caracas e recebeu da diretora do Museu de Artes Modernas um catálogo em braile. “Fiquei emocionada, impressionada e esta ideia não me saiu da cabeça.”
Vendas nos olhos: subir e descer escadas com cautela, cuidado com as quinas e sempre apalpar tudo foi o início do aprendizado dos educadores do museu para receberem os cegos, que podem ter outras deficiências associadas. “Em tese, todos têm direito à liberdade, mas a prática mostra que a sociedade os cerceia quando lhes impõe limites. Os deficientes visuais não precisam ser carregados ou vistos como coitados, mas integrados, sem que haja espanto ao lidar com eles”, fala a historiadora e professora do Instituto São Rafael, Silvânia Morais Rosa.
E sem espanto, eles continuam percorrendo o Museu de Artes e Ofícios por quase 2 horas. A maquete, concebida especialmente para a visita, é mais um elemento para estimular a imaginação por meio das mãos: prédio de 2 andares, no meio passa a linha de trem. Há jardim, espaço administrativo, túnel. A seguir, 2 carrinhos portando ao todo 38 peças de vidro, metal e madeira ajudam a entender os ofícios de que tratam o museu. “Não damos os objetos nas mãos e dizemos o que é, eles é que vão apalpando, falando, descobrindo sozinhos”, conta a monitora Gabriela Araujo Batista.
O discurso é orientado para eles: nada de excesso de barulho, pois ficam desnorteados. Se o grupo é formado por crianças, devem ser tratados como tal, se adultos, idem. “São independentes, não precisam de mimos”, frisa Silvânia. A informação é bem-vinda, mas para aquele que sempre foi cego, é difícil imaginar: pode não haver um referencial de partida. Daí mais importante ainda o toque: só assim formam a ideia do que é a carranca, a bruaca, as selas de couro. Os sons gravados do trote dos cavalos, o barulho dos tropeiros são assimilados e juntam-se no quebra-cabeça que vão montando. Ficam maravilhados quando entram na canoa de madeira e conseguem imaginá-la no rio.
“Adorei o museu. Foi uma experiência muito boa. Redescobri tanta coisa”, conta Maria Aparecida Perdigão, 35 anos, aluna do São Rafael que está cursando da 5ª à 8ª. Ela ficou cega em virtude de um descolamento de retina e ao manipular os objetos, buscou na memória informações que ajudaram a relembrar até mesmo a infância: tesoura de parteira, pilão. “Lá é limpo e bonito. Aprendi muito e tem mais ainda para aprender.” Conceição Chamone, 42 anos, também se entusiasmou com o passeio cultural: “Gostei da bruaca que era usada pelos tropeiros para guardar feijão. Gostaria de tocar em muito mais coisas.”
Museu de Artes e Ofícios
Endereço: Praça Rui Barbosa, s/n (Praça da Estação), Centro – Belo Horizonte/MG
Telefone: (31) 3248-8600
E-mail: [email protected]
http://www.mao.org.br/port/default.asp
Terça e sexta-feira, de 12h às 19h
Quarta e quinta-feira, de 12h às 21hs- De 17 às 21hs entrada gratuita
Sábado, Domingo e Feriado, de 11 às 17h – Aos Sábados a entrada é gratuita.
De terça a sexta, de 9h às 12h – horário reservado exclusivamente para grupos escolares mediante agendamento prévio.
Ingressos: até 30 minutos antes do horário de encerramento do Museu.
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Fonte: Revista Viver Brasil
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