José Wilker leva o autismo para o teatro através da peça ‘Rain Man’
O que faz “Rain Man” inspirar montagens teatrais em diversos países cerca de 25 anos depois de seu lançamento nas telas de cinema? Não é o vanguardismo da dramaturgia.
O texto do norte-americano Dan Gordon que deu origem ao clássico cinematográfico dos anos 1980, imortalizado pelas atuações de Dustin Hoffman e Tom Cruise, segue uma estrutura bastante convencional.
A resposta também não é o aspecto experimental de sua forma. Como aconteceu há pouco em países como Irlanda, México, Inglaterra, Austrália e Argentina, que abrigaram montagens recentes da obra, a versão brasileira de “Rain Man”, cuja estreia nacional ocorreu na última sexta-feira (5), é realista, se concentrando no texto e na interpretação
Obviamente o sucesso teatral de “Rain Man” também não se explica pelo frescor do enredo. Afinal, quem consegue esquecer a história de Charlie Babbitt (Rafael Infante), vendedor de automóveis egocêntrico que se vê obrigado a se relacionar com Raymond (Marcelo Serrado), irmão autista cuja existência ele desconhecia, e no processo acaba se deparando com uma via de acesso às suas próprias emoções?
A resposta mais plausível para explicar as montagens recentes de “Rain Man” pelo mundo é a humanidade da obra.
Segundo José Wilker, encenador da montagem nacional, o ser humano nunca esteve ao mesmo tempo tão rodeado de gente e tão solitário. “As pessoas vivem confinadas em ilhas. Possuem uma quantidade impressionante de equipamentos tecnológicos para facilitar a comunicação, mas jamais estiveram tão isoladas”, afirma o diretor.
Para Wilker, sua montagem de “Rain Man” pode fazer o público repensar o modo de se relacionar.
“Embora fale de autismo, a peça discute sobretudo os caminhos tortuosos que o afeto percorre até se realizar como tal”, diz ele, que, para a montagem, não quis rever o longa dirigido por Barry Levinson e vencedor de quatro Oscar.
“Quem procurar o filme no espetáculo vai fazer mau uso do próprio tempo. É uma outra linguagem.”
A encenação é norteada pelo conceito de essencialidade. O encenador se vale somente da interpretação dos atores e de alguns poucos elementos de cena para sugerir quase duas dezenas de locais onde a peça se desenrola.
A montagem também opta por iluminar as diferenças dos protagonistas. Enquanto Raymond é movido pelas emoções, Charlie parece ter um coração de pedra.
Ele se envolve inicialmente com o irmão apenas por interesse. Tira-o do hospital psiquiátrico com a ambição de que a convivência entre eles o faça abocanhar metade dos US$ 7 milhões de herança deixados para Raymond pelo pai.
O encontro é transformador para ambos. Charlie revê valores, entrando em contato com seus sentimentos. Raymond, por sua vez, passa a se relacionar com o mundo ao seu redor.
“Eles são como dois casulos que vão se abrindo”, sintetiza Roberto Lobo, que integra o elenco com Fernanda Paes Leme e outros quatro atores.
Fonte: Folha de São Paulo
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