Gabrielle, segundo longa metragem da realizadora Louise Archambault, vem encantando plateias do mundo inteiro, já tendo arrebatado o prêmio de melhor filme pelo público (Prix du public) do Festival de Locarno, aqui na Suíça.
Gabrielle, o filme, conta a história de Gabrielle, a personagem, uma jovem de vinte e poucos anos, portadora da Síndrome de Williams, que busca a todo custo provar sua autonomia a fim de conquistar sua independência. Interpretada de forma iluminada por Gabrielle (Marion Rivard), a atriz, ela também portadora da tal síndrome, a jovem sorridente mora em um centro de apoio, junto com outros jovens também portadores de deficiências intelectuais. Lá, cercada de cuidados e de carinho (interessante notar a maneira positiva com que a diretora apresenta os cuidadores da instituição), Gabrielle leva uma vida “normal”: trabalha, nada, passeia e faz parte de um coral, sua grande paixão.
A música, aliás, tem um papel fundamental no filme, sendo um meio de integração e de válvula de escape. É por meio da música que Gabrielle e seus companheiros de coral se libertam, espantam seus fantasmas, e se tornam “normais” para os olhos da sociedade.
E vai ser exatamente nesse ambiente musical que Gabrielle vai descobrir uma nova paixão: Martin (magnificamente interpretado por Alexandre Landry). Um jovem também portador da síndrome de Williams, corista principal do grupo, mas que não vive no centro de apoio. Ele mora com a mãe, que o enche de mimos, cuidados e de proteção. Os dois jovens vão pouco a pouco se descobrindo, se tocando, se apaixonando até não mais conseguirem se conter de desejo e serem repreendidos pelos adultos “responsáveis”.
A escolha estética para o filme é acertadíssima. Num clima intimista, a “câmera na mão” segue os personagens, em grandes closes que nos levam quase a tocá-los. Sentimos suas peles, tocamos seus rostos, participamos de suas experiências sensoriais, de seus silêncios, de suas crises, de suas alegrias. Por muitas vezes as imagens ficam fora de foco, estouram em uma luz intensa, acompanhadas por música alta ou por um silêncio perturbador, desnorteando nossa visão, nossa audição e outros de nossos sentidos. O trabalho de som é, aliás, particularmente bom.
E nesse quesito, vale aqui um PS: Como parte do processo de integração dos jovens “deficientes”, o filme nos apresenta o coral se preparando para uma apresentação em público ao lado do respeitado cantor canadense Robert Charlebois. Com participação especial no filme, o cantor nos regala com algumas de suas mais belas músicas, como a famosa “Ordinaire”, de 1971, que, diga-se de passagem, tem tudo a ver com o tema do filme. Lindo, lindo!
Mas, não se enganem, o filme não é um conto de fadas e nem tudo são flores na vida de Gabrielle e de Martin. Louise Archambault, sem nunca perder o tom doce e encantador, mostra-nos também o lado realista da vida dos portadores de deficiências, defendendo a ideia de que eles podem sim levar uma vida normal, mas na maioria dos casos, precisam de um certo apoio, de uma certa estrutura para que possam ter essa independência.
Pelo pouco que li sobre a Síndrome de Williams, parece-me que seus portadores são pessoas extremamente sociáveis e de fácil sorriso. E Gabrielle, a atriz, de fato nos transmite essa alegria, por meio de uma interpretação luminosa, mostrando-nos uma Gabrielle, personagem, cheia de vida e de vontade de aproveitar cada minuto de sua existência.
Gabrielle é, assim, uma história de amor. Mas, mais do que isso, é uma história de luta pela independência, pela inclusão social e pelo direito a uma vida “normal” e digna.
Um filme poético, lindo, PRA SE ENCANTAR.
Fonte: Lilia Lustosa