Todo ano, a seleção oficial de Cannes tenta incluir pelo menos um filme-choque, com cenas ultraviolentas que derrubem o público na cadeira e deem o que falar, como “Irreversível”, em 2002, ou “Anticristo”, em 2009. Desta vez, o choque veio com o ucraniano “The Tribe” (a tribo), um filme da paralela Semana da Crítica, que venceu três prêmios dessa mostra.
Não é todo dia que se vê um filme estrelado apenas por jovens surdos, sem um único diálogo, e ainda por cima violentíssimo, de deixar até Tarantino chocado. Logo no início, os créditos avisam: “Esse filme é todo expresso em linguagem de surdos. Não tem, intencionalmente, nenhuma legenda nem voz em off”. Todos os atores do filme são surdos de verdade.
Em “The Tribe”, um rapaz chamado Sergey entra numa escola especializada para surdos e logo descobre que, se não se enturmar com os mais fortes, será alvo de bullying como em qualquer outra escola. Se a história ficasse por aí, tudo bem. Mas esses colegas fazem parte de uma rede de crimes e prostituição –a Tribo do título. Toda noite, o chefe da gangue leva sua namorada Anna e outra amiga para se prostituírem para caminhoneiros num pátio. O problema é que Sergey se apaixona por Anna e tenta tirá-la a todo custo da gangue, despertando a fúria dos colegas, e aí começa uma espiral de violência.
“The Tribe” inclui cenas fortes de sexo, uma cena pesada em que Anna recorre a uma mulher que faz aborto de maneira medieval e sem anestesia, outra sequência em que um dos rapazes está deitado no chão e é atropelado por um caminhão em marcha a ré porque não pode ouvi-lo e uma sequência final que não se via em Cannes desde “Irreversível”: Sergey esmaga o crânio de quatro colegas que o agrediram socando uma pesada cômoda em cima da cabeça deles –três vezes em cada um. A plateia, chocada, soltava urros pesados de indignação. Um filme bastante original, que vai impondo a força do silêncio e da violência –mas não indicado a estômagos mais fracos.
O diretor Myroslav Slaboshpytskiy dá uma explicação igualmente bizarra sobre por que decidiu fazer “The Tribe”. “Eu tinha o sonho antigo de fazer uma homenagem ao cinema mudo. Um filme que fosse entendido sem uma única palavra”, explica – como se o filme tivesse algo a ver com Chaplin ou Murnau.
Myroslav fez contatos com a comunidade de surdos da Ucrânia e conheceu os líderes do que ele chama de “essa comunidade informal das sombras”. “Eles me revelaram por dentro esse mundo isolado, os modos e rituais dessa comunidade, uma das mais fechadas em nosso país”, conta.
http://youtu.be/bpLj9WYBK_c
Fonte: UOL