Escritora, atriz, humorista, Maysoon Zayid é co-fundadora do New York Arab-American Comedy Festival. Já no início da sua carreira como atriz, ela percebeu que conseguiria muito mais tempo de permanência nos palcos – e aplausos – se passasse a mostrar o quanto ela pode ser engraçada e divertida. Como ela disse à BBC, “ficou óbvio para mim que, nos Estados Unidos, uma garota de origem estrangeira, portadora de necessidades especiais, nunca conseguiria um emprego a não ser que aprendesse a se por realmente em pe’”.
De origem palestina, Zayid faz ironias a respeito de sua família, a cultura global, e sua vida de mulher com paralisia cerebral. Todos os anos ela passa alguns meses nos territórios palestinos fazendo workshops para crianças órfãs, desamparadas e com necessidades especiais que vivem em campos de refugiados, usando sua arte e espírito para ajuda-los a superar seus traumas e encontrar um caminho na vida.
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Tradução integral da palestra de Maysoon Zayid no TED:
Alô TEDWomen, e aí? (Ovação)
Está fraco. Alô TEDWomen, e aí? (Ovação)
Meu nome é Maysoon Zayid, e eu não estou bêbada, mas o médico que me trouxe ao mundo estava. Ele cortou minha mãe seis vezes, em seis direções diferentes, sufocando a pobre de mim ao longo do processo. E como resultado, tenho paralisia cerebral (PC), então, eu tremo o tempo todo. Vejam. É muito cansativo. Sou uma mistura de Shakira, com Muhammad Ali. (Risos)
A PC não é um problema genético. Não é defeito de nascença. Não se pega como doença. Ninguém rogou praga no útero da minha mãe, e não é porque meus pais são primos de primeiro grau, o que, aliás, eles são. (Risos) Só acontece por acidente, como o acidente do dia do meu nascimento.
Vou avisá-los, não sou inspiradora, e não quero que ninguém aqui se sinta mal por mim, porque em algum momento da suas vidas, vocês já sonharam ser deficientes. Acompanhem-me numa jornada. É véspera de natal, você está no shopping, dando voltas e voltas em seu carro, procurando vaga para estacionar, e o que você vê? Dezesseis vagas reservadas para deficientes, vazias. E você pensa: “Deus, será que não dá para eu ser um pouquinho deficiente?” (Risos) Deixa eu dizer uma coisa para vocês: eu tenho 99 problemas e a paralisia cerebral é só um deles. Se existisse uma Olimpíada da Opressão, eu ganharia uma medalha de ouro. Eu sou palestina, muçulmana, do sexo feminino, deficiente e… moro na Nova Jersey. (Risos) (Aplausos) Se você não se sente melhor consigo mesma, talvez deveria.
Cliffside Park, Nova Jersey, é a minha cidade natal. Eu sempre adorei o fato de que o meu bairro e a minha doença têm as mesmas iniciais. Também adoro o fato de que se eu quisesse andar da minha casa até Nova Iorque, eu poderia.
Muitas pessoas com PC não conseguem andar, mas meus pais não acreditavam em “não consigo”. O mantra do meu pai era: “Você pode, e muito!” (Risos) E assim, se minhas três irmãs mais velhas limpavam o chão, eu também limpava. Se elas iam para a escola pública, meus pais processavam a escola para garantir que eu fosse também, e se não tirássemos nota 10, minha mãe dava chineladas em nós todas. (Risos) Meu pai me ensinou a andar quando eu tinha cinco anos. Ele colocava meus calcanhares sobre seus pés e simplesmente andava. Uma outra tática dele era balançar uma nota de um dólar na minha frente e eu tinha que correr atrás dela. (Risos) O meu lado “dançarina de striptease” era muito forte… (Risos) É. Quando o primeiro dia do jardim de infância chegou, eu já andava como uma campeã que tinha levado muitos socos.
Quando eu era pequena, havia apenas seis árabes na minha cidade e eram todos da minha família. Agora, existem 20 árabes na cidade, e ainda são todos da minha família. (Risos) Eu acho que nunca notaram que não somos italianos. (Risos) (Aplausos) Isto foi antes do 11 de setembro e antes dos políticos considerarem apropriado usar “Eu odeio os muçulmanos” como um slogan de campanha eleitoral. Cresci com pessoas que não tinham problema com minha religião. Porém, pareciam muito preocupados de eu morrer de fome durante o Ramadã. Eu explicava para eles que eu tinha gordura suficiente para sobreviver por três meses, e jejuar entre o nascer e o pôr do sol é muito fácil.
Eu já fiz sapateado na Broadway. É, na Broadway. Uma loucura. (Aplausos) Meus pais não tinham como pagar um fisioterapeuta, então, me botaram na escola de dança. Aprendi a dançar de salto, por isso sei andar de salto. E sou de Jersey, e nós nos preocupamos muito em ser chiques, então, se minhas amigas usavam salto alto, eu também usava.
E quando minhas amigas iam passar as férias de verão no litoral de Jersey, eu não ia. Eu passava meus verões em uma zona de guerra, porque meus pais tinham receio de que, se não fôssemos à Palestina todo verão, iríamos acabar virando a Madonna. (Risos) As férias de verão eram, geralmente, meu pai tentando me curar. Eu bebi leite de veado, colocaram ventosas nas minhas costas… eu fui mergulhada no Mar Morto… eu me lembro de sentir meus olhos ardendo na água e de pensar: “Está dando certo!” (Risos)
Uma cura milagrosa que encontramos foi a ioga. Tenho que confessar, é muito chato, mas antes de fazer ioga, eu era uma comediante de stand-up que não podia ficar em pé. E agora eu posso ficar de cabeça para baixo. Meus pais sempre enfatizaram a ideia de que eu podia fazer o que quisesse, que sonho nenhum era impossível, e meu sonho era aparecer no seriado “General Hospital”. Eu estava na faculdade na época da ação afirmativa para deficientes e consegui uma bolsa de estudos para a ASU, Universidade do Estado do Arizona, porque eu me enquadrava em todas as cotas. (Risos)
Eu era como o lêmure, o bichinho de estimação do Departamento de Teatro. Todo mundo me adorava. Eu fazia o dever de casa das crianças “menos inteligentes”. Eu fechava todas as minhas matérias com 10 e fechava todas as matérias deles com 10. Toda vez que eu fazia uma cena de À Margem da Vida, meus professores choravam. Mas nunca fui escolhida para o elenco. Finalmente, no meu último ano, eles resolveram fazer um espetáculo chamado “Eles Dançam Super Devagar em Jackson”. É uma peça sobre uma menina com PC. Eu era a garota com PC! Então, eu comecei a anunciar em voz alta: “Até que enfim vou ter um papel! Eu tenho paralisia cerebral! Finalmente livre! Graças ao Deus todo-poderoso, estou finalmente livre!” Eu não consegui o papel. (Risos) Sherry Brown foi a escolhida. Fui direto ao diretor do departamento de teatro chorando, como se alguém tivesse matado o meu gato, para perguntar por quê, e ela disse que foi porque eles não achavam que eu conseguiria fazer as acrobacias. Eu disse: “Pera aí, se eu não posso, a personagem também não pode”. (Risos) (Aplausos) Era o papel que eu literalmente nasci para fazer, e eles escolheram uma atriz sem paralisia cerebral! A faculdade imitava a vida. Hollywood tem uma história sórdida de escolher atores fisicamente capazes para encenar deficientes na tela de cinema.
Depois de me formar, voltei a morar em casa, e meu primeiro trabalho como atriz foi servir de extra em um seriado. Meu sonho estava se realizando. Eu sabia que seria promovida de “diner diner” para “melhor amiga louca” a qualquer momento. Mas, ao invés disso, continuei sendo pouco mais que um móvel qualquer que você só poderia reconhecer pelas minhas costas, e ficou claro para mim que os diretores de elenco não contratam atores fofos, étnicos, deficientes. Só contratam pessoas perfeitas. Mas houve exceções à regra. Cresci assistindo Whoopi Goldberg, Roseanne Barr, Ellen, e todas elas tinham uma coisa em comum: Eram comediantes. Então, eu me tornei uma comediante. (Risos) (Aplausos)
Meu primeiro trabalho foi transportar comediantes famosos de Nova Iorque para espetáculos em Nova Jersey, e nunca vou me esquecer da cara do primeiro que eu levei, quando se deu conta de que ele viajava em alta velocidade na rodovia de New Jersey com uma garota com PC dirigindo. Eu já fiz espetáculos pelos Estados Unidos todo, inclusive em árabe, no Oriente Médio, sem ser censurada e sem véu. Alguns dizem que sou a primeira comediante stand-up no mundo árabe. Eu não digo que seja a primeira, mas sei que eles nunca tinham ouvido aquele pequeno boato antipático de que as mulheres não são engraçadas, e eles nos acham cômicas.
Em 2003, meu irmão de outra mãe e pai, Dean Obeidallah, e eu começamos o Festival de Comédia Árabe-Americano em Nova Iorque, agora em seu décimo ano consecutivo. Nosso objetivo é mudar a imagem negativa dos árabes-americanos na mídia e também lembrar os diretores de elenco que sul-asiático e árabe não são sinônimos. (Risos) A integração dos árabes foi muito mais simples do que vencer o desafio contra o estigma da deficiência.
Minha grande chance veio em 2010. Fui convidada para aparecer no programa de TV a cabo “Countdown With Keith Olbermann”. Eu entrei como se estivesse indo para um baile, e eles me empurraram para o estúdio e me fizeram sentar em uma cadeira giratória de rodinhas. Eu olhei para o gerente de palco e disse: “Com licença, você pode me trazer uma outra cadeira?” E ela olhou para mim e disse: “Cinco, quatro, três, dois…” E estávamos no ar! Eu tive que me agarrar à mesa do apresentador para não rolar fora da tela durante a transmissão, e quando a entrevista terminou, eu fiquei furiosa. Eu tive minha chance e estraguei tudo, e eu sabia que nunca iria ser convidada de novo. Mas não só o Sr. Olbermann me chamou de novo, como me deu a oportunidade de ser uma colaboradora regular, e pregou minha cadeira no chão. (Risos) (Aplausos)
Uma fato engraçado que aprendi trabalhando com Keith Olbermann foi que os humanos na Internet são desprezíveis. As pessoas dizem que crianças são cruéis, mas nunca fizeram piada sobre mim quando criança ou depois de adulta. De repente, minha deficiência virou motivo de escárnio na Internet. Eu vi clipes, online, com comentários do tipo: “Ei, por que ela está fazendo o ‘rebolation’?” “Ei, ela é retardada?” E meu predileto: “Coitadinha da terrorista de boca torta. Qual será o seu problema? Nós precisamos rezar muito por ela.” Um comentário até sugeriu que eu acrescentasse minha deficiência aos meus créditos: “roteirista, comediante, paralítica cerebral”.
Deficiência é algo tão visual quanto raça. Se um usuário de cadeira de rodas não pode interpretar Beyoncé, então, a Beyoncé não pode interpretar um usuário de cadeira de rodas. Deficientes são a maior… É, aplaudam por eles, gente. Vamos lá. (Aplausos) As pessoas com deficiência são a maior minoria no mundo, e somos os mais sub-representados na área do entretenimento.
Os médicos disseram que eu não andaria, mas estou aqui, diante de vocês. Mas se eu tivesse crescido com mídia social, acho que não estaria. Espero que juntos possamos criar imagens mais positivas da deficiência na mídia e no dia a dia. Talvez, se houvesse mais imagens positivas, menos ódio seria fomentado na Internet. Ou talvez não. Talvez educar bem uma criança ainda exija um esforço coletivo.
Minha tortuosa jornada me levou a lugares espetaculares. Eu desfilei no tapete vermelho ao lado da famosa diva da TV, Susan Lucci, e da icônica Lorraine Arbus. Fiz um filme com Adam Sandler e trabalhei com meu ídolo, o fantástico Dave Matthews. Fui a atração principal em um tour mundial do “Arabs Gone Wild”. Fui escolhida para representar o Estado de Nova Jersey na Convenção Nacional Democrata de 2008. E fundei a “Maysoon’s Kids”, uma organização de caridade que visa a dar às crianças refugiadas palestinas uma parcela da chance que meus pais me deram. Mas o momento mais notável foi quando… antes deste momento… (Risos) (Aplausos) O momento mais notável foi quando fiz uma apresentação para o homem que voa como uma borboleta e ferroa como uma abelha, tem Parkinson e treme como eu, Muhammad Ali! (Aplausos)
Esta foi a única vez que meu pai me viu fazer uma apresentação ao vivo, e eu dedico esta palestra à sua memória. (Árabe) “Que Allah tenha piedade da sua alma, pai.”
Meu nome é Maysoon Zayid, e se eu “posso, e muito!’, vocês “podem, e muito!’ (Aplausos)
Fonte: brasil247