Apesar de já previstos em lei e regulamentados desde 2004 pelo Decreto 5.296/04, mecanismos como audiodescrição, legendas descritivas e janela para a Língua Brasileira de Sinais (Libras) ainda alcançam uma parcela muito pequena das produções audiovisuais.

A audiência pública foi requerida pela deputada Rosângela Curado (PDT-MA).Um exemplo disso são as produtoras de filmes nacionais, que só passaram a se preocupar com a acessibilidade para pessoas com deficiência depois que a Agência Nacional do Cinema (Ancine) publicou a Instrução 116/14, que obriga as produções financiadas com recursos públicos federais geridos pela agência a oferecer legendagem descritiva, audiodescrição e Libras.

Audiodescrição

A professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) Soraya Ferreira, que é doutora em formação de audiodescritores, exemplificou como os mecanismos de acessibilidade podem ampliar a comunicação e também atender pessoas sem deficiência. Ela realizou a audiodescrição de uma ópera e disse que, no meio do espetáculo, as pessoas que não eram cegas passaram a acompanhar a ópera com a sua descrição.

“Muitas pessoas que enxergavam não tinham conhecimento desse gênero e não estavam entendendo a dinâmica da ópera. Com a audiodescrição, elas passaram a ouvir e compreender tudo com mais detalhes”, disse ela.

Soraya Ferreira apresentou um guia orientador sobre uso de audiodescrição, legendagem e janela para Libras em produções audiovisuais, trabalho que foi feito em conjunto com os demais palestrantes. “Hoje não podemos mais usar a desculpa que não há parâmetros e que os profissionais não sabem como fazer. Há muitas pesquisas sendo feitas nas universidades”, disse Soraya, ponderando, no entanto, que é preciso buscar esses profissionais habilitados já que o uso inadequado dos recursos de acessibilidade podem confundir em vez de esclarecer o conteúdo.

A coordenadora de Gestão Estratégica da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, Sylvia Bahiense Naves, explicou que esse guia foi feito de forma voluntária é um trabalho científico que foi amplamente testado. “A obrigação de oferecer acessibilidade causou um espanto na classe cinematográfica e eles não sabiam como fazer. As primeiras amostras de curtas acessíveis eram hilárias. Então vimos que era preciso esclarecer quais eram os parâmetros”, destacou a coordenadora, explicando que convidou os especialistas presentes na audiência para elaborar o guia orientador.

A primeira vice-presidente da comissão, deputada Zenaide Maia (PR-RN) elogiou a iniciativa de produzir o manual e defendeu o cumprimento da legislação. “Vocês estão mostrando que a acessibilidade comunicacional é possível. Nós temos uma lei moderníssima, mas é preciso executar. Vocês estão dando o exemplo aqui”, ressaltou.

A deputada ressaltou a importância de se garantir o acesso ao guia elaborado pela universidade cearense ao maior número de pessoas possível. ” Eu já me comprometi de conversar com Sylvia [Naves, do MinC] para saber se existe interesse e se é importante a gente reproduzir o guia, com autorização de vocês, e distribuir às instituições interessadas”, afirmou.

Produção audiovisual

O professor de Libras Saulo Machado usou a linguagem durante sua explanação para criticar a falta de filmes brasileiros com recursos de acessibilidade, embora a obrigatoriedade já esteja prevista na legislação. “Legendas e a janela de Libras são recursos importantes para que os surdos ampliem o seu vocabulário. As empresas de audiovisual e os cineastas precisam trabalhar nisso.É um direito que os surdos têm”, disse Machado.

Saulo Machado, que atualmente cursa mestrado sobre linguagem cinematográfica na Universidade de Brasília (UnB), destacouainda que o Festival de Brasília do Cinema de Brasileiro foi pioneiro em oferecer recursos de acessibilidade comunicacional, o que levou ao aumento do número de pessoas com deficiência que frequentam o festival.

Para a professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece) Vera Lúcia Araújo, colocar legendas para surdos e ensurdecidos é um trabalho que vai além da legendagem comum no cinema. Segundo ela, é necessário harmonizar a legenda com o conteúdo do filme. “A legenda para surdos precisa dizer quem está falando quando a imagem não diz isso”, alertou, exemplificando com efeitos sonoros. 

“Quando soa uma sirene, o surdo precisa saber por que as pessoas parecem assustadas”, disse ela, que tem 13 anos de experiência com legendagem.

Professora de Libras e doutoranda em Linguística pela UnB, Patrícia Tuxi destacou que a pessoa surda tem o direito de escolher qual modalidade linguística – a legenda ou a janela de Libras – é a mais adequada para acessar os conteúdos audiovisuais.

“É uma necessidade de que as duas formas estejam à disposição. A partir do nível linguístico individual, é fundamental que a pessoa exerça sua cidadania e escolha o que é melhor para si”, ressaltou a professora.

Na opinião da coordenadora da ONG Mais Diferença, Carla Mauch, é preciso haver uma punição para os responsáveis pelos filmes que não cumprem as normas sobre acessibilidade comunicacional. Ela lembrou que a lei de cotas no mercado de trabalho para pessoas com deficiência (art. 93 da Lei 8.213//91) só saiu do papel quando as multas começaram a ser aplicadas. “Os marcos legais avançaram muito nos últimos 15 anos mas eles não significaram, ainda, a conquista de direitos já que equiparação de oportunidades não é uma realidade quando falamos de acesso à informação”, disse ela.

Carla comemorou a presença de estudantes da UnB acompanhando a audiência. “É muito bom vê-los aqui, pois as obras que serão produzidas por vocês precisam estar acessíveis. As pessoas têm direito a conhecer o que se produz no Pais”, disse Carla Mauch. Ela destacou também que os recursos de acessibilidade podem introduzir novas possibilidades estéticas de se pensar o cinema.

Fonte: Vida mais livre

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