‘E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu… o dia não veio, o bonde não veio, o riso não veio, não veio a utopia e tudo acabou e tudo fugiu… e agora, José?’

Na festa dos Jogos Paralímpicos, não houve lugar para a cidadania. Foi bonita a festa, sim, fiquei contente. O Brasil festejou a força e a alegria do esporte praticado por pessoas com deficiência, louvou atletas e celebrou a competência que muitos não sabiam existir nas pessoas com deficiência, mas ficou faltando um convidado: não houve ingresso para o prometido legado de respeito a alguns dos direitos básicos das pessoas com deficiência.

Por alguns poucos dias, em setembro de 2016, o Rio, o Brasil e o mundo afora festejaram as proezas de pessoas que, durante os outros dias do ano, são esquecidas, afastadas pelo preconceito e pela discriminação.

Foi muito bom poder ver e ouvir admiração e respeito de um bom número de brasileiros que, em geral, pensam nas pessoas com deficiência como objeto de tristeza, piedade e favor. Esse momento de um novo olhar poderia ficar para sempre. Mas não, ele vai se esmaecer e ser esquecido, até sumir sob uma invisibilidade arrasadora, gerada pelo sentimento de ameaça da deficiência e pela esperança de que, quanto mais longe ela estiver do nosso dia a dia, menos ela poderá nos tocar de perto.

Ainda haveria tempo para sociedade e Estado fazerem da admiração de alguns poucos dias uma atitude mais permanente, mais duradoura. Mas já não acredito, não é isso que se quer, a festa já acabou, não estraguemos a festa.

Durante os Jogos, fui entrevistada por um bom número de jornalistas de meios de comunicação do mundo inteiro. Sites, TVs, rádios nos procuravam perguntando sobre respeito aos direitos, acessibilidade nos transportes e locais públicos. Queriam todos saber como é viver com deficiência no país dos Jogos. Atendi a todos. Tive minhas indignações quanto à absurda falta de respeito aos direitos das pessoas com deficiência divulgadas em inúmeros países. Muitos acompanharam cadeirantes pela cidade, assistindo ao desafio que acontecia do lado de fora dos Jogos: atravessar ruas sem rampas, pegar ônibus sem acessibilidade, andar pelas precárias calçadas da cidade. Alguns deles se interessaram também por conhecer e entrevistar pessoas com deficiência no seu dia a dia, ouvir suas histórias que falam de luta na Justiça por uma cadeira de rodas ou um medicamento.

Apenas alguns dois ou três jornalistas brasileiros me procuraram. Foram a exceção que confirma a regra.

Por que só esses? A festa não podia ser ofuscada pelo desrespeito cotidiano existente e denunciado pelo Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD). No Sumário Executivo do Dossiê de candidatura 2016 está escrito: “Os Jogos Paralímpicos Rio 2016 irão gerar um sólido legado… Acessibilidade para todos: antes da realização dos dois eventos, as ruas, meios de transporte, instalações e espaços públicos serão modificados… para garantir que os benefícios dessa oportunidade sejam verdadeiramente aproveitados”. Nada aconteceu.

Nosso testemunho expunha para todos a omissão repetida dia após dia, ano após ano, pelos governantes, e mostrava a quebra da promessa de legado social feita pelos governos federal, estadual e municipal e pelos comitês Olímpico e Paralímpico.

O dia 7 de setembro de 2016, início dos Jogos Paralímpicos, não foi uma festa para a cidadania de todos os brasileiros.

Fonte: O Globo

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