Detectando objetos através de ecos. Americano ensina a “ver” através de sons feito pela boca.
Voluntários sem vendas ajudavam Bushway a controlar o grupo, evitando que alguém fosse parar no meio do trânsito. Mas era ele quem organizava a bagunça e parava em lugares estratégicos, como se fosse um passeio turístico.
“Se vocês baterem palma ou estalarem a língua no céu da boca aqui, o que acham que há na frente de vocês?”, ele perguntou, após enfileirar todos na calçada, de frente para um arranha-céu do outro lado da rua. Um quarteirão e uma escadaria depois, fez o mesmo num ambiente fechado de vidro.
Bushway queria mostrar as maravilhas da “ecolocalização”, uma técnica aparentemente simples (estalando a língua no céu da boca, estalando os dedos ou batendo palmas) que permite detectar imagens através de ecos, uma habilidade conhecida entre golfinhos e morcegos.
Foi desenvolvendo essa técnica que Bushway virou o melhor ciclista de montanha cego do mundo, título dado por uma revista especializada no esporte, embora ele seja rápido em lembrar que a concorrência é bem pequena. Ele também anda de skate e de patins, de preferência em locais que conhece, com outras pessoas e com sua bengala longa.
“Todo ser humano tem capacidade de ver acusticamente, mas os cegos não são encorajados a usar isso, não faz parte do treinamento”, disse o californiano, que ficou cego aos 14 anos e foi um dos primeiros estudantes de Daniel Kish, fundador da ONG World Access for the Blind, que desde 2000 divulga a técnica pelo mundo para “liberar os cegos da tradicional dependência e isolamento”.
Nos últimos 20 anos, diversos estudos neurológicos demonstraram a capacidade do cérebro humano de decifrar sons em imagens. “Antes dos estudos, diziam que algumas pessoas eram exceção à regra, eram melhores que outras [com a técnica], que não era para todo mundo. Hoje sabemos que é de fato uma percepção natural do ser humano”, disse. “Acredito que temos mais sentidos do que os cinco sentidos.”
No grupo de não cegos a vagar por Austin, os estalos criavam uma estranha sinfonia, em conjunto com as varas de bambu que batiam nos pés alheios sem a menor cerimônia. Para a canadense Tamara Banbury, 45, a experiência trouxe um profundo respeito pelos deficientes visuais que criam novas maneiras de sentir seus ambientes, além de uma nova apreciação de seus outros sentidos.
“Fiquei chocada de como o trânsito é barulhento quando estava de olhos vendados e depois, quando tirei a venda, o barulho meio que sumiu”, disse. “Não acreditei que com tão pouco treinamento eu pude ouvir os ecos e ouvir as diferenças entre os prédios. Foi fascinante.”
Bushway era um garoto bastante ativo quando perdeu a visão após sofrer atrofia do nervo óptico. Antes de subir numa bicicleta novamente, dois ou três anos depois, ele conta que o maior desafio não foi apenas acessar o mundo físico, mas também o mundo social.
“Assim que você pega na bengala tudo muda. As pessoas te prendem na caixa das baixas expectativas. Ninguém espera mais nada de você, e isso vira a desculpa perfeita para não fazer mais nada”, disse. “Claro que não aprendi isso tudo do dia para a noite. Fui melhorando um por cento por dia. Acordava e tentava. Em dois anos, você acumula muito.”
Bushway e Banbury estavam em Austin para o Body Hacking Con, um evento sobre novas tecnologias para aumentar o potencial humano. Bushway contou que é muito procurado para dar consultorias e testar novos aparelhos para cegos, mas ainda não encontrou nada melhor “que meu cérebro e minha bengala longa para viajar pelas florestas de Belize ou pelos templos budistas da Tailândia”.
“O futuro é promissor. Mas as tecnologias de hoje costumam fazer bem uma coisa só, numa situação em particular, e a vida é muito mais fluida e dinâmica”, disse. “Além disso, é preciso aprender e decodificar essas ferramentas novas, enquanto a ecolocalização é uma conexão humana natural.”
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