Deficientes visuais se especializam em avaliar fragrâncias para perfumes
A paulista Bruna de Freitas Aguilar, de 30 anos, sempre foi apaixonada por perfumes. Deficiente visual desde os 27 anos por causa da diabetes, ela acabou encontrando uma oportunidade de desenvolver seu gosto pelos aromas em um curso de avaliação olfativa na Fundação Dorina Nowill para Cegos, em São Paulo. Sua baixa visão, conta, acabou aumentando sua percepção dos outros sentidos, o que a ajudou muito em sua formação.
“Uma pessoa que enxerga normalmente, ao prestar atenção em algo que não precisa da visão, automaticamente fecha os olhos. É apenas isso que acontece, precisei ficar mais atenta aos outros sentidos”, explica Bruna. Segundo o oftalmologista Emerson Castro, isso acontece por uma necessidade do organismo. “Se a pessoa tem 10% de visão no olho direito e perde os 100% de visão que tem no olho esquerdo, essa porcentagem no direito pode aumentar em até 40%”, exemplifica o médico.
Para o aluno Silvano Brito, de 28 anos, que perdeu a visão por causa de um glaucoma congênito, o deficiente visual tem que usar muito a memória dos sentidos no dia a dia, o que ajuda no curso. “O ser humano é visual para tudo e, se você não tem mais essa percepção, você começa a prestar atenção na voz, no perfume, tudo que pode ajudar a reconhecer a pessoa”, analisa. Silvano lembra que, uma vez, chegou a reconhecer uma mulher pelo perfume. “Ela pegava ônibus comigo e, na primeira vez que ela me ajudou, senti seu perfume. Depois, quando sentia aquele cheiro, sabia que era ela”, lembra.
Além de ver no curso uma oportunidade de carreira, ele diz que se especializar em avaliação de perfumes e fragrâncias pode trazer benefícios também para seu bem-estar. “Tem a questão da independência, de se sentir útil por trabalhar, além do lado social que desenvolvemos muito com os outros alunos”, avalia.
Segundo a perfumista e coordenadora Renata Aschar, o curso, iniciado em 2011, tem como objetivo capacitar profissionalmente pessoas cegas e com baixa visão para selecionar e avaliar fragrâncias profissionalmente.
Para participar, são feitas entrevistas com jovens, entre 18 e 28 anos, que já concluíram ou estão concluindo o ensino médio, com independência de mobilidade e autonomia para participar das atividades propostas pelo curso. Na primeira turma, a prioridade da seleção foi para o interesse dos alunos. “Escolhemos pessoas que viam no curso um novo caminho, uma nova profissão”, conta Renata.
A perfumista acredita que, nesse caso, a deficiência visual é um fator positivo. “O aluno não vê marca e não se influencia por corpos e formas para criticar um cheiro”, avalia. O curso, que dura um ano e meio, está em sua segunda turma – a primeira teve como encerramento uma festa de formatura, com os professores e pais dos alunos.
Junto com Bruna na primeira turma, estava Marina Yonashiro, de 19 anos, que perdeu a visão aos 11 anos por causa de um tumor na região do cerebelo. “A formatura foi muito emocionante. Saber que os professores e meus pais estavam lá de pé me aplaudindo foi muito legal”, lembra.
A jovem diz que viu no curso uma oportunidade para lidar com a deficiência de um lado bom e favorável para seu trabalho. “Perdi 95% da visão e tive que fazer uma readaptação, fui retomando minha vida gradativamente. Como era criança na época, acho que consegui lidar bem com isso”, lembra.
Atualmente trabalhando na empresa Symrise, de aromas e fragrâncias, a jovem diz que ainda aprende muito sobre a rotina do avaliador olfativo. “Eu não tinha ideia de como era esse mundo de fragrâncias e hoje ajudo em pequenos projetos onde trabalho”, conta.
Também empregada, Bruna diz que o trabalho do avaliador olfativo não é apenas cheirar uma fragrância e dizer se é boa ou não, pois envolve diversas outras áreas. “Um avaliador demora em torno de 5 anos para se especializar. Precisa de muita prática porque ele é a ponte entre o cliente e o perfumista”, diz. Ela conta que trabalha na área de perfumaria fina, que envolve perfumes, sabonetes e loções corporais. “O curso dá uma ótima base, mas a prática mesmo é só quando entra no mercado de trabalho”, afirma.
De acordo com a coordenadora Renata, a preocupação com a prática esteve presente desde o começo. “Discutimos com as empresas a grade curricular que montaríamos e o que deveríamos ensinar aos alunos”, lembra. Nos 18 meses de curso, 6 meses são focados para o estágio em alguma dessas empresas. “É aí que eles colocam em prática o que aprenderam e são avaliados também onde trabalham, o que ajuda sempre a melhorar”, avalia.
Para Erika Torriani, coordenadora de Recursos Humanos da empresa Symrise, onde Marina trabalha, a avaliação das alunas do curso é bastante positiva. “A Marina trabalha conosco junto com outra estudante e elas são muito empenhadas, vieram do curso com uma bagagem teórica excelente e isso traz benefícios para nós e para elas”, avalia.
Erika ressalta que, para trabalhar nessa área, é preciso muita dedicação e treinamento, não apenas a formação. “Elas trouxeram interesse e encantamento, e tê-las conosco é muito importante porque são pessoas que gostam do que fazem”, analisa a coordenadora.
No caso do aluno Silvano, que ainda está no meio do curso, a expectativa é muito grande. “Estou adorando porque é um universo totalmente novo. Dura apenas um ano e meio, mas o conhecimento que adquirimos é muito grande, não só sobre perfumaria, mas também sobre química e sobre os óleos que são usados para fazer as essências”, conta. Com a entrevista de estágio agendada para agosto e a formatura prevista para dezembro de 2013, ele se mostra ansioso. “Quero colocar em prática o que estou aprendendo e conhecer o dia a dia da empresa. Fora isso, estou na expectativa de voltar ao mercado de trabalho depois de tanto tempo afastado”, espera.
Fonte: Bem Estar
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