Aos poucos as cores desbotaram, a visão ficou turva e as pessoas e objetos transformaram-se apenas em vultos. Claudionor da Silva, 52 anos, morador de Campo Grande (MS), sofre de uma doença hereditária chamada Stargardt, que provoca a perda progressiva da visão. Com a enfermidade, um novo mundo foi descoberto e os olhos, até então seus principais norteadores, já não eram as janelas para mundo. Os ouvidos e as mãos passaram a desempenhar esse papel.

Ele afirma não ter sofrido no processo de adaptação e assimilação da nova realidade, o problema estava na cidade e nos espaços públicos que não foram feitos para cegos e pessoas com deficiência. Calçadas irregulares e com obstáculos fazem parte da vida cotidiana; os momentos de lazer também são afetados devido à falta de acessibilidade. Em uma visita realizada ao Museu das Culturas Dom Bosco (MCDB), foram vivenciadas algumas dificuldades. “Tínhamos guias e audiodescritores durante o trajeto para nos falar sobre a exposição. Conseguimos tocar em alguns objetos, mas acho que se eu fosse sozinho não daria muito certo, porque muitas coisas estavam em caixas de vidro”, afirma Silva.

Para a assistente social do Instituto Sul Mato-grossense para Cegos (ISMC) Hortência Ferreira, que realiza esse tipo de passeio com as pessoas da instituição requentada por Silva, é preciso pensar a acessibilidade para além da arquitetura do prédio. “As pessoas precisam pensar o cego como cidadão que também merece ter acesso a tudo. A descrição é muito importante, assim como o toque, porque dali ele consegue absorver bastante informação dessa vivência. Mas como ele vai conseguir, de maneira independente, vivenciar o museu e a proposta de uma exposição se os objetos são colocados dentro de uma caixa?”, questiona.

Segundo o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase 25% da população brasileira apresenta algum tipo de deficiência. Esse público representa mais de 45 milhões de brasileiros e é muitas vezes ignorado. Segundo a arquiteta do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), Rafaela Felício, dos 30 museus supervisionados pelo órgão, apenas um, o Museu Histórico Nacional, localizado no Rio de Janeiro, apresenta acessibilidade universal. “Esse espaço passou 10 anos em adequações e reformas, mas ainda não chegou ao fim, esse processo é contínuo e está em constante renovação, porque quando muda a exposição ele precisa se readaptar. Já os museus novos são projetados para atender a todas as normas e diretrizes de acessibilidade”.

A lei federal nº 11.904 prevê, para todos os mais de 3.300 museus brasileiros, a garantia de acessibilidade física e linguagem expográfica voltadas às pessoas com deficiência. A arquiteta afirma, também, que é preciso ampliar o conceito de acessibilidade. “Geralmente, as pessoas acham que basta colocar uma rampa para resolver o problema, mas não é bem assim. As pessoas com deficiências (PCD) têm maneiras diferentes de apreensão, e essa questão de como ele vai viver o espaço museal, que já está prevista em lei, precisa ser difundida. É preciso pensar nos outros sentidos que podem ser explorados para que eles possam ter a experiência completa”. Ela afirma que, tendo em vista as diversas normativas relacionadas ao assunto, é possível perceber a mudança no comportamento dos administradores desses espaços e dos arquitetos que precisam pensar novas formas de adequação.

Recife e Porto Alegre oferecem caminhadas com guias
Há sete anos, quando cursava o terceiro semestre da faculdade de Pedagogia, Andressa Cantel descobriu que tinha um tumor na hipófise, e uma das etapas do tratamento exigia a retirada da enfermidade por meio de cirurgia. A operação foi feita e, como consequência, perdeu 90% da visão. “Fiquei praticamente cega e entrei em depressão. Desisti da faculdade porque não tinha ânimo para nada. Foi quando comecei a frequentar a Associação Pernambucana de Cegos (APEC). “Aqui aprendi braille, conheci pessoas e isso me fortaleceu”, diz Andressa, que hoje trabalha como assistente no local e pensa em retomar os estudos. A entidade trabalha na adaptação e reabilitação de pessoas cegas e oferece diversos cursos e proporciona novas experiências. Em agosto, foi feito um passeio pelo centro da cidade em parceria com o governo local. “Eu mesma estava esquecida de alguns poetas importantes do meu Estado, mas relembrei. Foi muito interessante, porque pude tocar nas estátuas, me senti incluída”.

O Museu Joaquim José Felizardo, em Porto Alegre, passou por uma série de modificações em 2002. Foi construído um elevador para levar cadeirantes ao segundo andar do espaço, além de uma maquete tátil do museu e um banheiro adaptado, mas as reformulações não pararam. “Em 2012, nós realizamos uma oficina chamada Conhecendo Porto Alegre através dos sentidos, e ela disponibilizava audioguia, de voz masculina, que fazia a leitura dos textos do painel, e uma voz feminina que descrevia as imagens, objetos e linhas de tempo que compunham a exposição. Temos catálogo em braille com texto da exposição, monitores que fazem a visita e possibilitam o toque em alguns objetos”, diz a técnica em cultura do museu e deficiente visual, Márcia Bamberg.

Além das reformulações no prédio, os monitores promovem, no terceiro sábado de cada mês, o Viva o Centro a pé, uma caminhada orientada e acessível com audiodescrição e intérpretes de Língua Brasileira de Sinas (LIBRAS). A atividade é feita por professores universitários de História, Artes e Arquitetura. “O passeio dura, geralmente, duas horas e temos uma boa adesão de pessoas”, afirma a técnica.

Fonte: Terra

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