Dançarinos com deficiência brasileiros no Festival Internacional Move Berlim
A dança potiguar alça voos cada vez mais altos, movida, principalmente, pela dedicação dos grupos e pela ousadia de experimentações contemporâneas. Na esteira de novas possibilidades cênicas, chegou a vez do grupo Gira Dança embarcar para sua primeira viagem internacional, na qual o grupo irá participar, entre os dias 12 e 16 de abril, do Festival Internacional Move Berlim, na Alemanha. Selecionado a partir de uma curadoria realizada em âmbito nacional, interessada em trabalhos representativos da diversidade cultural tupiniquim, o Gira Dança figura no restrito grupo de oito companhias brasileiras convidadas para cruzar o Atlântico com tudo pago pela produção do evento.
Destaque desde seu surgimento em 2005, sobretudo por desenvolver um trabalho diferenciado junto a bailarinos portadores de deficiência, o grupo leva para o país do chucrute os espetáculos “Corpo Estranho” (2007) e “A Cura” (2010), mais intervenção urbana derivada desta última coreografia. “No espetáculo ‘A Cura’, abordamos o mundo real, a falta de compaixão generalizada que assola nosso cotidiano. Durante a montagem coletiva do espetáculo, cada bailarino teve liberdade para criar e foi instigado a encontrar sua própria cura”, explicou o diretor artístico Anderson Leão durante coletiva de imprensa realizada na manhã de ontem na sede do grupo, no bairro da Ribeira – “A Cura” foi o passaporte da companhia para o Festival.
Além do Gira Dança, que embarca rumo ao Velho Mundo nesta sexta-feira (8) com 13 pessoas, sendo nove bailarinos, a professora Wanie Rose, da Escola de Dança do Teatro Alberto Maranhão (Edtam), serão os únicos potiguares na programação do Move Berlim – Rose irá apresentar painel sobre a dança e a produção artística em Natal. O Festival, patrocinado pelos governos brasileiro e alemão, tem periodicidade bienal e é realizado há oito anos. E todo o cenário e os objetos de cena estão sendo recriados na Alemanha por questões tanto técnicas como de transporte.
Anderson festeja participação no Festival, e afirma que o convite é fruto da dedicação e da seriedade das pessoas envolvidas: “Sabemos que estamos longe do principal circuito da dança brasileira, inclusive por razões geográficas, mas estamos mostrando nossa cara, mostrando que Natal também produz”, diz Leão, sem esquecer da necessidade de maior apoio da iniciativa privada e do poder público.
Atualmente o Gira Dança está habilitado e funcionando como Ponto de Cultura (Giratório), e se mantém através das apresentações e de projetos aprovados em editais públicos – um dos feitos do grupo é ter faturado três prêmios Klauss Vianna de Dança (Funarte), em 2006, 2007 e 2009. “Nossa estreia oficial foi no Rio de Janeiro, quatro meses depois do grupo criado”, comemora Roberto Morais, 43, presidente da Ong Gira Dança.
Cadeirante há quase 25 anos após ser alvejado pelas costas, Beto contou que a gestação do grupo iniciou quando ele e Anderson ainda participavam do Roda Viva, projeto de extensão do Departamento de Artes da UFRN: “Queríamos mais espaço para experimentar, e, mesmo sem dinheiro, decidimos criar nossa própria companhia”, lembra. “Muitas vezes o deficiente não acredita na própria capacidade. Junte isso à falta de remuneração fixa e temos uma dimensão do tamanho da dificuldade em ‘recrutar’ novos integrantes. Não queremos piedade e sim respeito”, diz.
A falta de tato e o receio de trabalhar com bailarinos deficientes visuais e físicos já faz parte da rotina do grupo: “Quando vem um coreógrafo de fora, ele chega cheio de receio. Não somos de porcelana e quando o cara percebe isso a coisa flui. Felizmente temos recebido convidados que desencanam disso na segunda tentativa de tentar evitar um movimento mais brusco”, diverte-se. “Aqui não tem esse papo de portador de necessidades especiais, temos deficiências que podem, perfeitamente, ser superadas”, completa Beto
Daniel Silva, 28 anos, nasceu com má formação congênita e há cinco anos amputou os membros inferiores. Ele está no Gira Dança há três anos, depois de ser convidado por Beto durante partidas de basquete. “Confesso que não me interessava por dança, mas vim para um ensaio, gostei e fiquei”, disse o bailarino e também diretor administrativo da Ong.
Segundo Daniel, em 2005 foi publicado um estudo onde o Rio Grande do Norte, proporcionalmente, ocupava a segunda posição no tocante a pessoas com algum tipo de deficiência: “Estamos indo para um festival internacional de dança e que seremos avaliados por nossa condição física, mas nossa responsabilidade como artista é tão grande quanto nossa responsabilidade social”, finaliza.
No Gira Dança há bailarinos com deficiência visual, com Síndrome de Down, com nanismo, cadeirantes e não cadeirantes. Juntos com a bailarina e arte educadora Jaquelene Linhares, desenvolvem o projeto Corpo Experimento, atividade viabilizada através do Prêmio Interações Estéticas, da Funarte, cujo objetivo é lidar com a diversidade do corpo de forma didática e criativa. Como resultado, o projeto irá ministrar palestras em universidades e escolas de dança.
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Fonte: Tribuna do Norte
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