Copa de graça? Quanto custa a dignidade das pessoas com deficiência?
Este texto foi escrito por Patricia Almeida, Jornalista e Coordenadora da Inclusive – Inclusão e Cidadania
Estou passando as férias de fim de ano com minha família e amigos na Flórida. Um dos objetivos principais da viagem é levar minha filha mais nova Amanda, de 7 anos, que tem síndrome de Down, nos parques da Disney.
Daqui leio pela internet uma notícia em todos os jornais: Romário e Ronaldo anunciam a doação de 32 mil ingressos para deficientes.
O primeiro pensamento que me vem a mente é que legal! Mas logo depois, um sabor amargo começa a vir à boca…
Como militante do movimento das pessoas com deficiência, desde o nascimento da minha filha tenho me empenhado para que essa parcela da população tenha garantidos os mesmos direitos que qualquer cidadão, em igualdade de condições.
Ou seja, se toda população pode assistir a uma partida de futebol em um estádio, esse estádio tem que estar apto a receber qualquer pessoa. Para isso tem que ter as condições de acessibilidade que permitam a um usuário de cadeira de rodas, por exemplo, se locomover até a arquibancada, cadeiras, ou onde quer que ele tenha adquirido o seu ingresso.
Há pouco tempo, outra notícia relacionando deficiência e Copa não recebeu tanto destaque. alegando limitações de tempo e recursos, os responsáveis pelas obras dos novos estádios que estão sendo construídos para a Copa de 2014 querem reduzir os critérios de acessibilidade, contrariando legislação que diz que todos os espaços públicos devem obedecer ao desenho universal.
Em meio a esse cenário, a CBF “concede” ao Deputado Romário, a gratuidade de ingressos para os jogos da Copa a 32 mil torcedores com deficiência. O sabor na boca vai ficando cada vez mais amargo… Em nosso país temos, segundo o Censo 2010, 45 milhões de brasileiros com deficiência…
Mesmo acreditando que o Deputado Romário não vai esmorecer na cobrança dos critérios de acessibilidade dos estádios, como vem fazendo até agora, e não tendo dúvidas sobre suas boas intenções, gestos como estes fazem muito mais mal do que bem ao ideal de igualdade que tanto almejamos.
A imagem que fica, a mensagem que é reforçada, é de que os “deficientes” são coitadinhos, que não têm condições de comprar ingressos para assistir aos jogos da Copa e que se contentam com migalhas. É o popular “cala a boca”, que tanto tem servido para empurrar problemas com a barriga em nosso país e que, lamentavelmente, ainda são aceitos com profundos agradecimentos e lágrimas nos olhos.
Não há como não sentir o brio ferido pela esmola dissimulada, o assistencialismo disfarçado, a atitude paternalista que nos esforçamos para combater.
Enquanto isso, aqui na Disney, paguei o ingresso como qualquer pessoa para minha filha que tem síndrome de Down. Na entrada do parque digo que ela tem deficiência e que precisa de alguns ajustes para aproveitar o parque. Aviso que ela tem dificuldade de esperar por muito tempo e que com isso pode se tornar agitada.
O rapaz que nos atende nos dá uma etiqueta para colocar no carrinho para, dessa maneira, termos prioridade nas filas e levarmos o carrinho até à entrada das atrações, mesmo onde isso não é permitido a outras pessoas. Até 6 pessoas que estão em nosso grupo podem acompanhá-la.
Há vários funcionários com deficiência trabalhando na Disney. Todos os recepcionistas dos brinquedos estão capacitados para atender visitantes com todos os tipos de necessidade. Todos os parques são acessíveis a cadeiras de rodas (e carrinhos).
Passamos dias felizes e satisfeitos, sem nem nos lembrarmos de que a Amanda tem síndrome de Down, pois as adaptações oferecidas a colocam em igualdade de condições às crianças sem deficiência, assim como diz a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Mas minha filha não faz parte da média dos brasileiros com deficiência. Ao contrário dos mais de oitenta por cento que vivem abaixo da linha da pobreza, conforme estimativa do Banco Mundial para países em desenvolvimento. Ela nasceu em uma família de classe média alta e não depende da caridade de ninguém para comprar ingressos para um parque ou assistir a uma partida de futebol, ao contrário dos outros 44.975.000 torcedores com deficiência que não vão ganhar um ingresso gratuito.
É por isso que precisamos muito da ajuda de todos os parlamentares. Mas ela será muito mais bem-vinda se for para implementar a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência em sua totalidade, garantindo a todos os cidadãos com deficiência serviços de saúde, educação inclusiva de qualidade capacitação profissional e acesso ao mercado de trabalho, entre outros.
Assim, TODOS poderão adquirir ingressos, com dignidade e assistir os jogos em estádios acessíveis, torcendo pelo Brasil como qualquer brasileiro.
Fonte: Inclusive
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Uma vez, ao subir num ônibus, uma senhora me disse: “meu filho, passe pela porta da frente, assim você não paga passagem!”… respondi o mais educadamente possível: “minha senhora, minha dificuldade é subir no ônibus, não pagar a passagem”… é mais ou menos por aí.
Olá Marcos, muito boa sua história para ilustrar melhor a situação. Temos que pensar melhor a questão dos benefícios para a pessoa com deficiência. Devemos pensar em igualdade de condições, seja no direito de acesso a produtos e serviços, mas também nos deveres que temos à eles, como por exemplo seu pagamento. Ações de incentivo não podem ser confundidas com liberar condições por pena ou dó. Muitas pessoas com deficiência também se aproveitam dessas situações.
É também como eu disse uma vez ao pessoal do Banco Itaú, quando estava com sérios problemas de acesso a uma agência onde recebia minha pensão: “não quero tapete vermelho nem banda de música na porta da agência para me receber, quero apenas ter acesso ao banco!”… demorei uns 2 anos pra conseguir, e só consegui, claro, ameaçando processar o banco (sabendo que já existia um caso semelhante onde não só tiveram de fazer o acesso mas também pagaram a indenização).
Muito bem, a cobramça é parte importante no processo de evolução da acessibilidade em nossa sociedade. Uma pessoa com deficiência que utiliza um local e não manifesta nada, é de se entender que ficou satisfeito. Ao meu ver isso não é uma reclamação, e sim um ato educativo, pois a acessibilidade é um ítem obrigatório por lei, e que muitos locais já deveriam estar adequados. Eles são os fora da lei, e nós os justiceiros.