Como os cegos diferenciam as notas de dinheiro?
As cédulas de real apresentam diferenças perceptíveis no tato apenas quando estão novas. O Banco Central deve adotar modelo estrangeiro para que os cegos consigam identificar melhor os valores. O braile não é uma opção viável
Em qualquer lugar do mundo é possível reconhecer o valor das notas de dinheiro. Seja na Índia, na China ou nos Estados Unidos, e nem precisa saber a língua nativa, nem mesmo ser alfabetizado. Só há uma exceção para essa regra: os deficientes audiovisuais. Como eles contam dinheiro? Aqui no Brasil, as moedas da segunda família (a segunda geração de moedas de real) possuem tamanhos e espessuras diferentes, algumas são serrilhadas nas bordas, justamente para serem diferenciadas por meio do tato. Já as cédulas têm marcas de relevo que se perdem com o uso. “Essas marcas são pouco perceptíveis, principalmente para os mais idosos. E, com o tempo, as notas vão perdendo o relevo”, diz Regina Fátima Caldeira de Oliveira, deficiente visual e coordenadora da Revisão dos Livros Braille da Fundação Dorina Nowill, de São Paulo.
Real As notas apresentam apenas marcas de relevo. Euro Cada valor tem um tamanho diferente, obedecendo à regra de quanto maior o valor, maior o tamanho. A nota também apresenta marcas táteis em relevo
A primeira solução que vem à cabeça é a inserção de caracteres em braile nas notas. Essa, no entanto, é uma saída pouco útil: o braile sairia com o desgaste das cédulas, assim como acontece com as marcas de relevo atuais. “Além disso, o braile é lido por muitas pessoas cegas, mas não por todas. A gente não quer braile nas notas”, afirma Regina, que participou de reuniões com o Banco Central e a Casa da Moeda com entidades representativas dos deficientes visuais do país, para encontrar uma solução viável e prática para o problema. O BC comunga a opinião da Fundação Dorina. Segundo João Sidney, do chefe do departamento de Meio Circulante, “a tecnologia de impressão não tem sobrevida. Na terceira manipulação da nota, o braile já acaba”.
Apesar da concordância, pouca gente sabe que o braile não é o melhor caminho a seguir. No dia 27 de outubro, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) encaminhou um ofício à Casa da Moeda solicitando informações sobre a viabilidade técnica para implantação desse sistema de leitura nas cédulas e moedas do país. A proposta, feita pelo conselheiro do Amazonas Edson de Oliveira, tem a melhor das boas intenções, em defesa dos direitos dos cegos, já que os mesmos não têm acesso à leitura das notas. Mas não funciona. “Há quem faça isso para melhorar e ajudar, mas devia falar com pessoas que lidam com o problema diriamente e que podem ter a melhor proposta”, diz Regina.
Austrália As notas têm tamanhos diferentes e são reconhecidas por meio de um gabarito. Canadá Além das notas terem furinhos arranjados de formas diferentes para cada valor (à dir.), um aparelhinho lê a nota e emite um sinal diferente para cada valor, por meio de voz, som ou vibração
Entre as propostas sugeridas nas reuniões entre as entidades e o governo, a que mais agrada Regina é o modelo adotado na Austrália e nos países que fazem parte da União Europeia (e usam o euro). Lá, as notas possuem tamanhos diferentes, crescendo à medida que o valor aumenta. O portador de deficiência visual recebe uma espécie de gabarito que indica o valor da nota, em braile. Ao colocar a nota dentro desse gabarito, sua ponta vai cair sobre o valor correspondente a ela. Serve mais para quem ainda não decorou o tamanho das notas ou não está acostumado àquela moeda.
Na opinião do BC, no entanto, o modelo canadense é que deve vigorar no Brasil. Segundo o chefe do departamento de Meio Circulante do Banco Central, não é necessário mexer no design ou tamanho do dinheiro. “O Canadá insere nas notas uma tinta invisível diferente para cada valor e distribui um aparelhinho subsidado que reconhece o magnetismo da tinta e emite um sinal para cada valor”, afirma João Sidney. Trata-se de um aparelho pequeno, que pode ser levado no bolso e distribuído gratuitamente pelo Canadian National Institute for the Blind. Sobre o gabarito, adotado pelos australianos e europeus, Sidney diz que não é a melhor solução e, como o reconhecimento é feito pelo tato, pode levar a erros de interpretação. “Eu apostaria nessa tecnologia sonora”, diz. Só não se sabe quando ela entrará em vigor.
Veja abaixo um vídeo produzido pela Washington State School for the Blind (Escola Estadual para Cegos de Washington) sobre técnicas de identificação de cédulas através de dobraduras.
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Essa técnina de identificação das cédulas é destruidora de cédulas. Melhor agirem rápido em outro sistema identificador, rs.
Já foram aprovadas as cédulas do Real com tamanhos diferentes para ajudar a identificação, porém até todas serem substituidas, não irá ajudar muito. Uma vez, Ray Charles brincou com uma pessoa que tinha que pagá-lo 50 mil dólares, e disse: “Como você não é de confiança, vai me pagar toda essa quantia em notas de 1 dólar. Assim terei certeza que não estará me enganando!”
O texto diz que a melhor opção seria a diferenciação por tamanhos das notas.
Ricardo, qual o órgão competente no momento de realmente estipular o formato acessível aos deficientes visuais que será inserido na sociedade?
Grato ;D
A CORDE (Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência) é o órgão maior relacionado à pessoa com deficiência no Brasil. Mas dependendo do que se trata, outros ógãos devem estar envolvidos. Na questão das notas, por exemplo, o Banco Central também deve participar desse processo.