Cegos e amblíopes transformaram-se em agricultores por um dia, numa quinta do Douro, onde pegaram nas varas e nos baldes, varejaram as oliveiras e apanharam a azeitona dos ramos ou das lonas, numa experiência nova para muitos

Uns trocaram as bengalas pelas varas, mais pequenas ou maiores, e bateram na oliveira para deitar a azeitona para a lona estendida no chão. Outros optaram por tirar o fruto diretamente dos ramos e ainda houve quem se tenha ajoelhado para apanhar a azeitona da lona, separando-a das folhas, para meter dentro dos baldes.

“É uma experiência espetacular, nova. Nunca tinha vindo à apanha da azeitona, nem sabia como era feita. Mesmo não vendo está a ser excelente”, afirmou à agência Lusa Jaime Oliveira, que foi de Vila Nova de Gaia para o planalto de Favaios, no concelho de Alijó, distrito de Vila Real.

A Quinta da Avessada abriu as portas no sábado para um grupo de meia centena de cegos e amblíopes para a apanha da azeitona, mas já em setembro alguns deles aqui tinham estado para vindimar.

“Já fizemos cá a apanha da uva e era muito mais simples porque nós, com o tato, conseguimos sentir onde estavam as uvas e os cachos. Aqui é um pouco mais difícil. Com a vara não conseguimos saber onde estamos a bater, a perceção é um pouco diferente. Conseguimos saber que estamos a bater na árvore, mas especificamente na azeitona não sabemos”, explicou Jaime Oliveira, que há sete anos perdeu grande parte da sua visão.

Mais fácil foi, continuou, “ripar a azeitona porque se sente a diferença entre a folha e a azeitona”: “Mesmo sendo ela pequenina, nós temos a sensibilidade na mão, onde está a azeitona”.

Este foi também um presente de aniversário para este “novo agricultor do Douro”, que fez 55 anos durante a atividade promovida pela delegação do Porto da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO).

O ambiente foi de festa no olival, com música de acordeão e de bombo à mistura e, entre gargalhadas, alguns gritavam “cuidado com as cabeças”.

“Estive a varejar com o pau. Estive a apanhar a azeitona, a ripar, tenho as mãos cheias da gordura do azeite, mas estou muito contente”, salientou Maria do Céu Francisco, 57 anos e residente em Santo Tirso.

E à pergunta sobre o que sentiu, esta “trabalhadora” respondeu: “liberdade”.

“Liberdade porque quando a gente pega em qualquer coisa está sempre com medo de dar em alguém e aqui a gente dava, dava e sentimo-nos à vontade. Só tinha de ter cuidado para não acertar na cabeça de ninguém, mas não acertei, por acaso, muitas vezes o pau dos outros é que dava no meu”, contou.

Para Maria do Céu, este é um “trabalho muito duro” e, por isso, “realmente o azeite merece o valor que tem”.

Os namorados José Rodrigues, 41 anos, e Carla Vieira, 29, lideraram o grupo no caminho para o olival, com a vara às costas e sempre a dançar. Trabalharam com entusiasmo e José fez questão de ensinar a Carla o que fazer, já que esta não foi a primeira vez que apanhou azeitona.

“Foi rever uma experiência. Estive a varejar, a escolher a azeitona porque não pode ir com folhas, tem que ir tudo separado, e a pôr dentro do cesto”, referiu.

Paula Costa, 49 anos e presidente da delegação do Porto da ACAPO, salientou que o grupo gostou da experiência e explicou que “muitos nem sequer tinham a noção da oliveira, da rama, da azeitona na oliveira, do varejar a azeitona”.

Estas pessoas, frisou, recusam-se a ficar em casa. “Nós somos cegos, amblíopes, mas podemos fazer tudo ou quase tudo que o normal visual faz. Mas em casa, fechados, nunca”, frisou a responsável, que perdeu 95% da visão há 10 anos.

Também Jaime Oliveira fez questão de deixar a mensagem: “Só não vemos, o resto funciona tudo e com os outros sentidos conseguimos superar a incapacidade da visão”.

Depois da vindima e da azeitona, o grupo vai regressar à Avessada em março para a matança do porco. Esta quinta recebe milhares de turistas durante todo o ano.

Fonte: País ao Minuto

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