A Constituição Federal assegura que todos os brasileiros são iguais perante a lei. Mas, quando o assunto é acessibilidade, é fácil perceber que nosso cotidiano está bem distante de fazer valer os direitos previstos.

Em uma iniciativa ainda isolada, o Centro Cultural São Paulo (CCSP), em parceria com a Cisne Negro, apresentou uma sessão com audiodescrição, encerrando a temporada comemorativa dos 38 anos de atividade da companhia de dança paulistana.

O público com deficiência visual pôde acompanhar as coreografias “Sra. Margareth – Excertos de ‘Monger’” e “Trama”, que foram narradas. Ao todo, estavam disponíveis trinta fones de ouvido, em uma sala com capacidade para 321 pessoas.

“Sra. Margareth – Excertos de ‘Monger’” (2013) é uma coreografia de Barak Marshall que conta a história de um grupo de funcionários que fica preso no porão da casa de uma patroa abusiva. Em “Trama” (2001), do brasileiro Rui Moreira, elementos da cultura popular são a inspiração para um olhar artístico sobre o povo brasileiro.

Para Andrea Thomioka, curadora do CCSP, este foi o primeiro passo de uma longa jornada. “Precisamos pensar em todos os âmbitos de acessibilidade”, reconhece a gestora da programação de dança, para quem a audiodescrição se soma aos recursos já oferecidos pelo prédio, como piso tátil e biblioteca Braille.

“Queremos que os cegos sejam um público cotidiano nas atividades de dança”, diz ela, informando que as pessoas com deficiência são numerosas no CCSP. “É a vocação do nosso espaço, que é público”, conclui.

Dany Bittencourt, que compartilha com sua mãe Hulda Bittencourt a direção artística da Cisne Negro, diz que é um prazer colaborar com a oferta de espetáculos narrados. “Já fizemos com a peça ‘O Quebra-Nozes’. É fundamental promover o acesso à dança a todos”, diz ela.

Direito de todos
A jornalista Claudia Werneck enfatiza que o acesso à cultura é um direito de todos. E que promover a acessibilidade exige uma visão sistêmica, em que artistas, gestores e público pensam juntos nas soluções. “Em um teatro, o acesso tem que ser total: ao palco, à plateia, aos banheiros, camarins”, enumera a fundadora da Escola de Gente, do Rio de Janeiro.

Autora de diversos livros sobre o tema, ela alerta para a necessidade de expansão do termo e do conceito. “A discussão sobre acessibilidade física é antiga. É um assunto que sempre aparece”, pontua. “Precisamos ter foco em acessibilidade na comunicação”, afirma.

Claudia, que conduz uma iniciativa chamada “teatro acessível”, defende ainda que é necessário redobrar a atenção para que todas as pessoas possam participar e usufruir as atividades culturais.

Andrea confessa que esta temporada será um aprendizado. As apresentações de sexta e sábado vão preparar a equipe para a sessão única com audiodescrição no domingo. “Não deixa de ser uma tradução”, diz ela. Dany, da Cisne Negro, não acha trabalhosa a preparação da versão narrada. Porém, considera que o custo não pode ser arcado pela companhia.

“Nada é caro quando não discrimina”, destaca a jornalista Claudia, dizendo que deixar de oferecer atividades acessíveis afasta as pessoas do acesso a um direito fundamental. É o que Fernanda Bianchinni, do Ballet de Cegos, confirma. “Quando não há audiodescrição os cegos não vão”, revela, contando que suas alunas voltam “maravilhadas” de um espetáculo que conseguiram participar.

A escrevente e bailarina Marina Guimarães, cega desde o nascimento, classifica a audiodescrição como um recurso eficiente, mas no caso da dança, ainda é preciso encontrar um “meio termo” para a descrição, para que sejam contemplados o público leigo e o técnico. “Quem entende de dança, precisa ouvir nomes de passos de balé”, exemplifica.

Desde 1º de julho de 2011, é obrigatória no Brasil a existência de pelo menos duas horas semanais de conteúdo com audiodescrição para as emissoras com sinal aberto e transmissão digital, na condição de faixa de áudio adicional. Porém, não há nenhuma legislação específica para os teatros.

Fernanda aposta que no futuro todos os realizadores de espetáculos estarão atentos à oferta de sessões acessíveis. Andrea sabe que a prática requer um novo aprendizado.  “Vamos amadurecer. A ideia é que vire rotina”, afirma a curadora do CCSP.

Fonte: Terra

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