Cego brasileiro destrói limites, surfa em Pipeline e ganha telas de cinema

por | 4 nov, 2012 | Turismo Adaptado | 4 Comentários

Bruno Lemos viu aquele menino com deficiência visual entrar em uma igreja no Havaí e lamentou. “Eu pensei: ‘Que pena um rapaz cego aqui, não vai conseguir ver e curtir a beleza local’”, relembra. Mas não demorou para que o garoto provasse que sabia aproveitar aquele pedaço de paraíso como ninguém. Apresentado ao capixaba Derek Rabelo por amigos em comum, o fotógrafo se impressionou com a história daquele jovem de 17 anos que lutou contra o preconceito para aprender a surfar. Anos mais tarde, depois de ter dividido ondas com gente como Kelly Slater, Gabriel Medina e Mick Fanning, o rapaz é o protagonista do documentário “Além da Visão”, que está sendo filmado por Bruno e por Luiz Werneck, ainda sem data para estrear.

A história de Derek conquistou o mundo do surfe rapidamente. O menino, hoje com 20 anos, nasceu cego em Guarapari, filho de um casal apaixonado pelo esporte. Tanto que recebeu seu nome em homenagem ao havaiano Derek Ho, campeão mundial em 1993. E, com o tempo, foi perdendo o medo do preconceito para que pudesse realizar o sonho de aprender a surfar.

– Eu sempre morei perto da praia, minha família toda surfava. Chegou um momento da minha vida que eu quis surfar, quando tinha 17 anos. Eu sabia que a galera estava indo surfar e ficava na vontade. No início, foi meio complicado, estressante. Eu tentava surfar todo dia, o treinador ficava sempre à disposição. A galera me dava muita força, incentivava. E eu consegui – disse o surfista, em entrevista por telefone.

Foi quando começou a nutrir sonhos maiores. Incentivado pelo amigo Magno Oliveira, um dos principais nomes do bodyboard nacional, Derek quis conhecer o Havaí. Melhor: queria surfar a Pipeline, conhecida por ser uma das maiores e mais perigosas ondas do mundo. Tirou o visto americano e embarcou. E, mesmo em um lugar por vezes avesso a surfistas estrangeiros, conquistou a confiança e a simpatia local para atingir um feito até então impensável.

– Pipeline foi a bênção de Deus na minha vida, fiquei “amarradão” em fazer isso. Foi uma situação muito diferente, água quentinha, altas manobras. O pessoal do Havaí me deu muita força, gostaram da minha história e deram paz para que eu pudesse surfar a Pipeline. Foi um momento muito maneiro também – explica Derek, que precisa da ajuda de outro surfista para orientá-lo, gritar e empurrá-lo na hora exata de entrar na onda.

Derek ganhou as páginas dos jornais e foi protagonistas de matérias na televisão havaiana. Sua história circulou o mundo e ganhou fãs de peso, como Slater e Fanning, que logo quiseram conhecer o “brasileiro cego que havia surfado a Pipeline”.

Foi nessa época que Derek se encontrou com Bruno. O fotógrafo, que se mudou para o Havaí em 1991, aos 21 anos, se impressionou com a força do menino. E, já com a ideia de se arriscar pelo cinema, pensou em “adotar” o capixaba como protagonista de seu documentário. Chamou o amigo Luiz Werneck, já com experiência cinematográfica e na televisão, e começou a gravar em locações como Rio de Janeiro, Espírito Santo e, claro, Havaí, mesmo sem garantias de lançamento. Lançou um vídeo de pouco mais de três minutos no “You Tube”, que, em poucas semanas, teve quase 500 mil visualizações. O que o motivou a dar sequência ao projeto, que já tem um trailer, com depoimentos de gente como Carlos Burle, Evandro Mesquita e Gabriel, o Pensador.

– Quando nós colocamos o Derek na frente da câmera e começamos a entrevistá-lo, vimos que a sua história era realmente incrível e achamos que tínhamos em mãos um grande potencial para fazer um bom documentário. Mas o filme não poderia ser somente sobre ele. Resolvemos, então, tentar mostrar um pouco de como os deficientes visuais “enxergam” o mundo e como eles vivem. Mas, ao mesmo tempo, não queríamos fazer nada muito “profundo” ou “melancólico”. Queríamos fazer algo alegre e que pudesse vir a motivar e servir de exemplo para todos – disse o diretor.

Nos últimos dias, a equipe aproveita a etapa de Trestles do Mundial para gravar mais algumas cenas. Derek, inclusive, participou da transmissão via internet do campeonato. Conversou com o ídolo Taj Burrow e ouviu uma série de elogios do australiano.

– Ele é muito mais talentoso que eu. Está conseguindo coisas sensacionais, merece muito estar onde está e ainda mais – disse o surfista.

Derek, então, fez o pedido:

– Quero dividir uma onda com você – falou o garoto.

Bruno espera que a história de Derek possa incentivar outros meninos, com ou sem problemas a praticar esportes.

– Na verdade, no início, nós imaginamos que isso seria uma das coisas principais que iriam acontecer. Mas com o passar do tempo, percebemos que o “ efeito Derek” estava atingindo todos os tipos de pessoas, independentemente da idade, da classe social. O que mais vimos até agora foram pessoas “normais”, atletas, pessoas famosas, virem até nós para dizer que ficaram extremamente tocados e motivados a realmente tentar mudar de atitude em relação à maneira que eles vivem e da maneira que enxergam a vida.

Os diretores, no entanto, ainda esperam apoio para finalizar o projeto. Bruno tem, inclusive, a cena perfeita para encerrar o documentário.

– É o meu primeiro filme como diretor. E eu quero um final bem emocionante. Estamos tentando fazer sem orçamento até agora, só nos preocupamos em contar a história. Mas estou tentando trazer os pais dele para Pipeline. Queria que eles o vissem entrando em Pipeline. Sempre sofreram muito com discriminação. Tiveram problemas para colocá-lo na escola, em campeonatos de surfe. Foi uma vida sofrida. E os dois gostam muito de surfe. Tanto que deram o nome dele em homenagem ao Derek Ho, que participa do filme. Queria colocá-los na mesma onda em Pipeline, com os pais vendo. Seria um final legal – afirmou o diretor.

Fonte: Globo Esporte 

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4 Comentários

  1. Paulinha Marchesan

    Adorei essa matéria! Esse blog é ótimo, porque incentiva as pessoas a darem cada vez menos importância ao preconceito, sentimento sujo que só prejudica quem o sente e quem sofre com ele.

    • Ricardo Shimosakai

      Não devemos dar atenção a barreiras intocáveis, como o preconceito. É claro que elas incomodam, mas ela nos impedem de fazer algo, comente quando a própria pessoa com deficiência dá valor a ela. Todos podem ter opiniões, mas ninguém pode me impedir de buscar minhas conquistas apenas pelas palavras.

      • Paulinha Marchesan

        Adoro teu blog, Ricardo! Tá de parabéns! Eu ja lia antes, mas agora como blogueira vai ficar mais fácil acessar sempre!

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