Cadeirante conta suas impressões sobre a acessibilidade na cidade de Salvador
Adriana Lage, uma turista cadeirante com tetraplegia, visitou a capital baiana, e fez diversas críticas e elogios em relação à acessibilidade deste destino tão conhecido. Confira no texto abaixo:
Como andava bem estressada com a reestruturação em meu trabalho, resolvi tirar uma semana de férias para relaxar. No check-in, o funcionário me perguntou se eu precisaria de ajuda para me locomover até o local de embarque. Falei que não, já que estava com minha irmã e mãe e já conhecia o caminho. Só que, com isso, não recebi assistência para entrar na aeronave e na transferência para a poltrona da aeronave. Deixei de ser considerada prioridade.
Assim que desembarquei em Salvador, havia um doblô me esperando para levar até o resort. Uma tranquilidade! Normalmente, o receptivo, mesmo sendo avisado pela minha agente de viagens, envia um ônibus para fazer o traslado, dificultando, e muito, a vida de pessoas com dificuldade de locomoção.
Acho bem bacana o aeroporto de Salvador. Ele é muito acessível: elevadores, sinalização, banheiros adaptados, etc. Utilizei um dos banheiros adaptados e achei engraçado o fato do vaso sanitário ter altura padrão e barras de apoio, mas a pia e espelho terem a altura muito baixa, compatíveis com anões. Tive que me curvar para poder lavar as mãos. Na volta para casa, ao embarcar em Salvador, fui revistada manualmente, já que estavam sem aquele detector de metais que usam para revistar cadeirantes.
Resort em Guarajuba
O resort possui apartamentos e chalés. A acessibilidade é boa para cadeirantes. Por todo o hotel, encontramos rampas. Em algumas pontes de madeira, existe um degrau para subir nelas, sobretudo as que cortam as piscinas. Como o lugar é enorme, hóspedes com dificuldade de locomoção podem solicitar um carrinho na recepção para os deslocamentos. Senti falta de uma cadeira de rodas motorizada! Pesquisei várias lojas em Salvador, o pessoal do Hotel também, mas não conseguimos localizar nenhuma loja que alugasse cadeiras de rodas motorizadas.
Fiquei hospedada em um apartamento adaptado. Adorei! O quarto é bem espaçoso e o banheiro maravilhoso. Barras de apoio e móveis rebaixados dividem espaço com um chuveiro e também uma cadeira de banho fixa que fica junto à duchinha de água quente/fria. O secador de cabelos, telefone, espelho, interruptores de luz, descarga, torneiras, tudo fica ao alcance do cadeirante.
No restaurante próximo às piscinas, não encontrei mesa compatível com a cadeira de rodas. Ou ficava muito longe ou tinha que estacionar minha cadeira de rodas ao lado da mesa. Mas a comida é uma delícia e o atendimento ótimo. O acesso ao mar é feito através de uma rampa de madeira e de pequenos degraus. Só que existe uma espécie de barranco para se chegar ao mar.
Dentro do hotel, existem empresas que vendem passeios para Salvador, Praia do Forte, Mangue Seco, etc. Conversei com representantes das 3 empresas e fiquei frustrada ao descobrir que, para cadeirante, só indicavam o passeio à Salvador e à Praia do Forte. Infelizmente, tive a impressão que a Bahia ainda está bem atrasada em relação à acessibilidade. Tentei, por exemplo, passear na mata atlântica, de buggy ou triciclo, para conhecer o famoso Castelo de Garcia D’Ávila e andar de escuna para a observação das baleias Jubarte. Em nenhum dos casos, as empresas estavam aptas a atender uma cadeirante tetraplégica com segurança. A funcionária de uma das empresas pesquisou bastante, mas não conseguiu encontrar um buggy que tivesse cinto de segurança e encosto para a cabeça.
City Tour Histórico à Salvador
Sempre fui doida para conhecer Salvador e passear pelo Pelourinho. Infelizmente, em todos os lugares que pesquisei, inclusive um guia de acessibilidade das principais capitais brasileiras, falavam que a acessibilidade por aqueles cantos ainda deixa muito a desejar. Realmente, já passeei por Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Sergipe e Rio Grande do Norte e sempre recebi ajuda em relação à falta de acessibilidade. Os guias turísticos e moradores sempre se esforçaram para me ajudar. Na Bahia, fiquei decepcionada com a falta de consideração e pouco caso. Exceto na Igreja do Bonfim, nos demais locais não recebi nenhuma ajuda.
Uma das coisas que mais ouvi na minha semana de férias, é que Salvador disputa com o Rio de Janeiro quem recebe o maior número de turistas. Se for assim, mais do que esperado imaginar que teria o mesmo tratamento recebido nos outros Estados do Nordeste. Doce ilusão! Quando fechei meu passeio à Salvador, solicitei ao funcionário que o guia e/ou motorista me ajudassem, preferencialmente, a entrar/sair da van. Só que, em momento algum, os dois me ofereceram ajuda.
O passeio começou com um tour, de van, pela orla de Salvador. Conhecemos as principais praias, centro comercial, centro administrativo, os circuitos do carnaval, o Dique do Tororó e algumas casas de artistas famosos.
Paramos para conhecer o Farol da Barra. Muito bonito o local. Acabei não descendo da van, pois o terreno é um pouco complicado para cadeirantes: logo no início, existem uns 3 degraus para se chegar ao gramado. O restante da caminhada é feita em um pequeno morro formado por pedras.
Em seguida, fomos conhecer a famosa Igreja do Bonfim. Para quem mora em Minas, é até engraçado ouvir dizer em uma escadaria que possui apenas 10 degraus! Logo que desci do carro, vendedores locais me carregaram escadaria acima; nem tive tempo de falar nada. Na verdade, existe uma rampa na lateral da igreja evitando que o cadeirante tenha que subir as escadas. A Igreja é muito bonita. Lembra bastante as existentes nas cidades históricas de Minas. É imperdoável sair de lá sem fazer seus 3 pedidos e amarrar a fitinha de Nosso Senhor do Bonfim no braço ou na porta da igreja. A visitação é gratuita.
Fiquei encantada com a diversidade da cidade. É uma mistura muito louca. Passando pela cidade baixa, vi muitos barracos, casinhas mais humildes, escadarias e mais escadarias penduradas nas ladeiras. Imagine só o perrengue que deficiente passa nessa cidade. Vê-se de tudo: mendigos, travestis, camelôs, etc. Pessoas de todos os estilos e raças.
Fomos almoçar no centro histórico, em um restaurante no Terreiro de Jesus. O restaurante fica próximo à Igreja de São Francisco e é delicioso, além de atender a todos os gostos. O salmão ao molho de maracujá é divino! Pena que o banheiro não seja adaptado e, ainda por cima, tenha uma porta tão estreita que não permite a passagem da cadeira de rodas. Tive que ser carregada para entrar nele. A gerente do restaurante ficou toda sem graça e me pediu desculpas. Disse ainda que iriam providenciar um banheiro mais largo. Pelo o que pesquisei junto aos guias turísticos e moradores, ainda são poucos os cadeirantes que passeiam por lá.
Outro local visitado foi a Igreja de São Francisco. É impressionante como todas as igrejas dessa ordem são semelhantes. Se paga R$ 3,00 para entrar. Na entrada da igreja existe um degrau. Lá dentro, existem rampas. O seu interior é lindo! Muito interessante brincar com as perspectivas do teto.
No centro histórico, todas as ruas são de calçamento. As pedras são irregulares e com vários desníveis. Fizemos uma caminhada, a pé, da Igreja de São Francisco até o Pelourinho. Passamos por algumas ruas estreitas e pegamos a van na Baixa do Sapateiro. O passeio foi bem legal, mas é muito incômodo para cadeirantes. Só é possível andar nas 2 rodas e a cadeira sacode muito. Os passeios são estreitos. Em muitos deles, não cabe a cadeira de rodas. Fora isso, muitas calçadas possuem obstáculos arquitetônicos (cestas de lixo, caixa de correio, sacos de lixo). Alguns pedestres também se recusaram a dar licença do passeio para passar com a cadeira de rodas.
No trajeto pelo centro histórico, tive que contar com a força da minha mãe e irmã para empurrarem a cadeira de rodas pelas pedras. Em momento algum, a guia turística, os companheiros de excursão e moradores da região me ofereceram ajuda. Para descer a ladeira até a Baixa do Sapateiro, fui rezando e torcendo para a cadeira de rodas não tombar. O terreno é extremamente irregular. Minha mãe e irmã ficaram quebradas. Por sorte, quando chegamos à van, o motorista havia mudado. Esse passou a me oferecer ajuda e me colocou dentro do carro nas vezes que precisei.
Passeei também pelo Mercado Modelo. Nele, existem rampas e banheiros adaptados. Mas o cadeirante não tem acesso ao segundo andar. O acesso somente é feito através de escadas. O Mercado é bem amplo. Não resisti e comprei vários doces, bonecas, chaveiros e imãs artesanais. Do lado de fora, existe uma feirinha. Só que, sinceramente, não gostei do ambiente. Os vendedores também são insistentes, sem falar nos pedintes solicitando dinheiro. Uma das vistas mais lindas é a da Bahia de Todos os Santos, composta por várias ilhas. Do Elevador Lacerda, é possível admirar essa bela paisagem. Se paga R$ 0,15 para utilizar o elevador, que, por sua vez, não é panorâmico.
Enfim, em relação à Salvador, tenho que reconhecer que matei minha curiosidade, mas fiquei frustrada com o tratamento recebido. Acredito que isso seja decorrente muito mais da falta de costume do que de um pouco caso ou falta de solidariedade. Em um dia de passeio, tive a certeza que a acessibilidade ainda está muito atrasada na cidade e que cadeirante passa muito aperto por lá. Embora seja linda, sinceramente, não é uma cidade que eu recomendaria para pessoas com dificuldade de locomoção. Quando se tem ajuda, fica mais fácil superar as barreiras arquitetônicas, mas, sem ela. É o caos!
Praia do Forte
A Praia do Forte é considerada a Búzios da Bahia. É uma charmosa vila de pescadores, cheia de lojinhas e bares. À noite, a vila fica cheia e agitada. É um local muito bonito e atraente. Em alguns pedaços, o calçamento é de pedra, bem incômodo para cadeirante. Na ‘passarela’ das lojinhas, as pedrinhas são regulares e permitem andar normalmente com a cadeira de rodas. Algumas lojas possuem degraus/escadas, mas, geralmente, existem rampas alternativas.
Um dos principais atrativos é o Projeto Tamar, o pioneiro no país. Para visitar o projeto, é cobrado um ingresso no valor de R$ 12,00. Lá dentro, a acessibilidade existe. Próximo ao Projeto Tamar, temos a Igreja de São Francisco e uma pracinha. Na beira da praia, existe uma pequena esteira de madeira. Mas, para se chegar ao mar, é preciso pisar na areia.
Enfim, foi uma semana maravilhosa! Descansei bastante e aproveitei para matar minha curiosidade conhecendo Salvador. Guarajuba é linda e merece ser visitada. O resort é uma delícia. Salvador é uma cidade fantástica, porém pouco acessível para cadeirantes. Para visitá-la, é preciso incluir na mala alguns itens adicionais: muita disposição para sacudir pelas ladeiras, relaxante muscular e amigos fortes e dispostos a empurrar a cadeira de rodas em ruas de pedra. Senti falta de uma maior conscientização do povo baiano em relação às pessoas com deficiência. Espero que essa situação se modifique rapidamente.
Fonte: BH Legal
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Ainda bem que voce não veio a Vitória-ES, aqui o aeroporto (!!!) não tem “finger” e o “ambulift” é usado somente para certo deputado cadeirante !!!
As ruas não têm rampas na grande maioria, em suma , a cidade para cadeirantes é o caos!!!
Visitei Vitória quando fui palestrar para a Expotur. Há coisas para se fazer na cidade, como por exemplo o Convento da Penha, mas também há coisas para se elogiar, como o taxi acessível. Veja a matéria em https://ricardoshimosakai.com.br/2011/10/07/turista-deficiente-fisico-aponta-falhas-de-acessibilidade-no-es/
Fiquei encantada mas, não foi descrito o nome do resort. Que pena! Quanto interesse.
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