Cientistas japoneses criaram um tipo de neuroprótese que pode transformar o cérebro de animais em uma espécie de GPS. O equipamento foi implantado em ratos cegos que, mesmo sem a visão, aprenderam a usar o dispositivo para se orientar em um ambiente tão bem quanto animais que podiam ver. O estudo, publicado na revista Current Biology, mostra como o cérebro de mamíferos tem capacidade de adaptação para aprender novas habilidades. Se funcionar em humanos da mesma forma, o equipamento usado no experimento pode ser uma nova ferramenta para ajudar pessoas cegas a ganharem mais autonomia, mesmo que elas não tenham a visão restaurada.

O implante foi construído a partir de um sensor geomagnético, do mesmo tipo usado nas bússolas digitais de smartphones. A peça contém ainda dois microeletrodos, que foram conectados diretamente ao córtex visual do cérebro dos ratos. Esse conjunto foi implantado na cabeça de cobaias adultas que nunca tinham enxergado e, portanto, dependiam dos seus outros sentidos para se movimentar. O aparelho de bateria recarregável podia ser ligado e desligado quando necessário, permitindo que os pesquisadores comparassem o comportamento dos bichos com e sem o efeito da peça.

Os animais foram, então, colocados em um labirinto que se dividia em duas direções: uma que escondia um alimento e outra que não levava a nada. O percurso serviu de pista de treino para os bichos por três dias, que cada vez mais pareciam dominar o caminho correto para chegar ao prêmio. A única informação que eles tinham como referência era o sinal enviado pela neuroprótese, que os informava sobre para que direção suas cabeças apontavam.

Depois de algumas visitas ao labirinto, os ratos cegos aprenderam a usar as direções geomagnéticas para descobrir o caminho que levava à comida. Em apenas dois dias, as cobaias atingiram uma taxa de sucesso de oito a nove acertos a cada 10 tentativas. Esse índice só foi alcançado pelos animais que podiam enxergar depois de cinco dias de treinamento. Mesmo quando a posição do labirinto era modificada em relação ao laboratório, os roedores permaneciam capazes de usar os pontos cardeais detectados pela bússola para se orientar. Quando o aparelho foi desligado, no entanto, os bichos voltaram a andar sem direção pelo circuito, encontrando o petisco em menos da metade das vezes.

Cientistas japoneses compensaram a falta de visão de ratos cegos com um senso artificial de orientaçãoCientistas japoneses compensaram a falta de visão de ratos cegos com um senso artificial de orientação

O experimento mostrou que o aparelho não restaurou a visão dos ratos, mas deu a eles uma boa noção do espaço que ocupam. Os animais geralmente dependem de referências visuais para saber aonde estão indo, mas os roedores cegos conseguiam se mover com precisão graças a sinais geomagnéticos. “Nós nos surpreendemos com o fato de os ratos terem compreendido um novo sentido que nunca haviam experimentado nem tinha sido ‘explicado’ por ninguém e aprendido a usar isso em tarefas comportamentais em apenas dois ou três dias”, disse, em um comunicado, Yuji Ikegaya, pesquisador da Universidade de Tóquio e um dos autores do trabalho.

Flexibilidade O ponto mais marcante desse estudo, na opinião dos autores, é como ele revela o potencial latente do cérebro. “Nós demonstramos que o cérebro do mamífero é, mesmo na idade adulta, flexível o suficiente para se adaptar e incorporar uma habilidade nova, nunca experimentada, não inerente às suas fontes de informação pré-existentes”, completou o pesquisador japonês. Outros estudos já haviam demonstrado que o córtex auditivo de furões poderia responder a estímulos visuais quando as projeções da retina eram cirurgicamente redirecionadas a essa outra região cerebral.

Os pesquisadores acreditam que o mesmo princípio aplicado nesse novo experimento possa ser adaptado na criação de uma ferramenta para auxiliar pessoas que sofrem com perda de visão grave. Eles sugerem que os sensores geomagnéticos possam ser instalados em bengalas usadas por cegos ou até mesmo na forma de neuroimplantes, como os usados pelos animais.

Outros tipos de próteses poderiam, inclusive, dar aos humanos “superpoderes”. Se o princípio de neuroplasticidade funcionar para outros tipos de estímulo, bastaria adaptar o dispositivo com outros tipos de sensor para “ensinar” o cérebro a detectar radiação ultravioleta e ondas ultrassônicas, por exemplo. Experimentos anteriores já comprovaram que ratos podem perceber sinais infravermelhos quando estimulados por um sensor eletrônico.

“Talvez nós ainda não usemos o cérebro de forma plena. A limitação não vem da falta de esforço, mas sim dos simples órgãos sensoriais do seu corpo. O verdadeiro mundo sensorial deve ser muito mais colorido do que aquele que você está vivenciando atualmente”, acredita Ikegawa.

Fonte: em.com.br

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