Boto da Amazônia auxilia no tratamento de crianças com deficiência
Delicadeza das crianças ao entrar na água é logo quebrada pela algazarra dos brincalhões botos cor-de-rosa ou vermelho (Inia geoffrensis). O primeiro contato é de espanto, algumas crianças choram e riem ao mesmo tempo, uma gargalha e outra até canta: “A semana inteira fiquei esperando pra te ver botinho, pra te ver brincando.”
O relaxamento vem depois, como se aquele roçar dos corpos lisos dos botos oferecesse um toque de magia nos meninos e meninas portadores de necessidades especiais ou de doenças, como câncer. É a bototerapia, uma iniciativa inédita feita em Manaus há três anos por um fisioterapeuta que tem uma certeza: quem participa a primeira vez não quer parar mais.
A terapia com o golfinho de rio em seu hábitat natural tem o aval de um veterinário especialista em animais amazônicos, Anselmo Da Fonseca, de uma bióloga especialista em botos, Vera da Silva, ambos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Participa também uma médica hematologista do Instituto de Hematoterapia do Amazonas (Hemoan), Socorro Sampaio, que acompanha mensalmente à bototerapia pelo menos dez crianças em tratamento de graves problemas, como leucemia.
No atendimento gratuito, também há crianças especiais, com síndrome de Down, hidrocefalia ou má formação genética, encaminhadas por instituições de Manaus.
A iniciativa foi apresentada há três anos para esses profissionais pelo fisioterapeuta Igor Simões, que passou seis meses nadando todos os fins de semana com os botos para estimular a interação deles com humanos. Conseguiu a parceria do hotel de selva Ariaú, que uma vez por mês banca a viagem de mais de uma hora até o local onde vivem os botos, além das refeições do grupo. “O problema é que não temos como trazer mais do que dez crianças e só uma vez por mês”, diz Simões.
Em busca de uma licença para uso terapêutico dos botos, que está em avaliação pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Simões conseguiu documento com as assinaturas da médica que trata das crianças, do veterinário e da bióloga.
“O documento comprova que o projeto não faz mal nenhum aos animais e muito menos às crianças, tanto que o Ibama já nos deixa atuar mesmo antes da licença”, afirma.
AUTOESTIMA
“Depois que começam a participar do projeto, as crianças passam a se alimentar melhor, ficam mais alegres, confiantes e com mais autoestima. Isso tudo ativa seu sistema imunológico”, afirma Socorro. “Gostaria de poder levar todos que se tratam no Hemoan, sair do ambiente do hospital e entrar naquela água com aqueles bichos tão grandes e dóceis.”
João Victor dos Santos, de 8 anos, que tem microcefalia, é “outro garoto” depois da bototerapia, conta sua mãe, Elizandra dos Santos. “Ele se desenvolveu demais, ficou falante, não é mais uma criança retraída.”
Leonardo de Souza Cavalcante, de 11 anos, não tem os dois braços por conta de uma malformação congênita. Mas a falta dos membros não faz diferença dentro da água, de colete, na algazarra com os botos. “Ele simplesmente não dorme nas vésperas de vir”, conta a tia Cleide Duarte. “Leo, neste um ano e meio de bototerapia, só vem melhorando e se mostrando mais corajoso em tudo, mais confiante, alegre e comunicativo.”
Darliane da Silva Guimarães, de 32 anos, tem dois filhos hemofílicos, Marcos Vinícius, de 10 anos, e Gabriel, de 7. “Gabriel não queria entrar na água no começo, hoje tem de segurar para ele não cair na água, já que é uma criança por vez”, conta, afirmando que também notou mudanças positivas no comportamento dos filhos, principalmente em relação à autoestima. “Eles se sentem meio super-heróis nadando com os botos”.
Hérica da Mota Melo, de 12 anos, que tem talassemia, e Rayane Costa Uchoa, de 9, que tem anemia falciforme, são as mais sorridentes do grupo, do qual participam há quase dois anos. A mãe de Hérica, Rosângela da Mota Melo, diz que a filha era muito deprimida e fechada. “A bototerapia é seu assunto preferido quando vai ao Hemoan semanalmente: pelo papo dela, quem não faz fica com vontade”, destaca.
Fonte: Deficiente Online
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