A Casa Batlló, construída entre 1904 e 1906, é a obra mais emblemática do famoso arquiteto catalão Antoni Gaudi. A fachada é fantástica e cheia de imaginação. Ele substituiu a antiga fachada por um novo conjunto de pedra e vidro, mandando moldar as paredes exteriores para dar sua forma ondulada. Seu interior é uma obra-prima de forma, cor e luz.
Barcelona e os turistas que vão à cidade tem uma relação afetiva com o local. Esse é um dos pontos turísticos mais conhecidos da capital catalã, o que a faz estar repleta de gente durante todos os horários do dia. Chegar até a Batló é um tanto fácil, pois existe uma grande malha de linhas de metrô e ônibus que tem estações no entorno do local. As estações de metrô contam com piso podotátil, com mapas em alto relevo e com mapas em tamanho ampliado.
Para aqueles que vão de ônibus, os veículos que fazem as linhas que chegam a Batló estão dotados de avisos sonoros sobre as paradas e com letreiros em fontes grandes e com bom contraste, ajudando no momento de tomar o coletivo certo e de descer no ponto indicado sem maiores problemas.
Ao descer de algum dos meios de transporte coletivo escolhido, há um pequeno trajeto a ser feito a pé, sem pisos táteis ou sinalizações sobre as ruas ou como acessar a entrada da referida casa. Outra questão que dificulta um pouco é o fato de estar sempre repleto de pessoas em volta das entradas, pois o contingente de turistas é sempre grande, podendo atrapalhar uma circulação adequada, ainda que haja segurança para tal. Também será preciso pedir ajuda para encontrar a bilheteria caso a pessoa cega ou com baixa visão decida ir sozinha até lá, pois é um tanto escondida.
Antes de ir até a Casa Batló, colhi algumas informações básicas para me situar sobre a visita que faria. Dentre tantas coisas que pude conhecer em sua página na internet, é que a administração do local desenvolve um projeto com o objetivo de tornar-se cada vez mais acessível às pessoas com deficiência. Para tanto, contrataram a consultoria da ONCE (Organização Nacional dos Cegos da Espanha) para prestar consultoria sobre as melhores formas de como fazer para conseguir o objetivo de facilitar o conhecimento da casa por pessoas cegas e com baixa visão.
Isso demonstra algo muito importante que temos a aprender, e que algumas empresas e instituições brasileiras já procuram seguir, ainda que em minoria, que é promover a acessibilidade dando o protagonismo de tais ações para as próprias pessoas com deficiência que tenham conhecimentos para realizar esse tipo de trabalho.
Ou seja, não desejam apenas assistir as necessidades das pessoas com deficiência, mas tê-las como parceiras nas iniciativas de tornar suas instalações mais acessíveis e sensíveis a todos os públicos, principalmente aqueles com deficiência visual. Ainda mais que, o mais importante da casa são as obras de Gaudi cuja predominância visual é evidente, onde a sensação e fruição está na parte da visualidade, tornando premente a necessidade de ações que provenham acessibilidade ao público cego e com baixa visão.
Sei que existem iniciativas para prestar acessibilidade a outros públicos, como é o caso dos surdos que recebem materiais em vídeo e há sempre profissionais conhecedores de língua de sinais por lá disponíveis para atendê-los. Sobre as pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida, sei que há algumas medidas, mas elas não são tantas, apenas elevadores e nem tão adaptados assim.
Quando cheguei na bilheteria, soube que pessoas com deficiência pagavam uma entrada completa, sem direito a desconto ou isenção, mas, tinham direito a um acompanhante que não pagava ingresso. E me foi explicado o motivo pelo qual se cobrava esse tipo de tarifa.
Aqui em Barcelona existe uma “troca”, que não julgarei se é justa ou não, apenas constato: quando um lugar tem acessibilidade plena, não oferece nenhum tipo de isenção ou desconto para pessoas com deficiência. Por outro lado, se existe falta de acessibilidade grave ou mesmo mínima que seja, há um desconto ou tarifa promocional para essas pessoas. Então, esse desconto é sempre tido como um “pedido de desculpas” do lugar por não estar adaptado, e uma forma de compensar essa falta.
Na casa idealizada por Gaudi não é diferente. A questão é que segundo me explicou um dos monitores, como não há pessoal suficiente para guiar as pessoas com deficiência visual pelo ambiente, e como não foram feitas adaptações na casa para pessoas com deficiência visual em termos de arquitetura para não interferir na obra, se faculta um acompanhante a pessoas cegas e com baixa visão para que possam acessar os ambientes com segurança e auxilio daquele que o acompanha.
Ao entrar no local, percebi que existem elevadores para todos os pisos, mas preferi subir de escada, e percebi que embora não haja muita luminosidade, o corrimão é amplo e fácil de ser usado por uma pessoa com deficiência visual. Especialmente no segundo piso, dentre as diversas salas, em uma delas há materiais em braile e em alto relevo com informações sobre a casa e sobre seu contexto. Há também uma maquete da fachada, que é riquíssima em detalhes de cada forma idealizada por Gaudi. Ao tocar aquela maquete pude entender e sentir o mesmo que as demais pessoas, ter contato com o estilo do artista.
Maquetes táteis comparativas da Casa Batlló antes e depois da reforma que Gaudi promoveu nela a pedido da familia Batlló
Pude conhecer cada forma, cada curva da casa, cada nuances das decorações e mobiliários pensados por Gaudi, além de constatar por exemplo, que conforme as informações que tivera antes, de fato parece mesmo uma casa voltada para a temática marinha. O que só foi possível por ter a chance de tocar em maquetes, ter informações em formato acessível e com a utilização do audioguia.
O visitante tendo ou não deficiência, recebe na entrada um audioguia. Isso propicia cenas muito interessantes, como ver diversas pessoas paradas nas salas da casa abertas a visitação, contemplando o lugar e ouvindo seus audioguias. Para as pessoas com deficiência visual ele é ainda mais importante para a compreensão e fruição do que está exposto, dado que muitas das obras não contam com maquetes ou podem ser tocadas, como os que ficam do lado externo da casa ou em uma altura que inviabilize o toque.
O audioguia foi concebido por profissionais que tiveram a consultoria de pessoas ligados à ONCE, ou seja, pessoas com deficiência visual ajudaram no trabalho de construção desse material. Creio que o fato de cegos e?ou pessoas com baixa visão terem participado desse processo ajude a explicar a excelente qualidade do produto.
Isso porque, ao ouvir todas as faixas pude notar que é algo muito completo. Nas primeiras faixas, explica-se quem foi Gaudi, bem como suas principais obras e quais as características principais de suas obras. Além disso, conta a história da Casa Batló e como o arquiteto catalão concebeu cada canto da casa. Ter essa noção de contexto ajuda muito a compreender a obra como um todo.
Nas faixas seguintes, são apresentadas cada uma das salas dos cinco andares do lugar. Em cada metro de todos os ambientes há referências e formas diferentes, algumas que podem ser tocadas são mencionadas que isso pode ser feito no audioguia. E, em todas elas são mencionadas as formas, cores, texturas, tamanhos e outros tantos detalhes que ajudam a formar imagens mentais quase completas sobre aquilo que está sendo falado.
Não são apenas comentários sobre cada obra, mas também são feitas descrições minuciosas das mesmas em sua maioria, unindo audioguia e audiodescrição em um mesmo produto. São raros os audioguias que tem a propriedade de fazer descrições detalhadas e não só comentários sobre as obras, de modo que ajudam mas não como um todo nesse entendimento do que se está explicando.
Por fim, no texto do audioguia há algo muito importante para pessoas com deficiência visual que são as orientações sobre os espaços. Nesse caso, no princípio de cada faixa o narrador informa em que local o ouvinte se encontra, mencionando também a todo o instante a orientação espacial sobre aquilo que está sendo dito. Ao final, são dadas orientações sobre como a pessoa deve proceder para ir até o próximo local a ser visitado, e assim facilitando a locomoção daqueles que não enxergam ou necessitam de algum auxílio visual.
Portanto, creio que seja um produto completo e que além de satisfazer as necessidades sobre o conteúdo artístico, ajuda no deslocamento e no acesso das pessoas cegas e com baixa visão aos diversos ambientes. Sendo assim, a visita se torna muito mais proveitosa e repleta de conhecimentos e sensações.
Diante de tudo que relatei, acredito que a acessibilidade na Casa batló seja bem completa, sendo um lugar que merece a visita de todos, que toma a acessibilidade não como uma obrigação, mas como um fator de acolhimento, e é exatamente disso que precisamos:acessibilidade com qualidade, protagonismo das pessoas com deficiência e acolhimento em todos os sentidos.
Fonte: Arte, Cultura e Deficiência Visual