Pratos de ataque, chimbal, condução, tambores, surdo e bumbo. Para encaixar cada parte de uma bateria e deixar uma música harmoniosa ao som do instrumento, músicos precisam de treino e dedicação. Para realizar o sonho de um adolescente de 16 anos, que é deficiente visual, um baterista de Jundiaí (SP) resolveu colocar a intuição em segundo plano e criou um método em braille para o aluno.

Guilherme Favero, que está na profissão há 20 anos, trabalha em um estúdio de música e dá aulas ao adolescente há quatro anos. Sem encontrar um material adequado disponível no mercado, ele passou a procurar outros meios de ensinar Matheus Cauduro. “A minha maior dificuldade era fazer meu aluno enxergar as notas do jeito que eu vejo”, comenta o professor. Depois de mais de um ano de empenho, um método de estudo em braille para bateria saiu do papel direto para as mãos do adolescente.

Antes disso, o professor do adolescente havia procurado por partituras especiais sem sucesso. “Comecei a pesquisar, entrei em contato com pessoas envolvidas com esse público e até com uma fundação em São Paulo e ninguém nunca tinha ouvido falar. Até encontramos partituras em braille para outros instrumentos, mas para bateria não existia”, relata.

Foi então que o músico começou a desenvolver o projeto especialmente para Matheus. “Frequentei semanalmente a Fundação Dorina Nowill, na capital, durante seis meses. Eles cederam uma cartilha que ensinava a ler em braille e ajudaram nas etapas desse piloto. O começo foi dramático, não saiu do jeito que eu gostaria, mas muitos meses depois ficou pronto e começamos a aplicar.”

Nas batidas do rock

O método de estudo elaborado por Guilherme é composto por 48 exercícios básicos, com grooves para bateria voltados para o rock, gênero musical preferido de Matheus.

As notas e partes do instrumento são indicadas no sistema braille, lidas pelo aluno e memorizadas. Essa linguagem é baseada na combinação de seis pontos, dispostos em duas colunas de 3 pontos, que permite a formação de 63 caracteres diferentes, que podem representar letras, números, simbologia aritmética, fonética, musicográfica e informática.

“Trabalhamos isso durante 10 meses. As primeiras aulas foram de adaptação, tanto para mim quanto para ele. Fui estimulando e, aos poucos, ele foi dominando o método”, conta Guilherme. Antes do método em braille, o adolescente aprendia com ajuda da tecnologia e boa vontade. O professor de música passava exercícios curtos para Matheus memorizar e gravava-o tocando para que, posteriormente, ele pudesse treinar em casa ouvindo essas gravações.

Para Matheus, o método foi um grande facilitador do aprendizado. “Inciei com o método em braille, foi o que me deu a base para o desenvolvimento dos estudos da bateria. São pequenos exercícios que me ajudaram a decorar as notas no instrumento”, diz. Ao passar pela primeira parte, agora ele se dedica ao estudo de ritmos africanos, jazz e rock.

Desafios

O músico e professor Guilherme explicou que os maiores desafios no desenvolvimento foram relacionados à falta de informação, a própria escrita e revisão do material. Ele contou que também desenvolveu um método de estudo para deficientes físicos, mas ainda não foi aplicado em aula.

Agora, Matheus já concluiu todo o método de estudo básico do sistema braille e estuda os ritmos no sistema de gravação, como antigamente. “Foi um projeto que partiu de uma curiosidade pessoal minha. Não ganho um tostão com isso e nem quero. O importante foi ver a felicidade do Matheus. Infelizmente, não tenho mais tempo para criar outros métodos, mas esse que fiz fica com ele e pode acabar ajudando outras pessoas também.”

Fundação Dorina Nowill

A Fundação Dorina Nowill lembra que Guilherme contou com o atendimento especializado do Editorial Braille, tomando conhecimento do sistema braille para a escrita da música, chamado de “musicografia braille”.

“O aluno [Matheus] já era dotado de uma aguda percepção, memória e boa coordenação na bateria, embora, até então, só aprendesse ‘de ouvido’. Apesar do talento, ele precisava aprender partitura musical. Como tinha um cadastro com a biblioteca da Fundação, ele recebeu a doação de seu método de bateria em musicografia braille”, comenta Jonathan Franco, profissional de musicografia braille da Fundação Dorina Nowill.

Assim como Matheus, outras pessoas com deficiência visual podem ter acesso a materiais escritos em braille. Basta entrar em contato com a biblioteca da fundação pelos telefones (11) 5087-0991 ou (11) 5087-0990, fazer um cadastro gratuito e solicitar a doação do material transcrito em musicografia braille.

Atualmente, o acervo de musicografia braille da fundação conta com 356 títulos de música. Entre os livros completos estão os gêneros de teoria musical e harmonia, repertório dos clássicos de Bach, Mozart, Beethoven, Chopin, Liszt, Villa-Lobos e demais métodos para piano, violino, violão, sanfona, cavaquinho, canto, entre outros.

Fonte: G1

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