Eu sempre gostei muito de viajar, principalmente depois de adolescente quando pude passar a escolher para onde eu iria. Faço isso menos do que gostaria, devido ao tempo curto e às vezes por questões financeiras. Contudo, minhas incursões por terras nunca antes visitadas – pelo menos por mim – são cada vez maiores. Isso me causa muita alegria, e ao mesmo tempo tenho a necessidade de aumentar a minha dose de paciência. Afinal, muitas instalações como hotéis, bares e restaurantes ainda carecem muito de acessibilidade, o que me causa certos embaraços.

É sobre a falta de acessibilidade que eu pretendo falar, pois não creio que seja de interesse coletivo minhas aventuras turísticas pelos cantos do mundo. Quando a viagem é feita com alguma companhia as coisas ficam mais fáceis, já que aquela pessoa que está comigo pode ajudar a evitar algumas dificuldades com relação à acessibilidade. Mas as coisas pioram quando estou sozinho por alguma eventualidade ou por se tratar de uma viagem de trabalho, por exemplo. O assunto é sério e grave, e ainda nos causa dificuldade, mas muitas situações acabam sendo cômicas por serem trágicas – ou vice versa.

Vou contar duas delas antes de analisar a situação dos hotéis que já encontrei por esse Brasil afora.

Lembro da vez em que estava fazendo meu check-in e estava um tanto… apertado para usar o sanitário. Como todo o processo demorou muito, comecei a verificar onde eu poderia encontrar um desses ambientes no hall do hotel, e como os funcionários estavam ocupados eu não poderia contar com eles. Em um ato um tanto desesperado, vi que havia uma porta que para mim – o que não significa que de fato parecesse a todos – era semelhante a uma porta de banheiro. Entrei rápido pois a situação estava crítica, e em ato continuo fui já tomando “providencias iniciais” quando de repente percebi que entrei na cozinha e não no banheiro. Fui veloz em contornar o fato e solicitar que me indicassem o wc, usado a tempo, felizmente.

Outra vez, estava no restaurante do hotel e como sempre faço, perguntei se havia cardápio em braile – eu sei que não há mas sempre pergunto -, eis que quando perguntei ao garçom ele sai sem que eu possa continuar a conversa. Retorna rapidamente com uma expressão de regozijo e felicidade:

– O senhor vai ser o primeiro a usar nosso cardápio em braile.

Com uma certa dose de surpresa e achando a situação engraçada, disse:

– Desculpe, não vou não. Eu não sei ler em braile, eu só perguntei se tinha o cardápio adaptado, não disse que eu queria usar…

Cheguei a ficar com pena do sujeito quando vi seu semblante de frustração, mas fazer o que, eu tenho baixa visão e se ele tivesse um cardápio com fontes ampliadas eu usaria. Acabei fazendo como sempre e pedindo uma A la minuta, afinal como a gente não consegue ler os cardápios sempre pede os pratos que são comuns e existem em todos os lugares.

Bem, eu devo dizer que na maioria dos hotéis em que estive os funcionários foram sempre solícitos. Mas, nem sempre a solidariedade e o bom tratamento resolvem as coisas. Eu tenho a mania de querer fazer tudo que for possível sozinho, e por mais tempo que eu leve para conseguir algo, pelo menos terei feito de modo autônomo. Então, acessibilidade não é apenas ter um funcionário que faça as coisas por mim, mas ser um local em que eu possa fazer tudo por conta própria sem precisar de auxilio extra estando ao sabor da boa vontade ou da disponibilidade de um colaborador do hotel.

Assim, sempre dispenso ajuda para encontrar o quarto onde eu devo me hospedar, mesmo que seja no 19º andar como já ocorreu. Por mais que as normas técnicas (NBR9050) estabeleçam regras de sinalização acessível, a maioria delas é ignorada pelos hotéis. As sinalizações nos andares são precárias com letras pequenas e tão fora do campo visual adequado e sem contraste, que se essas informações não estivessem ali daria no mesmo.

A iluminação nos andares são sempre mais fracas que o ideal, o que dificulta ainda mais a leitura de informações importantes. Encontrar o próprio quarto é uma aventura muitas vezes estressante, pois na imensa maioria, a numeração dos quartos são em tamanho muito pequeno e sem contraste, ou como dito antes em uma altura que torna impossível a leitura. Eu sempre tento achar sozinho até o último instante de paciência e até hoje eu nunca deixei de encontrar, por mais tempo que demorasse.

Entrando no quarto…

Os quartos são outras “pérolas” em termos de acessibilidade. Muitos deles são pequenos o que até facilita encontrar as coisas pois o universo espacial é menor. Contudo, a dificuldade é grande em conseguir achar uma tomada, travesseiros e cobertas, o controle da TV ou mesmo a própria TV. Quando há ar-condicionado então… nem tente ligar. Primeiro porque não há instruções claras, segundo que as letras são muito pequenas e se você não deseja ficar em uma sauna ou em um frigorifico, é melhor deixar quieto.

A luminosidade de TODOS os quartos em que me hospedei me fizeram sentir como se estivesse em uma boate, pois a maioria delas é fraca e não são com foco direto. Ou seja, para quem tem baixa visão a iluminação que é fator fundamental, torna-se uma das maiores dificuldades, pois a simples atividade de usar o computador ou ler algo torna-se uma tarefa epopéica. É um pouco complicado para mim que lido justamente com a leitura como minha ferramenta de trabalho ficar esse tempo sem estudar. Gostaria tanto de encontrar quartos mais iluminados e que me ajudasse e não me atrapalhassem em tarefas simples mas fundamentais como usar meu notebook, por exemplo.

Outra dificuldade agravada pela situação relatada acima, são os folhetos, cardápios e folders disponibilizados pelos hotéis. Sejam materiais de boas-vindas, de instrução de funcionamento do estabelecimento, cardápio do room service ou informações turísticas, todas elas escritas com fontes pequenas e sem muito contraste.

Isso significa que na maioria das vezes nós ficamos sem as informações que poderíamos e que gostaríamos de ter por falta de acessibilidade. Não creio que seja tão difícil disponibilizar exemplares dos materiais em braile ou em fontes ampliadas. Sempre pergunto se existem, mas em nenhum local consegui encontrar.

Como poderei saber os pontos turísticos, telefones úteis ou se no meio da madrugada der fome, o que eu posso pedir? Mais que isso, estando a trabalho, se tiver que lavar ou passar roupa no hotel, como proceder? quanto pagar? Como usar o telefone para ligar para casa ou sabe-se lá para onde?. Seja como for, estamos mal nesse quesito.

Apesar disso tudo eu continuo gostando de viajar, mesmo sabendo que a hospedagem é sempre uma aventura com grande dificuldade na acessibilidade. Eu continuarei tentando até que eu consiga encontrar um hotel plenamente acessível, ou mesmo ajudar a colocar a questão para reflexão de gestores e proprietários desse tipo de estabelecimento. Por fim eu proporia aqui uma reflexão: imaginem se  um hotel investisse maciçamente em acessibilidade de todos os modos, talvez fosse um “gasto” grande no principio, mas… se pensado a longo prazo, usando os instrumentos midiáticos e divulgando às pessoas com deficiência que em tal cidade existe um hotel acessível, será que deixariam de se hospedar em um hotel como esse? Será que se pensassem nas pessoas com deficiência visual como um grande público consumidor a ser conquistado e fidelizado a acessibilidade não seria entendida como custo, mas como investimento? Eis perguntas que carecem de respostas.

Fonte: Arte, Cultura e Deficiência Visual

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