Maioria dos espaços expositivos prioriza estrutura física para acesso a cadeirantes, mas deficientes visuais e auditivos sofrem com falta de recursos inclusivos
A acessibilidade tem sido pauta em diversos debates na sociedade brasileira. A temática é discutida amplamente em diversas esferas, buscando atingir o entendimento de que há a necessidade de promover iguais oportunidades a todos cidadãos. Em equipamentos culturais, a falta de investimento em prol do acesso universal à cultura ainda é uma barreira que portadores de alguma deficiência (PcD) têm de lidar diariamente.
No Recife, com menos de um ano de inauguração, os museus Cais do Sertão, Paço do Frevo e Estação Central Capiba não possuem um conjunto completo de estrutura e materiais para auxiliar o público com deficiências mental, visual e auditiva – além de estrangeiros – na compreensão das obras de arte exibidas ou de materiais interativos.
De acordo com o Estatuto de Museus, lei 11.904/2009, os museus têm de proporcionar a “universalidade do acesso, o respeito e a valorização à diversidade cultural”. Nas disposições finais do Estatuto, consta que após sua publicação, os museus teriam cinco anos para se adaptar as novas normas e estruturas. No cenário atual, no entanto, é possível perceber que pouco mudou. “Na adequação dos equipamentos culturais, a gente percebe que há uma grande preocupação com a acessibilidade física, construindo rampas, elevadores e banheiros acessíveis, mas acessibilidade vai muito além do que a estrutura física do espaço”, explica a professora de Museologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Emanuela Ribeiro.
No último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 25% da população brasileira apresenta algum tipo de deficiência. A percentagem representa aproximadamente 45 milhões dos brasileiros, que podem sofrer com a falta de acesso a um bem cultural por terem limitações físicas ou mentais.
Cais do Sertão
Em abril de 2014, foi inaugurado o módulo 1 do Museu Cais do Sertão, no Bairro do Recife. O espaço é um dos equipamentos culturais , de Pernambuco com mais “tecnologias, tradições, desejos e sensações num só lugar”, como diz em sua carta de apresentação. Ironicamente, em uma visita ao local, a equipe de reportagem do Portal LeiaJá constatou que ainda é escassa a presença da acessibilidade a todos os públicos.
Obras em formato de maquetes palpáveis, programação em Braille, legendas nos filmes exibidos nas cinco salas audiovisuais do museu e até mesmo opções de mudança de idioma em conteúdos interativos não fazem parte do moderno espaço expositivo. Em entrevista ao LeiaJá, o atual gestor do espaço, Célio Pontes, reconhece que o módulo 1 Cais do Sertão ainda não é acessível a todos os públicos. “Dentro de um mês estaremos realizando algumas mudanças para readaptar o museu”, afirma. A assessora de Relações Institucionais do museu, Joana Chaves, informou que algumas mudanças já estão sendo programadas. “Traremos dentro de um mês cardápios de tradução em inglês e espanhol que falem sobre a exposição como um todo, audioguias e cardápio em Braille”, esclarece.
Existem muitos elementos capazes de promover a acessibilidade a todos os públicos em espaços culturais. A museóloga Emanuela cita alguns: aparelhos de audiodescrição, audioguias, videoguias, materiais em Braille e profissionais preparados para lidar com visitantes diferentes. “Infelizmente, a gente tem um governo que ainda investe muito pouco numa maior qualificação dos equipamentos culturais da cidade e não prioriza a acessibilidade”, diz a especialista.
Ela chama atenção para o fato de que a acessibilidade vai muito além do acesso de cadeirantes aos espaços culturais. “O investimento mais alto é a estrutura física para cadeirantes, que é presente em praticamente todos os museus do Estado porque é lei. Mas a acessibilidade de outras formas, embora seja acessível financeiramente, não desperta interesse”, conclui Emanuela.
Paço do Frevo
Prestes a completar um ano, o Paço do Frevo, também localizado no Bairro do Recife, já atraiu mais de 100 mil pessoas desde a inauguração. Para a reestruturação do prédio onde funciona o museu, foram investidos mais de R$ 14 milhões. No Paço, existe a estrutura de acessibilidade física, com rampas, elevadores, pisos especiais e banheiros adaptados.
A falta de uma ‘cultura de acessibilidade’ pode atrapalhar quem precisa mesmo quando há toda a estrutura física disponível. Enquanto estava no Paço do Frevo, a reportagem do LeiaJá presenciou um fato que ilustra a necessidade desta cultura: uma cadeirante precisava subir no elevador e não havia nenhum guia para acompanhá-la. A filha da deficiente solicitou ajuda de uma das ‘educadoras’ que estava no elevador, mas ela alegou que não estava indo para o mesmo andar. “Acessibilidade não é só ter uma arquitetura apropriada. Ainda falta bastante essa cultura no Brasil e no Recife, principalmente”, reforça a professora Emanuela Ribeiro.
A estrutura do Paço é dividida em três andares, com salas interativas, expositivas e de pesquisa. A maioria dos vídeos exibidos no museu conta com legenda, porém em uma das salas, que contém uma enorme quantidade de livros para os visitantes, nenhum deles está em Braille, o que prejudica a contemplação de um cego, por exemplo.
De acordo com o gerente de conteúdo do Paço do Frevo, Eduardo Sarmento, a acessibilidade tem sido uma pauta constante da gestão. “Nesses primeiros meses conseguimos estruturar uma acessibilidade física e também temos o intuito de tornar acessível o entorno do Paço”, conta. Eduardo friza a importância de concluir novos desafios. “Neste momento, estamos construindo nosso repertório para garantir a acessibilidade de todas as formas. Em 2015, pretendemos desenvolver aplicativos que facilitem a comunicação com os visitantes, aprofundar a formação dos educadores e, de fato, garantir uma ampliação no público de visita”, explica o gestor. “Queremos garantir que o maior número de pessoas possam visitar o espaço”, conclui.
Estação Central Capiba (Museu do Trem)
A falta de acessibilidade (ou uma acessibilidade pela metade) é realidade em praticamente todos os espaços culturais da capital pernambucana. Reinaugurado recentemente, a Estação Central Capiba, localizada no centro do Recife, recebe em média 600 pessoas por dia. O museu passou por uma reforma que custou R$ 2,5 milhões.
O espaço ainda peca bastante em seguir o Estatuto dos Museus, com exceção da estrutura física para cadeirantes. Um guia – que preferiu não se identificar – comentou que cegos gostariam de tocar as peças em exposição no Museu, mas não há nenhuma luva especial para que se possa sentir o objeto através do tato. Os deficientes auditivos também sofrem, pois não há legendas nos vídeos nas salas de audiovisual do local.
Em entrevista ao Portal LeiaJá, o atual gestor e coordenador de artes visuais e conteúdo do Museu do Trem, Márcio Almeida, contou que há conversas diárias com a equipe e que, por não saber se continuará no cargo, não poderia prometer nada. “Sabemos que algumas coisas devem ser feitas pela gestão em relação à acessibilidade, Braille, outros idiomas. Atualmente, estamos vendo uma maneira de disponibilizar luvas para quem precisasse tocar nas peças, já estamos pesquisando isso”, justifica Márcio.
Estrangeiros
De acordo com a Secretaria de Turismo e Lazer do Recife, no ano de 2014, no período do carnaval , cerca de 800 mil turistas visitaram a capital pernambucana. Dentre os turistas, existem os estrangeiros, que em grande parte não têm o domínio da língua portuguesa. Conhecer a cultura da cidade em equipamentos culturais é uma dos principais roteiros desses visitantes. No entanto, muitos esbarram na falta de investimento em tradução da exposição para outros idiomas e guias que não falam outra língua.
No Cais do Sertão, há poucas traduções de obras, e em materiais audiovisuais não há a opção de mudança do idioma. No Museu do Trem, o problema é grave. Praticamente nenhuma peça da exposição contém traduções para outros idiomas. O Paço do Frevo, no entanto, possui praticamente todas as obras traduzidas para o inglês. Ainda de acordo com o Estatudo do Museus, Art. 35. ‘Os museus caracterizar-se-ão pela acessibilidade universal dos diferentes públicos, na forma da legislação vigente’. Embora há uma lei que guie os equipamentos culturais, não há um monitoramente desses espaços em sua maioria.
Fonte: LeiaJá