Em algum momento da vida, uma pessoa cometerá um equívoco gigantesco e terá um bom tempo para pensar sobre o que fez. Uma vez, um homem viajou até as cataratas do Niágara e selado dentro de uma grande bola de borracha, se jogou numa das quedas d’água do local. A bola nunca chegou lá embaixo, ficando presa nas rochas e galhos ao longo do caminho.
Acontece que o homem estava contando com sua equipe para libertá-lo da bola vedada lá embaixo. Ooooops! Grande erro. Aron Ralston, o herói deste 127 Horas (127 Hours, EUA/UK/FRA, 2010), também viveu um destes momentos “ooops!”. Essa é inclusive a maneira que o próprio Aron refere-se ao que se passou com ele. Num final de semana, Ralston partiu para o deserto para fazer trilha com sua bike sem dizer a ninguém para onde ele estava indo, e após cair numa profunda e estreita fenda, ficou com seu braço preso entre uma rocha e a parede do canyon. Ooops.
O caso ficou famoso. Ralston cambaleou para a segurança mais de cinco dias depois, após cortar o próprio braço direito com um canivete gasto para escapar da enrascada em que se meteu. Aron é uma pessoa energética e resiliente, e que inclusive voltou a fazer escalada meses depois. Apesar de que, agora, tenho certeza que ele só embarca numa destas jornadas depois de desenhar um plano, ir com alguma companhia, e nunca deixando seu canivete suíço para trás.
Imagino que quando Aron lembra de seu braço que se foi, ele se sinta bem, dadas as circunstâncias que o levaram a tomar sua radical e corajosa decisão. Ralston se enfiou numa situação onde tudo o que o que se colocava entre ele e sua sobrevivência era seu braço. E então, ele o eliminou da equação.
E você? O que teria feito na mesma situação? Quanto a mim, confesso que não sei se teria conseguido fazer o mesmo. A cena em que Ralston decide eliminar seu braço da jogada é crua e terrível, e mesmo com tamanha provação, o grande diretor Danny Boyle (do excelente Steve Jobs, cuja crítica também está disponível aqui no Portal Administradores), constrói um filme incrivelmente inspirador e divertido. Sim, eu disse mesmo divertido.
Na maior parte do filme, Boyle lida apenas com uma locação e um ator, James Franco, que acabou indicado ao Oscar pelo papel. Há um desapegado prólogo em que Ralston e duas garotas que também faziam trilha nadam em um lago sob uma caverna, e mais tarde, durante seus momentos de alucinação, outras pessoas aparecem para visitá-lo. Entretanto, a realidade fundamental é expressa no título do livro que Ralston escreveu sobre sua experiência: “Between a Rock and a Hard Place” (Entre uma Rocha e um Lugar Duro).
Franco faz mais um excelente trabalho ao sugerir dois aspectos do caráter de Ralston. (1) Ele é um petulante e ousado aventureiro que confia em suas habilidades e que gosta de se arriscar, e (2) ele é lógico e prático o suficiente para cortar fora seu próprio braço para salvar sua vida. Um aspecto de sua personalidade causou o seu problema. O outro o tirou dele. Reconhece estas características em alguém? Talvez em você mesmo? Definitivamente não há nada de errado em ser ousado e até um pouco confiante demais em suas habilidades, desde que você tenha controle suficiente para reconhecer seus próprios limites.
Para muitos, o problema enfrentado pelo protagonista era uma barreira intransponível, seu fim. Entretanto, mesmo na mais improvável das hipóteses, Aron encontrou sua salvação. Todo, TODO e qualquer problema tem solução, mesmo quando as probabilidades dizem o contrário. Aron parecia ter encontrado seu ponto-limite, mas ainda assim foi capaz de virar a mesa e viver para ver um novo dia.
É claro que existe uma análise posterior a ser feita, e com certeza Aron a faz todo santo dia, quando nota e convive com a prótese em seu braço direito. Um cuidado, uma comunicação a mais, um pouco mais de moderação e até humildade o teriam poupado de uma excruciante situação que transformou sua vida para sempre. Esta análise em cima de um erro cometido é vital não só como medida corretiva, mas principalmente como uma ação preventiva para que determinado equívoco não volte a acontecer. No mundo dos negócios, errar uma vez é aceitável. Cometer o mesmo erro novamente pode ser fatal.
A questão é que mesmo no erro em si, há sempre uma lição a ser aprendida. No caso do próprio Aron, há aspectos pelos quais ele deve ser agradecido. A rocha que prendeu seu braço, por exemplo, poderia ter caído sobre ele, o esmagando instantaneamente de forma que não haveria escapatória. O maior erro de Aron não foi a queda em si, mas sim sua certeza equivocada de que estamos melhores sozinhos. Ao não comunicar ninguém de sua partida e/ou localização, Ralston aí sim trocou os pés pelas mãos de maneira até ingênua, se pensarmos mais à respeito.
Apesar de tudo isso, a grande lição a ser tirada deste 127 Horas e do martírio de Ralston, é a maneira extremamente inteligente e corajosa com que o protagonista passa os cinco dias na fenda e posteriormente a maneira com que orquestra sua libertação. Aron literalmente transformou a maior besteira que fez em toda sua vida em uma inacreditável e inspiradora história de superação e sobrevivência.
Primeiro ele procura estar em contato com as circunstâncias ao redor, como o tempo de sol que ele tem diariamente dentro da fenda, e até o vôo regular de uma águia pela manhã. Ele então realiza um inventário dos itens que está carregando: uma câmera, um pouco d’água, algum alimento, e seu inadequado canivete-suíço. E aos poucos, à medida em que o tempo foi passando e as opções diminuindo, foi a mente prática e extremamente focada de Ralston quem bateu o martelo: Ou ele fazia alguma coisa, ou morreria.”
Independente das inúmeras questões das quais podemos tirar diversas lições a serem aplicadas em nosso dia-a-dia profissional ou não, 127 Horas é um tremendo filme.
Um verdadeiro exercício de tensão onde o impossível é capturado através das câmeras. A fotografia é primorosa em estabelecer a vastidão do deserto de Utah e os detalhes específicos da minúscula porção do território onde Aron foi parar.
A edição alcança a delicada tarefa de mostrar um braço sendo cortado fora sem nunca ser excessivamente gráfico. Curiosamente, o momento mais agoniante da cena não consiste em uma imagem, mas sim em um som. A maioria de nós nunca deve ter ouvido o referido som, mas graças à cena sabemos exatamente o que é.
Dor e derramamento de sangue são comuns nos filmes. Entretanto, raramente tais fatores chegam ao nível da realidade, afinal, o público quer ser entretido, e não traumatizado. O espectador quer que seus heróis sejam imunes, e 127 Horas remove os filtros que costumeiramente amenizam a experiência. O filme implica seu público.
Através da identificação, ficamos presos no canyon, cortamos através de nossa própria carne. Um elemento que o filme pode sugerir mas nunca evocar, entretanto, é a brutalidade da dor envolvida. Não consigo sequer imaginar a sensação. Talvez tenha sido isso que tenha “facilitado” as coisas para Ralston, já que de uma maneira ou de outra, sua decisão limitou a duração de seu sofrimento.
Aron Ralston deve ser um tremendo cara. O filme deliberadamente não o transforma em herói, mas sim em um atleta competente traído por uma péssima decisão momentânea. Ele corta seu braço fora porque precisa, e também teve sorte na empreitada. É bem fácil imaginar a notícia de seu corpo sendo encontrado um tempo depois, com parte do braço faltando. Ele fez o que tinha de fazer, o que não o torna um herói, mas sim um homem corajoso em admitir o erro que cometeu e inteligente o suficiente para sair dele de maneira triunfal. Que você também possa encontrar as saídas para seus erros, e que não precise arrancar nenhuma parte do corpo para isso.
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