Que bom seria se todas as pessoas fossem tratadas com igualdade, sem haver discriminação quanto a mobilidade física reduzida ou pelo comprometimento do intelecto. Mas, a nossa realidade nos mostra algo bem diferente e a luta pela equidade no tratamento tem sido o maior desafio para a sociedade. A acessibilidade universal à qualquer instrumento que compõe a estrutura urbana ou em cada aspecto da vida política, social, econômica e cultural, deveria ter fundamental importância no contexto do desenvolvimento humano.

Tome-se a área do transporte coletivo como exemplo, onde há uma profunda necessidade por mudanças de conceitos, com a adoção urgente de mecanismos de acessibilidade à infraestrutura que forma a rede operacional. Os serviços de ônibus urbanos podem muito bem ilustrar a total falta de interesse dos órgãos gestores na promoção da acessibilidade. Pontos de paradas, em sua grande maioria, são verdadeiras barreiras para a pessoa com sua locomoção comprometida. As calçadas, vias de acesso à esses pontos, também não representam uma condição própria de deslocamento, sendo desvantajosas, em muitos casos, até para quem tem sua faculdade normal de caminhar.

No que tange aos ônibus urbanos, desde o ano de 2008 os veículos novos passaram a ter que contar com algum tipo de mecanismo que facilitasse o embarque e o desembarque. Por uma razão estrutural e de preço, o elevador foi o escolhido. Explico: pelo lado estrutural há uma enorme carência no Brasil por vias adequadas ao uso de chassis mais modernos, com piso baixo. Também é de se destacar o custo de aquisição e operacional do veículo, mais caro. E a tradição brasileira manda que em seu transporte o chassi mais simples, com motor dianteiro e um metro de altura de seu quadro, com preço mais atrativo, seja o preferido para enfrentar buracos, falta de pavimento e geometria inadequada das ruas. Portanto, o elevador foi o instrumento preferido por essas condições.

Mas não pense você, leitor, que ele é um mecanismo atrativo. Quando funciona é um bem servível, mas em grande parte dos casos, a falta de conservação e manutenção torna-o um mero equipamento que ocupa lugar na carroçaria. Longe de querer fazer uma comparação com o mercado europeu, pois não vem ao caso, mas por lá o piso baixo é uma obrigação estabelecida para a acessibilidade. E tem outra, os chassis com motor frontal são raríssimos. Como vemos, o conceito da universalização ao acesso no transporte é essencial para toda a sociedade.

A revista Autobus conversou com Eduardo Cazoto Belopede, Coordenador da Comissão de Estudos de Transporte com Acessibilidade da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) sobre o tema que tem muito significado na sociedade, mas que pouco é lembrado no desenvolvimento urbano. No dia 3 de dezembro passado terminou o prazo de 10 anos de adequação do sistema de transporte público à lei que determina que todos os veículos sejam acessíveis. Acompanhe neste e nos próximos números do Informativo a entrevista.

Revista AutoBus – O que mudou nesse tempo e quais o benefícios conquistados em termos de acessibilidade em ônibus urbanos?

Eduardo Belopede – Se analisarmos todo o segmento, poderemos perceber claramente que os avanços da tecnologia veicular foram os mais percebidos nesses 10 anos, seja em conceitos construtivos, materiais aplicados e, obviamente, tipos de veículos colocados à disposição dos usuários dos sistemas de transporte.

A nova geração de veículos de piso interno rebaixado, simplesmente batizados de “Piso Baixo”, proporcionaram à toda a população e não somente, às pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, oportunidades de acesso com conforto e segurança, principalmente quando comparados aos antigos veículos (e que em muitos lugares ainda continuam em operação), nem um pouco “amigáveis” a essa classe de usuários puramente “especiais” e que deveria ser sempre considerada como o principal foco do transporte público de qualidade.

AutoBus – Como as esferas governamentais vêm essa questão no desenvolvimento urbano?

Belopede – Podemos observar ao longo desses 10 anos que os gestores de transporte, seja da administração direta ou indireta, não fizeram a lição de casa junto à administração pública municipal, no que diz respeito à infraestrutura vinculada ao sistema de transporte coletivo. Não houve, em nenhuma localidade, a visão de macro administração, associando ações das áreas responsáveis pelo transporte coletivo com as áreas responsáveis pela gestão de serviços e obras.

As poucas ações das três esferas de governo foi associar suas demandas ao cumprimento da regulamentação federal, em especial, às normas da ABNT para os veículos novos ou às Portarias do INMETRO para os veículos a serem adequados.

Além de coordenador da ABNT, Belopede também é proprietário da Belopede Desenvolvimento e Gestão de Projetos – EB6

Fonte: Revista AutoBus

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