Surda oralizada aberta para o mundo, relata experiências de viagens

por | 16 maio, 2012 | Turismo Adaptado | 2 Comentários

Você já imaginou que, enquanto lê essa revista, a pessoa sentada na poltrona ao lado da sua pode ter uma deficiência invisível e até mesmo um superpoder? O seu vizinho pode ser alguém como eu, que tem deficiência auditiva severa e é capaz de ler lábios dos outros a muitos metros de distância. Por isso, permita-me uma breve apresentação: tenho 30 anos, sou gaúcha de Santa Maria, cientista social por formação e funcionária pública por profissão. Como hobby, escrevo o blog Crônicas da Surdez (cronicasdasurdez.com), em que partilho algumas de minhas experiências, muitas delas de viagem, e também o Sweetest Person (sweetestpersonblog.com), sobre moda, beleza e literatura – este teve mais de 1 milhão de visualizações só entre janeiro e março deste ano.

O bichinho das viagens internacionais me picou em 2003, quando pisei em solo europeu pela primeira vez. Desde então, foram muitos carimbos diferentes no passaporte e uma infinidade de histórias que mostram que é possível, sim, viajar pelo mundo independentemente da surdez. Quando você lê surdez, por favor, não vá logo pensando em língua de sinais ou silêncio total. Permita-me lhe apresentar ao interessante mundo dos surdos oralizados, do qual faço parte. Uso aparelhos auditivos de última geração, que me trazem de volta ao universo dos sons. Assim, me comunico oralmente como qualquer pessoa que ouve. Esse equipamento (pasmem!) conecta via bluetooth com telefone celular, televisão, notebook, telefone, iPod, iPad e, se bobear, até com a geladeira – existem inclusive versões à prova d’água para quem pratica esportes aquáticos.

Helen Keller, que era surdocega e se tornou uma célebre pensadora norte-americana, falava que “a cegueira separa as pessoas das coisas e a surdez as separa das outras pessoas”. Se você ouve perfeitamente, imagine-se passando 24 horas com tampões nos ouvidos, sem entender o que lhe dizem, tendo sua comunicação comprometida. O sentimento é de frustração e medo. Mas quem tem deficiência auditiva não deve se privar de conhecer o mundo por medo. A parte legal da surdez é ter coragem de enfrentar os desafios que ela traz, e viajar sozinho é o mais estimulante e prazeroso deles. Nós somos muito mais capazes e criativos do que nos julgamos, e estar por conta própria em um país estrangeiro traz à tona uma força que nem sonhávamos ter. Com pequenas adaptações e uma boa dose de ousadia, basta colocar uma mochila nas costas (ou uma mala de quatro rodinhas nas mãos) e cair na estrada.

Só em 2011 fui a Buenos Aires, Montevidéu, Punta del Este, Roma, Florença, Paris, Londres, Mykonos, Atenas, Barcelona< Santiago e Valle Nevado. E, enquanto você lê esta revista, estou em mais uma viagem de 30 dias pela Europa. Neste ano ainda lanço meu primeiro livro, sobre as aventuras e desventuras da surdez. Algumas delas você lê a seguir.

No Aeroporto
Quem ouve mal, mesmo usando aparelhos auditivos, geralmente não entende o que é dito sem a ajuda da leitura labial. Por isso, a atenção nos aeroportos precisa ser redobrada – afinal, tudo é avisado pelos auto-falantes. Em 2006, lá estava eu esperando um vôo para Londres em Guarulhos, olhos vidrados na TV em busca de qualquer sinal de mudança de horário ou portão de embarque. Meu vôo foi alterado nada menos do que cinco vezes! Devo ter corrido uns 15 quilômetros de um portão para o outro. Apesar de ainda não ter perdido um vôo, conheço várias pessoas que já perderam. O aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires, só faz informes pela TV, não usa auto-falantes. Uma boa dica é baixar o aplicativo Infraero Vôos Online, para iPhone, i Pad e Android, que quebra esse galho.

No Táxi
Em 2011, ao voltar de balsa de Mykonos, eu e uma amiga tivemos o azar de pegar o taxista mais safado de Atenas. Ele fingia que não entendia inglês e que não compreendia as coordenadas do Google Maps. Me prestei até a lhe dar um mapa – em grego – com indicações de como chegar ao hotel, mas mesmo assim ele se fazia de sonso. Acabou rodando por uma hora até parar em um bairro muito mal-encarado – para piorar, era madrugada. Fio a maior tensão, pois ele queria que eu e minha companheira de viagem saíssemos do carro lá mesmo. Fizemos um escândalo em português e, quando o grego cansou de ouvir os nossos berros, decidiu mostrar seus conhecimentos de inglês. Ele me passou o celular, mas expliquei que não ouvia ao telefone – se em português já é difícil, em inglês com sotaque grego seria impossível entender. E minha amiga não falava inglês. Conseguimos encontrar o hotel, mas foi um parto de trigêmeos sem anestesia. Com esse episódio, aprendi uma lição: se vou chegar em qualquer cidade do exterior de madrugada, já deixo marcado um transfer de confiança. É melhor prevenir do que cair nas mãos de um taxista inescrupuloso.

Fonte: TAM nas nuvens

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2 Comentários

  1. learningwithsongs

    Gostei muto dessa postagem, pois nem imaginamos o que realmente as pessoas com deficiências vivem no seu dia a dia, e especialmente no caso dela, que as viagens se tornaram verdadeiras aventuras e com boa vontade e confiança em si-mesma ela conseguiu reverter as situações desfavoráveis.

    • Ricardo Shimosakai

      Viagens são experiências que aproveitamos para o resto de nossas vidas. Eu também consegui através de minhas viagens amadurecer muito, como pessoa e também como profissional. Por isso sempre digo que viagens, são muito mais do que uma diversão

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