Discriminação: impedimento de uso do transporte aéreo por pessoa com deficiência visual usuária de cão-guia

por | 16 ago, 2011 | Turismo Adaptado | 9 Comentários

Manifestação escrita por Daniel Monteiro, após incidente no qual, foi impedido de embarcar com seu cão-guia através da companhia aérea TAM. Veja a seguir, o texto escrito pelo próprio protagonista:

Prezados senhores,

Meu nome é Daniel de Moraes Monteiro. Sou pessoa com deficiência visual e há mais de 05 anos concecutivos, faço uso do transporte aéreo por todo o Brasil, invariavelmente acompanhado por meu cão-guia Mac, da raça labrador, com quem chego a voar até 02 vezes na mesma semana, por diversas companhia aéreas.

 Tal situação é possível por conta da legislação acerca do tema: decreto 5296/04, 5904/06 e leis 10048, 10098 e 11.126/05, os quais asseguram, dentre outras medidas, a entrada e permanência de cães-guias em todos os locais de uso público e coletivo no Brasil, inclusive o transporte aéreo, punindo aqueles que tentarem obstarem tasis disposições. Para fazer jus ao premissivo legal sempre andei com a documentação do referido cão em ordem, conforme disposição da própria legislação vigente.

Vale lembrar que desde 2006 especificamente deixou de ser exigido dos usuários de cão-guia o transporte de guias de trânsito de animais e também de atestados de saúde dos cães para viagens, conforme legislação acima exposta. Me dirijo a vossas senhorias para relatar um acontecimento pelo qual passei ontem, quando estava na cidade de Vitória, retornando para São Paulo após proferir palestra em um evento. Ao chegar no aeroporto de Vitória me identifiquei à supervisora do atendimento da TAM linhas aéreas, de nome Viviane Bruschi.

A mesma informou que o vôo no qual eu viajaria originalmente, com horário de decolagem prevista para as 17:00H já estava encerrado, pelo que eu deveria embarcar no próximo, com decolagem prevista para as 19:15H, o que aceitei prontamente. Enquanto fazia meu atendimento, a mesma solicitou os documentos do cão-guia como de costume, no que foi atendida, no que para mim parecia ser o encerramento de mais uma viagem dentre tantas que faço, sendo a sexta consecutiva  nos últimos 30 dias. Para minha surpresa a senhorita Viviane questionou se eu havia tirado algum atestado do cão para poder viajar.

Expliquei que não era necessário, conforme expus acima, tentando  fazê-la entender que tal procedimento era descabido. A mesma então disse que eu não poderia embarcar, pois o “procedimento da companhia” exigiria tal apresentação. Insisti e a supervisora em apresso se propôs a consultar sua direção e supervisão, pelo que se recusaria a liberar meu cartão de embarque.

Após longos minutos e sem saber o que estava acontecendo retornei ao balcão de atendimento, e depois de mais uma espera a senhorita Viviane regressou dizendo que nada poderia fazer, pois a legislação apenas proibia de exigir o uso de focinheira, mas não proibia de exigir atestado de saúde do animal. Desta forma fica caracterizada a interpretação restritiva de uma lei, em malefício de ma pessoa em situação desfavorável, pois não sou morador daquela cidade  e estava necessitado de retornar para minha residência.

Desesperado saí à procura de um balcão da ANAC, que não existia naquele momento, pois a sita da agência não tem funcionamento naquele aeroporto aos domingos. Não encontrei qualquer ajuda, até que encontrei algumas pessoas conhecidas, que coincidentemente voariam junto comigo.Tentamos repetir  as explicações já dadas, mas nada foi feito e mesmo com a presença da Polícia Militar, que fora chama por último recurso nada foi feito, a funcionária continuou dizendo que deveria cumprir o procedimento da empresa aérea, que fora aprovado pelos órgãos competentes.

Pedimos então o endoço do bilhete para outra companhia que me transportasse e que cumprisse o que está disposto na legislação, MS a funcionária continuou se recusando, talvez por medo de reconhecer que estaria errada, alegando qualquer desculpa. Pedimos então para tomar conhecimento da tal normativa, mas não pudemos pois documentos de caráter interno não podem ser exibidos aos passageiros, como se estes tivessem mais valor que a legislação do Brasil.

Só pude contar com o apoio de colegas moradores da cidade e de policiais militares, os quais me ajudaram a providenciar a ida até a delegacia mais próxima para registar boletim de ocorrência. Como último recurso, por puro desespero de não ter como retornar para São Paulo fui obrigado a procurar uma clínica veterinária, que mediante pagamento de consulta, no valor de R$90,00 (noventa reais) emitiu um atestado de saúde para meu cão, para que eu tivesse permissão de viajar.

Só pude retornar para São Paulo em um vôo da mesma companhia às 23:00H de domingo, chegando  ao meu destino final apenas às 02:00H de segunda-feira.Requeiro a vossa intervenção no sentido da garantia de direitos humanos, do simples respeito e da dignidade estendidas a todos os seres humanos, valores estes que me foram negados em um ato tão simples como o de voltar para casa após uma viagem de trabalho.

De nada adianta embarcar em um vôo com todo o conforto, com som ambiente e outros agrados aos passageiros, se para poder exercer o direito de ir e vir precisamos nos sujeitar a toda a sorte de humilhações e dissabores. Desde já agradeço a vossa atenção e disponibilidade.

Fonte: O Deficiente Visual

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9 Comentários

  1. jeffcelophane

    Daniel é meu herói, muito consciente e clara a carta, pena que estas coisas aconteçam ainda, mas ainda bem que acontecem com a pessoa certa.

    • Ricardo Shimosakai

      essas coisas ainda acontecem porque ainda não é tomada nenhuma atitude por parte das empresas, somente algo para resolver o problema pontualmente, quando muito. Infelizmente Daniel é uma pessoa certa, mas creio que precisa chegar até a pessoa certa na empresa também, para que algo realmente seja modificado e a situação não mais aconteça

  2. Marina

    Bom Daniel,
    o correto é entrar uma queixa nos pequenas causas para solicitar reembolso de todos os custos adicionais que vc teve, além, de danos morais e etc….
    Nem te digo isso por causa dos danos financeiros e morais que sofreu, mas pelo fato de fazer valer e ser divulgado os direitos conquistados.
    Abr,

    • Ricardo Shimosakai

      Seria bom, pegar esse e outros diversos exemplos negativos que as empresas aéreas tem dado, e tentar modificar o sistema. Pequenas causas no máximo irá resolver o problema do Daniel, mas na verdade isso é uma grande causa, e deve ser resolvida para que todos possam ter condições dignas para viajar

  3. Kika Carvalho

    Parece coisa de filme !!INfelizmente é verdade. Gosatria muito de saber o que a TAM tem a dizer diante deste episódio infeliz!!
    Quanta falta faz o Comandante Rolim … a empresa perdeu a alma, perdeu qualidade, perdeu o respeito ao passageiro que era tratado com verdadeiro Rei.
    NA época de Rolim isto não aconteceria. MAs é preciso saber o que aocntece com a cia aérea diante deste episódio?

    • Ricardo Shimosakai

      Eu já passei por dificuldades coma TAM, onde danificaram minha cadeira de rodas e me machuquei. Ofereci a eles a implantação de um projeto para atender pessoas com deficiência e mobilidade reduzida com segurança e qualidade. Porém não me davam atenção e sempre enrolavam. Então exigi uma indenização, que foi paga. Eles preferem resolver os problemas de forma pontual, dando uma “solução” para cada caso, mas isso não elimina a causa do problema. Em breve irei relatar de forma mais completa o que aconteceu comigo.

  4. Eduardo Belopede

    Olá meus amigos. Recentemente fui nomeado Coordenador da Comissão de Transportes com Acessibilidade no âmbito da ABNT (CB-40/CE-02). Além do transporte urbano e rodoviário que já conduzo, agora tenho intenção de revisar a norma ABNT NBR 14973:1999 que trata da acessibilidade no transporte aéreo comercial.
    Entendo que há muita coisa a ser atualizada em termos de acesso, informação e procedimentos.
    Quem tiver interesse em participar ou cooperar, favor encaminhar sua solicitação à ABNT, pois seria interessante uma grande demanda para o tema.
    Aproveito para lembrar que o querido Daniel, protagonista do lamentável incidente, participou de nossas reuniões na comissão que discutiu a revisão da norma ABNT NBR 14022 (transporte urbano), onde, inclusive, o seu cão-guia “Mac” serviu de “modelo” para definição dimensional da área disponível nos veículos.

    • Ricardo Shimosakai

      Olá Eduardo, é muito importante realizar revisões nas normas de acessibilidade, pois muita coisa ainda não está realmente adequada. Atualmente está difícil para mim participar somente como voluntário, mesmo em assuntos que são do meu interesse, e que acho que poderia contribuir muito. Mas as normas são uma parte da solução, pois no caso do turismo por exemplo, também é preciso capacitar as pessoas para atendimento e outras coisas mais.

  5. Eduardo Belopede

    errata:
    NBR 14273:1999

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