Torcedor com deficiência física enfrenta falta de acessibilidade para chegar ao estádio Beira-Rio

por | 17 ago, 2011 | Turismo Adaptado | 2 Comentários

“Com licença, obrigada. Com licença, querido. Obrigada”. É assim que Ana Carolina Teles Caldart governa a cadeira de rodas de seu namorado, Carlos Rolla, em direção à casa do Sport Club Internacional, o Beira-Rio. Os dois frequentam assiduamente o espaço dedicado aos deficientes físicos do estádio que será sede da Copa do Mundo de 2014.

Não deixar de fazer nada que faria se tivesse todos os movimentos das pernas é o que motiva Carlos. Além de participar de um grupo teatral e viajar, torcer pelo Colorado é uma dessas atividades que ele não se exclui, nem deixa que o excluam. Carlos e Carol, como prefere ser chamada, têm, respectivamente, 41 e 27 anos, moram em Canoas, no bairro Niterói. Quando ninguém pode levá-los, utilizam o transporte público e, aos poucos, superam todos os obstáculos.

Sábado, 10 de abril de 2010, Porto Alegre – Estação Mercado Público da Trensurb. Às 17h22min, Carlos e Carol aguardam funcionários da Trensurb para ajudar na locomoção. As escadas rolantes estão em reforma e, neste ponto, não há elevador. Conforme o site da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb), “nas 17 estações do metrô circulam, em média, nos dias úteis, 53 usuários com deficiência visual, quatro com deficiência física e 30 cadeirantes. O acompanhamento é feito por empregados treinados, mesmo antes do embarque até o desembarque e saída do sistema”.

Nas estações há placas indicativas com o símbolo de elevadores, sendo 29 escadas rolantes e 29 escadas fixas, 26 passarelas e dez escadas de acesso às estações, além de sanitários adaptados para portadores de necessidades especiais. “Mas só no andar de cima. Tá ‘apertado’, amigão?”, questiona o funcionário quando Carlos diz que quer ir ao banheiro. “Vou em outro lugar, então. Obrigado”. Carlos sempre sorri. Agradece todos que lhe ajudam. Cumprimenta muitos transeuntes, sempre indicando o polegar, em sinal positivo.

“Há também plataformas de elevação que funcionam sobre escadas fixas, cuja utilização é realizada mediante acompanhamento dos empregados das estações. O Centro de Controle Operacional é responsável pelo monitoramento dentro do sistema, em que trem e horário embarcou até a estação de desembarque e o horário de chegada do trem”, complementam as informações do endereço na internet (www.trensurb.gov.br). Sete minutos depois, Carol já empurra seu namorado pela calçada regular da Avenida Borges de Medeiros.

17h37min. O Largo Jornalista Glênio Peres, no Centro da Capital é o habitual ponto de embarque para o futebol. Ainda é preciso percorrer 4,6 km até o Beira-Rio. O ônibus direto é disponibilizado aos torcedores em dia de jogo pela Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC). No entanto, é um ônibus comum, sem nenhuma acomodação específica para atender aos passageiros cadeirantes.

A Comunicação da EPTC, por meio do jornalista Lucas Barroso, explica os motivos: “Não são ofertados veículos para portadores de deficiência física porque, em experiências anteriores, houve vandalismo”. Barroso, no entanto, projeta que em cerca de 30 anos toda a frota será adequada aos deficientes físicos. “Por enquanto, 30% são adaptados, o que corresponde a quase 500 ônibus”, informa o funcionário. O usuário deficiente deve ligar para a EPTC para saber os horários das dez linhas específicas que levam ao Beira-Rio com veículo especial.

Se não vai de carro, Carlos prefere pegar o ônibus do futebol, lotado de vermelhos. Junto com a namorada, o fiscal, o motorista e o cobrador ajudam a acomodá-lo nos primeiros bancos da condução enquanto a cadeira de rodas vai ao lado, dobrada. “A gente supera tudo. Tem que levar a vida”, repete Carlos. “E o Ypiranga, o Inter supera?”, pergunto. “Ganha, sim”, afirma sorrindo. Mas prefere não arriscar o placar.

Viaduto Dom Pedro I, no bairro Praia de Belas, às 18h12min, desembarcam os colorados, distantes 800 metros da decisão das semi-finais da Taça Fábio Koff, contra o Ypiranga. Quando Carlos e Carol, apressados, dobram a Avenida Padre Cacique, tendo em frente a movimentada via para atravessar, os outros colorados que estavam no ônibus já disparam, apertando o passo para alcançar o Beira-Rio. “Ele sempre nos deixa aqui. É complicado esse calçamento. Mas essa mulher é forte”, orgulha-se Carlos.

A EPTC alega que, devido a problemas no trânsito na região, não é possível aproximar o desembarque. “Por isso, sempre recomendamos que os deficientes utilizem as linhas de bairro, que param mais próximas do estádio”, reforça Lucas Barroso. Já visualizando o Beira-Rio, o casal dribla torcedores apressados e o precário calçamento, que alterna entre pedras assentadas de forma irregular e areia.

Estádio José Pinheiro Borda, ou Gigante da Beira-Rio, 18h31min. O árbitro do jogo, Leandro Vuaden, já indica o início da partida. Ainda no pátio da casa do Colorado, Carol arrisca: “Vai lotar hoje”. Deficientes físicos, que ocupam o espaço dedicado a eles no estádio, não pagam ingresso. Porém, Carlos prefere ele mesmo se apoiar na bilheteria e comprar o bilhete para a namorada.

A Lei 10.671/03, de 2003, mais conhecida como Estatuto de Defesa do Torcedor, estabelece no artigo 13 que “será assegurado acessibilidade ao torcedor portador de deficiência ou com mobilidade reduzida”. No Beira-Rio, a regra cumpre-se. Mas alguns colorados não se conformam que um cadeirante não tenha uma bilheteria adaptada. O clube oferece opções de compra através da internet, em seu site oficial e por portal de voz. No entanto, a desejada igualdade se esvai tão rude e rapidamente quanto o volante Guiñazu, no meio-campo do time do Inter.

Ao lado do Portão 7, às 18h40min, Carlos está na entrada do espaço dedicado aos portadores de deficiência. É o mesmo acesso das ambulâncias e da Brigada Militar. Uma rampa leva os usuários até uma espécie de sacada, localizada na antiga “coréia”, setor em que as pessoas assistiam ao jogo de pé e que está desativado. Logo atrás, encontram-se os torcedores da chamada Guarda Popular.

“Diante do fim da vida não abro mão, quero a bandeira do Inter no meu caixão. E não importa o que o padre irá dizer. Porque, até lá do céu, eu serei Inter”, entoam os torcedores quando Carlos se acomoda para assistir ao jogo. Encontram-se no recinto seis cadeirantes, quatro deficientes visuais, três mudos e outras pessoas portadoras de necessidades especiais. Todos atentos a partida e, como todo torcedor, apresentam suas peculiaridades e estratégias para torcer.

Os deficientes visuais, sentados no único banco de concreto frio, ao fundo do espaço, escutam a transmissão pelo rádio com um ouvido. Com outro, deixam-se levar pelos gritos dos outros colorados. Os mudos, através de linguagem corporal e do Dicionário da Língua Brasileira de Sinais (Libras), comunicam-se com muita espontaneidade, fazendo gestos e reclamando do desempenho da equipe. Os cadeirantes, assim como Carlos, usam da voz, alentam e observam. Espicham os olhos para espiar o placar eletrônico de 4,8m de altura e 8,9m de cumprimento.

“Não dá para enxergar muito bem a bola e as jogadas, mas ainda prefiro vir ao estádio”, afirma Carlos, completando com a lembrança de outra oportunidade, na qual “pegou muita chuva”. O engenheiro e integrante da gerência de projetos e coordenação geral do Sport Club Internacional, Hélio Giaretta, alega que na modernização do Complexo Beira-Rio está previsto o melhoramento de toda a arquibancada inferior.

“A estrutura atual, da parte inferior, não é boa para qualquer frequentador do estádio. O projeto prevê a aproximação do torcedor junto ao campo, possibilitando essa melhor visualização do jogo”, explica o engenheiro. Questionado sobre os problemas de calçamento das proximidades, Giatetta aponta os melhoramentos planejados nas obras para a Copa do Mundo de 2014. “Nada em curto prazo”, completa.

As atuais construções do clube já são projetadas com a consciência que o deficiente físico também é assíduo no estádio. “O Museu do Inter ocupa uma área acima da loja e conta com várias facilidades para este grupo de pessoas”, conta engenheiro. Adriano Bruno, auxiliar de escritório do recém inaugurado Museu do Sport Club Internacional Ruy Tedesco, diz que há elevador, painéis de imagem ao alcance dos cadeirantes e áudios para receber os torcedores que têm deficiências visuais.

Inter 2×0 Ypiranga, às 20h27min, Carlos e Carol decidem começar a jornada de volta para casa mais cedo. É também uma estratégia para não encarar o movimento de mais de vinte mil colorados saindo do Beira-Rio. Satisfeitos com os dois gols do garoto Walter, procuram pelo “ônibus do futebol”. A volta é mais rápida que a ida.

O triunfo, afinal, sempre afaga o torcedor, lhe afasta da impaciência. Os pedregulhos se impõem com menos força que Figueroa, um dos grandes zagueiros da história do Internacional. Tornam-se pedrinhas indiferentes no caminho do casal. Carlos pode acrescentar ao gosto da conquista futebolística a incomparável vitória de desbancar todos os adversários com a sua força de vontade.

Fonte: Notas Futebolísticas

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2 Comentários

  1. Tatiane dos Santos

    Muito importante esse depoimento sobre a Ana Carolina e seu namorado Carlos que é cadeirante.Parabéns Ana pela garra , amor e dedicação!!! Isso que foi relatado aqui seria muito bom se fosse uma exceção a regra, mas infelizmente é a dura realidade que qualquer cadeirante passa para transitar pelas ruas da cidade. Tenho uma filha cadeirante e moro em Santo antônio da Patrulha no RS e lá também é esta mesma realidade. Espero que chegue o dia em q todas as pessoas´independente de suas necessidades especiais, possam circular e dividir os mesmos espaços sem passar por constrangimentos e muitas dificuldades. Participo de um grupo de mães no CDI-Comunidade que estão idealizando um projeto de uma pracinha( parquinho) adaptado para nossos filhos no centro de reabilitação São João batista e precisamos de muita ajuda pra poder concretizar nosso projeto. Que nossos governantes olhem pra nós com mais amor vendo muita capacidade e não só a cadeira de rodas

    • Ricardo Shimosakai

      O futebol é um dos maiores patrimônios intocáveis do Brasil. Diante dessa importância, a questão inclusiva também deveria ser valorizada. Pensar em acessibilidade em estádios somente em ano de copa, por pressão da FIFA, é mostra do quanto ainda somos atrasados no pensamento. Se quisermos evoluir e ter um bom retorno material, o primeiro passo é modificar o modo como pensamos e agimos.

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