A ideia nasceu da amizade entre a proprietária do centro de beleza, Tiziana Ghislotti, com uma mulher com deficiência visual.
“A aparência conta. E muito. Afinal, vivo em um mundo de pessoas que enxergam”, diz a deficiente visual Florinda Trombetta.
Um salão de cabeleireiros em Milão, a capital da moda italiana, oferece cursos de beleza para mulheres cegas que querem cuidar da própria aparência sozinhas. A ideia nasceu da amizade entre a proprietária do centro de beleza, Tiziana Ghislotti, com uma deficiente visual.
“Um dia eu estava na academia de ginástica secando meus cabelos e a Tiziana se aproximou oferecendo ajuda para enxugá-los. A princípio fiquei um pouco ofendida, porque apesar de ser cega, posso usar o secador sozinha. Mas logo depois, a sua naturalidade e simpatia me conquistaram”, conta à BBC Brasil Florinda, de 34 anos, funcionária de uma Consultoria de Recursos Humanos.
Meses depois, enquanto dava conselhos à amiga sobre como escovar os cabelos em casa, Tiziana percebeu que poderia ser útil a outras deficientes visuais. A partir daí, ela elaborou os cursos gratuitos realizados no próprio salão, duas vezes ao mês, depois do expediente.
“Não é um trabalho fácil, é um desafio para mim e para as minhas assistentes. Até conhecê-las, a gente não fazia ideia das inúmeras dificuldades que as pessoas cegas enfrentam cotidianamente para realizar até mesmo os gestos mais simples. Mas no final, quem ganha somos nós, que passamos a conhecer uma realidade diferente”, afirma Tiziana, que é proprietária de um dos salões de beleza mais movimentados da cidade.
Durante os encontros, que duram cerca de três horas, cada assistente se dedica a duas alunas. As instruções para penteados e maquiagens são personalizadas, com base no tipo de cabelo e de pele, biotipo, estilo de vida e, naturalmente, gosto pessoal. “Elas se cuidam muito, querem se informar sobre os produtos, sobre a moda. São mulheres que trabalham, são dinâmicas e esportivas. É importante que elas tenham em quem confiar”, afirma Tiziana, que tem 40 anos de profissão.
A aparência conta
Para Florinda, que perdeu a visão aos 20 anos por causa de uma doença degenerativa, é importante manter um bom aspecto.
“Sei que todos me olham porque sou diferente, porque caminho com uma bengala branca. E já que sou constantemente alvo de atenção, quero que me vejam não apenas como deficiente, mas como alguém de boa aparência. Afinal, vivo em mundo de pessoas que enxergam.”
Funcionárias de salão de beleza ajudam deficientes visuais a se maquiar
Ela afirma que estar bem penteada e com as mãos cuidadas a fazem sentir-se bem. “No curso aprendi um segredo precioso para enxugar os cabelos com o secador sem que eles se armem. E funciona realmente. As sugestões que nos dão são muito válidas. Agora, quando chego ao escritório, os colegas notam e elogiam cada pequena diferença no meu visual.”
Florinda passou a praticar esportes depois de perder a visão. Ela e o marido, com quem é casada há 9 anos e que também é cego, participaram da Paraolimpíada de Londres, em 2012. Ele, como campeão de beisebol, ela de canoagem. Recentemente, Florinda aprendeu a esquiar. “Faço descida livre. É adrenalina pura”.
“Sou muito esportiva e não abro mão do que posso fazer com autonomia para ficar mais bonita, como pentear-me e vestir-me bem. E apesar de ter um pouco de dificuldade em me maquiar, uso um pouco de base, rímel e um brilho nos lábios.”
Confiança
Também para Giovanna Gossi, de 49 anos e cega desde a infância por causa de um glaucoma congênito, a aparência conta. E muito. “Para quem não pode se ver no espelho, a preocupação com o próprio aspecto é ainda maior”, diz a telefonista de um instituto financeiro.
“Não vejo meu rosto e, portanto, tenho que confiar nas pessoas”.
No curso, além de técnicas específicas para escovar ou amarrar cabelos finos, ela recebeu sugestões de maquiagem e conselhos para substituir alguns cosméticos por produtos mais fáceis de serem utilizados, como trocar a base líquida pelo pó compacto.
“Nas aulas, desenvolvemos um método que agradou a todas. Basta passar o pincel no estojo de pó três vezes e iniciar a aplicação abaixo das bochechas, de dentro para fora, duas vezes em cada lado do rosto, depois espalhar pela testa, descer passando pelo nariz até o queixo, sem deixar nenhuma parte de fora, e esfumaçá-lo no início do pescoço”, ensina.
Combinando cores
Também em Milão, Giovanna e outras deficientes visuais fizeram um curso com uma personal shopper de quem receberam dicas de como comprar roupas adequadas a cada fisionomia e estilo, além de aulas de postura e lições sobre como caminhar de salto alto. “É claro que quando você corre para pegar o ‘tram’ (espécie de bonde sobre trilhos, comum em Milão), vai tudo por água abaixo”, brinca.
Exigente e atenta às novidades da moda, Giovanna recorre a uma amiga na hora de ir às compras e combinar cores. “Não posso usar somente preto e branco porque são cores que, juntas, ficam sempre bem. Há muitos outros tons que podem ser misturados”.
E embora o namorado não seja deficiente visual, Giovanna diz não confiar no seu gosto.
“Jamais vou sair para comprar roupas com ele”, conta. “Qualquer coisa que eu vista, até uma camisa de homem, o comentário dele é sempre o mesmo. ‘Belíssima!’”.
Fonte: G1