Quando tinha 09 anos, Karina Guimarães posicionava as mãos em cima das caixas de som para sentir a vibração das músicas. Apenas aos 18, ela conseguiu realizar o sonho de integrar um grupo musical. No coral Mãos que Cantam, da Escola Padre Henrique, acompanhava a música com luvas brancas. Sem apoio, o grupo acabou sob o argumento de que “música não é cultura para surdos”.
A frustração dela, agora aos 30 anos, acabou quando descobriu o Batuqueiros do Silêncio, há cerca de sete anos. “Entrei e nunca mais saí. Amo tocar maracatu, viajar, conhecer outros surdos, mostrar ao mundo que somos capazes e que a música é cultura para surdo sim, pois somos sensíveis, temos sentimentos, só não escutamos”, defende. Verdadeiro baque contra o preconceito, o grupo percussivo foi idealizado por Batman, instrumentista e luthier. Para reger os integrantes, todos com deficiência auditiva, ele utiliza lâmpadas de cores e tamanhos diferentes.
As iniciativas são de extrema importância para o desenvolvimento cognitivo das crianças e dos jovens e para a integração das pessoas com deficiência. “As atividades artísticas estimulam a criatividade e a capacidade deles. A Arte Banda Pestalozzi é convidada para se apresentar em outras escolas e a interação com a comunidade só vem a beneficiar”, avalia Maria do Carmo Rocha, coordenadora pedagógica da Associação Pestalozzi do Recife, fundada em 1976 e direcionada a pessoas com deficiência intelectual e síndrome de Down.
Em Pernambuco, ainda são poucos os grupos formados por pessoas com deficiência. O preconceito é o principal obstáculo enfrentado por eles, mas todos enxergam melhorias. Profissional, Muniz do Arrasta-Pé toca desde os 10 anos e lançou o primeiro disco em 1997, depois de muito esforço. “Sofri muito preconceito. Comecei a tocar sanfona para ajudar a família. Tenho mais quatro irmãos que não enxergam e precisava trabalhar. Muitos não contratam a gente como artista, mas como ceguinho”, reclama o sanfoneiro, aos 49 anos. Ele teve retinose pigmentar congênita e já lançou quatro CDs. A resposta vem, na música, de forma bem-humorada: o show mais recente dele é intitulado Se eu tiver vendo, eu cegue e conta com audiodescrição e intérprete de Libras.
“Antigamente, a pessoa era tratada como ‘mongoloide’. A arte produzida por pessoas com deficiência é enxergada como terapêutica, mas é preciso descolar disso, receber como arte legítima”, defende Valéria Nóbrega, presidente do Integrarte, centro de integração, cidadania e arte idealizado por familiares de pessoas com síndrome de Down.
Neste mês, para celebrar o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, o Integrarte promoveu o Show especial, com apresentações de grupos formados por pessoas com deficiência. Em vez de um único dia, como nas edições anteriores, ocupou a Caixa Cultural por quatro dias, com o sugestivo título Arte quebrando os limites que o preconceito impõe.
Artistas
Batuqueiros do Silêncio
Em 2008, após assistir ao filme O resto é silêncio, de Paulo Halm, o percussionista e estudante de pedagogia Irton Silva, o Batman, quis entender as sensações passadas pela música aos surdos. No ano seguinte, fundou o projeto Som da Pele, com cursos para pessoas com deficiência auditiva e grupos musicais. O mais conhecido é o Batuqueiros do Silêncio, com repertório influenciado por ritmos da cultura popular e contemporâneos.
Integrarte
Com oito espetáculos no currículo e um pronto para estrear, O auto do boi do rei, com 24 atores no elenco, o grupo Integrarte foi fundado há 18 anos, na instituição homônima onde jovens e adultos com síndrome de Down têm aulas de português, matemática, conhecimentos gerais, informática e artes. Em 2009, surgiu o Maracaarte. A batucada e corpo de dança são compostos por alunos da instituição e o figurino é produzido pelas mães.
Cia Cadências
Forrozeira assídua, a empresária Rilmar Barbosa, 54, largou a paixão após um acidente de carro, aos 37, e a redescobriu há sete anos. “Eu nem sabia que podia dançar. Foi maravilhoso, uma sensação de liberdade”, recorda. Há quatro anos, faz parte da Cia Cadências, idealizada por Liliana Martins, com mais três cadeirantes e três andantes, e vencedora do Campeonato Brasileiro de Dança Esportiva, em 2014. A próxima edição será no Recife, em 27 de novembro.
Segnos
Cegos, os irmãos Sivonaldo e Sivonildo Teodoro, de Caruaru, se interessaram por música na adolescência, quando um cantava e o outro tocava teclado em festas. Em 2009, a dupla e outras pessoas com deficiência visual montaram a Segnos. “Hoje, somos seis cegos e 10 videntes. Trabalhamos pela inclusão social e tive a ideia de trazer pessoas ditas normais”, diz Sivonaldo. A banda já tocou com Santanna, Dudu Nobre, Chico César e Cristina Amaral.
Força Especial
No Centro de Reabilitação e Valorização da Criança (Cervac), a música fazia parte da reabilitação dos atendidos pela instituição. “Aos poucos, a capacidade rítmica deles foi nos estimulando, e acreditamos na criação de uma banda, na inclusão através da música”, explica o professor Manoel Santana, criador da Força Especial, de 1994. Antes integrada por crianças, conta com 11 pessoas, de 20 a 45 anos, e lançou dois CDs.
Mãos em Cena
Entre 2008 e 2010, a Praça da Torre foi palco para o espetáculo gratuito Os sentidos da Paixão, com roteiro de Romero Andrade Lima e montagem do Mãos em Cena, com cerca de 40 atores e alguns pais do Centro Suvag, inaugurado em 1976 com o objetivo de oralizar crianças surdas. O grupo foi criado há 10 e já encenou A pedra do reino, de Ariano Suassuna, e Andar sem parar de transformar. Atualmente, é composto por 15 pessoas.
Fonte: Diário de Pernambuco