Mais comum do que parece, pessoas cegas ou com baixa visão que tenham passado por um processo de habilitação ou reabilitação e estão ativas no mercado de trabalho, viajam; utilizam táxis, hospedam-se em pousadas e hotéis, frequentam festas, teatros e shows; e consonem em restaurantes, bares, mercados, farmácias, perfumarias e outros, comumente com total independência. No entanto, algumas novas tecnologias que poderiam agregar ainda mais acessibilidade, pela má concepção em seu desenho inicial, têm representado um grande empecilho para esse segmento composto por milhões de Brasileiros.
Ao longo dos últimos anos, as pessoas com deficiência observaram inúmeras conquistas nos âmbitos social, legal e tecnológico, fato esse que garante uma vida mais independente, autônoma, participativa e inclusiva. Porém alguns projetos de equipamentos têm desconsiderado em sua concepção o segmento das pessoas com deficiência como indivíduos social e economicamente ativos da sociedade, indo de encontro a legislação, inclusive à Convenção Internacional Sobre os Direitos da Pessoa Com deficiência, dentre outros.
Cada vez mais frequentes e como uma forte tendência nos comércios, a utilização de máquinas de cartão de débito com tela touch, por seu design falho e restritivo, privam as pessoas com deficiência visual da utilização do tato, um de seus sentidos mais afetos para acessar informações.
Atualmente, as antigas máquinas com teclas para utilização de cartões de débito ou crédito, vêm sendo rapidamente substituídas por outras sem o mínimo de acessibilidade como a “Moderninha” do PagSeguro – Uol e Máquina de Cartões da Cielo. Essas máquinas são em modalidade touchscreen, como o celular Android ou Iphone: Porém com a diferença que no Andróid há o TalkBack que verbaliza as informações à medida em que a tela é tocada, e no iPhone o VoiceOver, software que lê sonoramente as informações exibidas na tela, de modo a tornar os aparelhos acessíveis, assim permitindo uma ampla gama de possibilidade de utilização.
Já no caso das atuais máquinas, não há qualquer acessibilidade sonora, de ampliação ou tátil para as pessoas com deficiência visual, dessa forma sujeitando-as a grandes constrangimentos como tentar digitar várias vezes a senha até bloquear o uso, ter de passar a senha de seus cartões para que algum conhecido a digite ou pior, se estiver desacompanhada, ter de informar a senha, para uma pessoa estranha digitá-la.
Se, por um lado, esses novos dispositivos touch podem representar algumas vantagens para os vendedores como menor custo e maior portabilidade, por outro é certo que representa a impossibilidade de pessoas cegas ou com baixa visão efetuarem o pagamento de suas compras com autonomia, dignidade e segurança de informações privadas.
Dados DO CENSO DEMOGRÁFICO REALIZADO PELO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, (IBGE), no ano de 2010, apontaram um total de 190.755.799 habitantes, dos quais 35.791.488 se declararam com algum grau de dificuldade permanente para enxergar, ainda que usando óculos ou lentes de contato. Estes números revelam que significativa parcela de brasileiros (18,76% da população total) possue alguma dificuldade permanente para acessar informações apresentadas em telas, o que demonstra a relevância do tema em epígrafe e impõe aos órgãos competentes a obrigação de zelar pelo direito ao acesso da população em geral, e dessas pessoas em particular, antes e acima de possíveis interesses econômicos.
Longe de tolher qualquer avanço tecnológico, é preciso uma grande sensibilização e atuação e se for o caso adotar medidas nas esferas jurídicas, para que esses dispositivos abarquem conceitos de acessibilidade e de desenho universal, de modo a permitir sua utilização, independente das características pessoais, de maneira que em nenhuma hipótese a inovação represente prejuízo ou exclusão.
Beto Pereira – Membro da Coordenação do Fórum Paulista de Entidades de Pessoas com Deficiência; Delegado do Brasil junto à União Mundial de Cegos, Secretário de Acessibilidade da Organização Nacional de Cegos do Brasil; consultor em acessibilidade da Laramara (Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência visual.
Fonte: O Blog de Beto Pereira