Em fevereiro de 2001, Ricardo Shimosakai acabara de voltar de uma viagem de um ano ao Japão quando sofreu um sequestro relâmpago. Assustado, tentou reagir e foi baleado, o que o deixaria, a partir de então, em uma cadeira de rodas.
Quando olha com distanciamento, Ricardo não tem pesar ao lembrar-se de quando recebeu a notícia de que não voltaria a andar. Seu principal empenho estava em recuperar o máximo que pudesse da vida anterior, inclusive voltar a trabalhar. Após tentar colocações profissionais que envolveram ser operador de telemarketing e auxiliar administrativo, ele resolveu abrir sua própria empresa e hoje faz roteiros de viagem para pessoas com demandas específicas na Turismo Adaptado.
Ricardo compõe um índice significativo no mercado de trabalho: o das pessoas com algum tipo de deficiência que decidem empreender. De acordo com o Panorama das MPEs Paulistas, estudo que foi elaborado pelo Sebrae-SP, o Estado conta hoje com cerca de 27% de empreendedores com alguma deficiência. Essa proporção é superior ao porcentual da população economicamente ativa: 21% dos paulistas são empreendedores.
Para Ana Paula Peguim, consultora do Sebrae-SP, a possibilidade de ter seu trabalho reconhecido e de participar da economia do País motivam o empreendedorismo nas pessoas com deficiência.
“Para essas pessoas, empreender significa ter maior participação na sociedade. E não é servindo cafezinho ou trabalhando em uma recepção, é de forma qualificada”, explica a especialista. Ana ressalta que a especialização da mão de obra já chegou às pessoas com deficiência, por isso, o desejo de partir para empreitadas mais ousadas.
A exemplo de Ricardo, as pessoas com deficiência física compõem a maior parcela de empreendedores, com 27% de participação; eles são seguidos pelos deficientes auditivos, que representam 25% dos empreendedores com algum tipo de limitação. “Com acessibilidade em escolas e faculdades, a pessoa tem estudado mais e encontra todas as possibilidades de se desenvolver”, reflete Ricardo.
Mas o empreendedor, por outro lado, ainda reconhece: há um longo caminho a percorrer. “Somos tratados como heróis, e não só no mundo empresarial. O simples fato de estar na rua já admira algumas pessoas. E é apenas meu direito”, reflete Ricardo Shimosakai.
No caso do empresário, o desejo de trabalhar em uma ocupação que o satisfaz profissionalmente foi o fator motivacional para abrir o próprio negócio. Ricardo explica que, seja por falta de estrutura ou receio, empresas ainda não estão preparadas para receber pessoas com deficiência em todos os cargos, o que dificulta o posicionamento.
“Amigos me aconselharam a aceitar o primeiro emprego que aparecesse, pois as pessoas me olhariam com mais respeito. Aceitei em uma empresa de telemarketing, mas odiei. Não era a minha, fiquei seis meses e saí”, relata Ricardo. O prazer em viajar e a vontade insuperável de conhecer lugares novos o levaram a profissionalizar a paixão. “Comecei a considerar a possibilidade quando entendi que as empresas de turismo que prestam um serviço direcionado à pessoas com deficiência, quando o fazem, é de forma errada.”
Contratação. Ainda assim, há um grupo de empreendedores que apostam na qualificação e no empenho de pessoas com deficiência para o trabalho e investem sem medo na sua contratação enquanto funcionários.
É o caso de Maria Alzira Linares, proprietária da unidade de Alphaville da franquia de lavanderias Lavasecco, que emprega há 10 anos uma funcionária com deficiência auditiva na linha de produção.
“O trabalho de uma passadeira é artesanato puro. É preciso cuidar de peça por peça à mão e a exigência dos nossos clientes por um acabamento de qualidade é muito alta. E ela apresenta um resultado impecável”, relata Maria Alzira.
Para integrar a funcionária à empresa da melhor forma possível, a empresária chegou a contratar uma professora intérprete da linguagem de sinais (Libras) para ensinar os demais colaboradores a se comunicarem com a colega, que não tem poder de verbalização. “Com o tempo, todos os 13 funcionários da loja se adaptaram a essa comunicação. Quando é necessário, ela dá indicativos de caminhos. Mas principalmente as aulas nos aproximaram muito.”
:: O cotidiano desses profissionais ::
Falta de oportunidade no mercado empurra o deficiente para o negócio próprio; maioria prefere a indústria
Homens
Entre 55% e 72% dos empreendedores com deficiência em São Paulo são do sexo masculino.
Idade
Mais da metade dos empresários têm 50 anos ou mais e cursou, pelo menos, o ensino fundamental.
Salário
De 60,1% a 71,8% de quem decide empreender tem rendimento mensal de até R$ 1.020.
Setor
A atividade industrial é a mais acessada entre as pessoas com deficiência que decidem empreender, com 32,9% de adesão entre os novos negócios.
Fonte: O Estado de S.Paulo