Perto de terminar curso de direito, a estudante Nathalia Fernandez, que tem paralisia cerebral, decidiu por conta própria testar a acessibilidade de todos os aeroportos da Copa

São Paulo – “Que pouca vergonha. O senhor é comandante!”. É assim, com esse espírito destemido, que a paulistana e estudante de direito Nathalia Blagevitch Fernandez, 23 anos, interpela um piloto de companhia aérea logo após ele deixar um banheiro para pessoas com deficiência no Aeroporto de Salvador, onde havia entrado para trocar de roupa.

Ela, que é cadeirante – um termo novo, mas amplamente utilizado – teve que esperar que ele saísse para poder usar o toalete especial.

Já em outro aeroporto, Nathalia balança a mão e chama diversas vezes pela atendente do check-in que, separada por um elevado balcão, mexe distraidamente no cabelo sem vê-la.

Estas são duas situações que poderão ser vividas por pessoas com deficiência que desembarcarem em algum dos aeroportos brasileiros para a Copa do Mundo.

E ambas são cenas do documentário “Acessibilidade nos aeroportos da Copa 2014”, mostrado em primeira mão por EXAME.com e que pode ser conferido nesta matéria, dividido em duas partes.

Entre julho e agosto do ano passado, Nathalia resolveu sozinha responder a uma indagação: como “os deficientes vão chegar nessa Copa” em todas as 12 cidades sede?

“Eu não consigo nem ir ao supermercado perto da minha casa!”, atesta ela.

Bancando tudo do próprio bolso e com ajuda da família, ela só contratou um cinegrafista e contou com a presença da mãe em uma parte da epopeia.

As seis horas de filmagem acabaram virando o filme de cerca de vinte e sete minutos. Veja abaixo a primeira parte.

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Paralisia
Por um erro médico na hora do parto, Nathalia tem paralisia cerebral, o que significa que seu cérebro sofreu uma lesão por falta de oxigenação.

Como resultado, a parte direita de seu corpo “não funciona bem”, como ela mesma diz. Mas as restrições são apenas motoras.

Hoje em vias de concluir o curso de direito em São Paulo, Nathalia fez sua inspeção nos aeroportos com as resoluções da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) na ponta da língua. Mas a ideia não era ser chata ou detalhista na busca por direitos.

“Eu fui pelo o que o povo todo conhece e sabe: banheiro especial, vaga no estacionamento, o primeiro assento do avião, calçadas com guia rebaixada, intérprete de libras, entre outros”, diz.

Embora ela mesma não seja surda nem precise de alguém que se comunique por meio de libras, fez questão de testar se a Infraero e as concessionárias cumpriam a exigência legal de ter alguém para se comunicar com os surdos.

“Quis sair para olhar como meus semelhantes – as grávidas, os idosos, surdos, não só os cadeirantes – estariam sendo tratados na Copa do Mundo”, afirma.

E conta rindo – o que não exclui daí certo componente trágico – de um atendente que alegou apenas falar “espanhol” quando perguntado pelo intérprete de libras. Já outro saiu procurando por funcionários que soubessem braille – que é o sistema de leitura para cegos.

Filme
O filme não terá lançamento oficial. A ideia é divulgá-lo mesmo na internet.

Ele mostra Nathalia rodando as áreas de embarque e desembarque com sua scooter, como é chamada o veiculo motorizado em que ela se locomove.

E revela ainda as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência que vão muito além do (habitual) uso de banheiros e vagas para aqueles com necessidades especiais.

“Teve alguns lugares que eu reparei que foi um verdadeiro circo para embarcar com a cadeira de rodas. Chama um, que chama o supervisor, e fica todo mundo se reunindo, falando baixo, e eu ficava com minha câmera perguntando como ficava”, lembra ela.

Mais do que questões de infraestrutura, o mais emergencial para a estudante de direito – que neste momento aguarda o resultado da segunda fase do Exame da OAB e que já morou sozinha nos Estados Unidos – é a falta de preparo de funcionários dos aeroportos e das companhias aéreas.

“O jeitinho brasileiro a gente sempre dá e resolve. Mas o que me incomodou foi a falta de traquejo e instrução. Será que a pessoa me perguntou se pode me ajudar, se ela pode tocar aqui? Eu me senti com uma coisa robótica (ao ser transportada)”, conta.

Mas faz questão de deixar elogios aos aeroportos de Manaus, Campinas (Viracopos) e Porto Alegre. Neste último, o banheiro tinha até um botão para ser aberto, coisa que ela só havia visto no exterior. E possuía também um intérprete de libras.

Se Porto Alegre recebeu a mais alta distinção, Galeão e o de Curitiba foram reprovados.

As gravações, vale lembrar, ocorreram há quase um ano. Desde lá, os aeroportos de Brasília e Guarulhos, por exemplo, ganharam novos terminais. Natal inclusive ganhou outro aeroporto. Vários passaram – ou ainda passam – por reformas.

“Espero do fundo do meu coração que eles tenham mudado. O que falta para as companhias aéreas, para a Infraero, para donos de restaurante, é enxergar o deficiente como público consumidor, e não como coitado”, defende ela, que pretende militar na causa.

A segunda parte do vídeo pode ser vista a seguir:

Fonte: Exame

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