Já imaginou ir ao teatro e não enxergar nada? O Centro Argentino de Teatro Ciego, localizado em Buenos Aires, oferece uma experiência sensorial independente da visão. Dentro dele, os míopes, os cegos e quem vê normalmente compartilham o mesmo drama: não conseguem ver o que se passa no palco.
É importante ressaltar que não se trata de um espetáculo feito por cegos ou destinado a eles. A proposta da atração é exatamente o contrário: não discriminar. Todos, portanto, são igualmente bem-vindos. Inseridas em um ambiente sem luz, as pessoas que visitam o Teatro Ciego são obrigadas a encontrar outras maneiras de aproveitar o momento.
Além de permitir o desenvolvimento dos diferentes sentidos, a experiência abre os olhos da plateia para a importância da inclusão de pessoas com deficiência na sociedade – lá, todos sentem na pele o que é viver no escuro. O fato de ser também uma escola de teatro justifica a intenção do atual diretor Marin Bondone: “Meu desejo é formar atores – cegos ou não – que não precisem de luz para se apresentar”.
A ideia do Teatro Ciego surgiu em 1991, na cidade de Córdoba, a 700 km de Buenos Aires, quando Ricardo Sued, inspirado por técnicas de meditação tibetana, decidiu criar um teatro diferenciado. Em 2001, o ator Gerardo Bentatti, que atuava com Sued desde 1994, reuniu atores cegos, membros do grupo de teatro da Biblioteca Argentina para Cegos, que começaram a se apresentar no escuro.
Com o crescimento e o sucesso do grupo, batizado de Ojcuro (derivação da palavra “oscuro” – em português, “escuro”), cresceu também a necessidade de uma sede fixa para as apresentações. Assim, em 4 de julho de 2008, foi fundado o primeiro teatro às cegas do mundo – o Centro Argentino de Teatro Ciego fica no bairro de Abasto, reduto do tango de Buenos Aires, onde foi criado o ícone Carlos Gardel.
Em “A Ilha Deserta”, o grupo convida a plateia a embarcar em uma viagem repleta de aventuras e amores. Os personagens são funcionários de um escritório, que se revoltam contra a rotina, os medos e a estabilidade da vida empresarial. Francisco Menchacha, que atua na peça, considera o trabalho um exercício não apenas linguístico, mas também físico: “Apesar de estarmos no escuro, nós não ficamos parados só falando; há muito movimento”.
O musical “Às Cegas com Luz” é uma homenagem a Luz Yacianci, a cantora principal. Para atingir o público turista, ela canta músicas de diferentes ritmos em vários idiomas. Carlos Cabrera, pianista portador de deficiência visual que a acompanha no espetáculo, tem todas as partituras escritas em braile, mas as toca de memória. Nesse show, há ainda uma atração extra: é oferecida uma degustação ao público condizente com os estilos musicais apresentados. O objetivo é permitir que, além da audição, o paladar da plateia também seja aguçado.
A reação do público varia, mas a grande maioria considera interessante a experiência de assistir a uma peça sem enxergá-la. Alguns vão pela curiosidade, outros pelo projeto de inclusão social. Ficou curioso? Aumente o som, feche os olhos e aproveite um trecho do Teatro Ciego:
Fonte:Guia dos Curiosos